Sustentabilidade e governança como políticas universais

08 de abril de 2021

A pandemia expôs as fragilidades socioambientais do planeta e trouxe rigor ao modo como empresas, mercado financeiro e a própria sociedade tratam essas temáticas. O conceito de ESG chega para reduzir impactos negativos causados à natureza, que agora se refletem com mais força no universo das finanças.

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A nova geração de investidores, os millennials [pessoas nascidas entre 1985 e 1999], passou a cobrar mais compromisso das empresas em relação às causas socioambientais e de governança Environmental, Social and Governance (ESG), na sigla em inglês. Refletindo essa nova onda de pensamento, em sua carta ao mercado, no ano passado, Larry Fink, CEO da maior gestora de recursos do mundo – US$ 8,6 trilhões –, a BlackRock, deu o tom. A gestora detalhou o seu compromisso de incorporar a sustentabilidade tanto na sua gestão como na sua avaliação de riscos. Sua convicção é a de que essa nova postura ajude os investidores a construírem portfólios mais resilientes e a alcançarem melhores retornos de longo prazo, ajustados ao risco.

O reforço veio no Fórum Econômico Mundial, em janeiro deste ano, cujo tema central foi ESG. O recado, desta vez, foi para governos, empresas e pessoas. A nova ordem chegou ao Brasil com certo atraso. Mesmo assim, ações concretas vêm sendo aceleradas recentemente.

A BlackRock, que hoje tem globalmente cerca de 5,6 mil estratégias de investimentos e consultivas integradas ao ESG – somando US$ 2,7 trilhões em ativos, até 30 de dezembro de 2020 – introduziu 93 novas soluções sustentáveis no ano passado, para ajudar as empresas a alocarem US$ 39 bilhões em investimentos ESG, o que elevou os ativos sustentáveis dos clientes em 41% desde 31 de dezembro de 2019. “Os investidores estão cada vez mais considerando estas questões e reconhecendo que o risco climático é um risco de investimento. Como os mercados de capitais projetam riscos futuros, veremos mudanças significativas na alocação de capital ocorrerem mais rapidamente do que as transformações no clima”, afirma Carlos Takahashi, CEO da BlackRock no Brasil.

Takahashi grifa que muitas pessoas pensavam que o covid-19 atrasaria a mudança em direção ao investimento sustentável, mas aconteceu exatamente o contrário. O impulso aumentou globalmente. Dados da própria BlackRock mostram que 81% de uma seleção global de índices sustentáveis (compostos por empresas que adotam práticas ESG) tiveram um desempenho acima do esperado em relação aos índices de referência do mercado de capitais (como Ibovespa e S&P 500).

“O desenvolvimento do ecossistema pressiona por produtos financeiros ESG. A nova geração não vai olhar apenas risco e retorno, mas também de que forma os resultados são obtidos. E isso ajudará a mudar a indústria financeira e as empresas.” Carlos Takahashi, CEO da gestora de recursos BlackRock no Brasil

PRÁTICAS E PRODUTOS

A nova geração de investidores vem mudando também a forma como gestores se relacionam com os seus clientes. Canais de distribuição alternativos, educadores financeiros, gestores de recursos e grandes bancos de varejo estão tendo que se reinventar no relacionamento com seus stakeholders.

Em 2020, globalmente, a BlackRock mais do que duplicou a sua plataforma de produtos de investimentos sustentáveis ativos, elevando o total para 71 estratégias por meio de ações, renda fixa e outras alternativas. Isto inclui seis novas estratégias de impacto de ações ativas para clientes institucionais e de varejo em mercados selecionados. No Brasil, com a mudança regulatória em 2020, que permitiu a negociação das BDRs (Brazilian Depositary Receipt – sigla em inglês para certificado de depósito de ações de companhia estrangeiras) na B3, a gestora apostou nesta estratégia, como também nas ETFs (Exchange-traded Fund – sigla em inglês para fundos que replicam o desempenho de determinados índices) globais da BlackRock que usam ativos financeiros de ESG e que começaram a ser comercializados no mercado local.

O Bradesco, que tem um fundo de sustentabilidade negociado desde 2007, também admite que o tema ganhou tração no ano passado devido à pandemia. Na sua avaliação, o mercado brasileiro sempre se preocupou mais com a governança das empresas do que com o meio ambiente e o social, por causa do histórico de destruição de valor de companhias como Petrobras, Oi e Smiles. “O interesse dos millennials é muito maior no ‘ES’”, avalia Rodrigo Santoro, head de Análise de Renda Variável e Crédito da Bradesco Asset Management (Bram). Pesquisa da Morgan Stanley confirma ao apontar que 95% dos millennials têm interesse em investir em ativos sustentáveis. De olho nisso, a Bram trabalha no engajamento das companhias.

Mais quatro fundos ESG foram lançados pelo Bradesco nos últimos seis meses; juntos, captaram R$ 350 milhões até o final de 2020. Só no fundo de renda variável ESG figuram 36 empresas contempladas, entre Natura, CPFL, Klabin, Brasil Bolsa Balcão (B3) e São Martinho. O executivo defende que a participação ESG vai aumentar de forma acelerada e que já aplica rating ESG em 99,5% dos ativos de sua carteira.

Nesta corrida, a XP lançou 13 fundos ESG, entre os de gestão própria e em parceria com outras gestoras, o que fez com que o patrimônio líquido [PL] desses fundos saltasse de R$ 50 milhões em junho de 2020 para R$ 516 milhões no fechamento do ano, com mais de 20 mil investidores. Na esfera da asset, destinaram ainda R$ 100 milhões em seed money para incentivar gestoras independentes a estruturaram seus fundos ESG. Seus mais de 7 mil agentes autônomos também recebem capacitação para oferecer investimentos com foco ESG para os seus clientes.

O BTG Pactual (BPAC11), maior banco de investimentos da América Latina, aderiu, no dia 22 de janeiro deste ano, ao Sustainable Bond Network da Nasdaq, banco de dados da bolsa eletrônica norte-americana que reúne as informações sobre as principais emissões de bonds sustentáveis no mundo. O banco cadastrou sua captação de US$ 500 milhões em green bonds, realizada um mês antes, ao lado de outras duas emissões menores em 2020, e se tornou a primeira instituição financeira da América Latina a integrar a lista.

MITIGAR RISCOS

No ano passado, foram lançados globalmente 200 fundos de ETF, que captaram US$ 97 bilhões, totalizando US$ 189 bilhões em PL neste tipo de fundo, um avanço de 223% em relação a 2019, segundo dados da Nasdaq. Um desses lançamentos foi o do BTG e aconteceu na B3, o que fez com que o volume negociado nos índices de referência em ESG da Bolsa dobrasse. No País, são quatro ETFs de ESG, que fecharam 2020 com R$ 255 milhões em PL. Para as gestoras de recursos, os ETF de ESG, além de serem comprometidos com as práticas socioambientais e de governança, servem para diversificar e mitigar risco do investimento, pois está pulverizado em ativos de diferentes empresas.

Já o Itaú, dono de dois outros fundos de ETF negociados na B3 desde 2011 (ISUS11 e do GOVE11), lançou no final de 2020 outros dois fundos temáticos internacionais: o ESG de ETF de água, com 50 empresas globais e o de energia limpa, com 30 empresas globais.

“O propósito de uma empresa é engajar todos os seus stakeholders [todo o universo de relacionamento dentro e fora da empresa] para criação de valor de forma compartilhada e sustentável. Ou mudamos drasticamente o nosso comportamento ou seremos responsabilizados pelas tragédias que estarão por vir.” Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial

NÃO BASTA O MODISMO

A Fama, gestora pioneira em defender a incorporação dos conceitos ESG nos investimentos, diz que não basta adotar tais práticas. Elas precisam estar encravadas na cultura e nos processos decisórios em todos os níveis da empresa.  Em 1983, quando Fabio Alperowitch, sócio e fundador da Fama, já levantava esta bandeira, não era levado muito a sério, mas foi nesta data que Alperowitch lançou o fundo ESG mais antigo do mercado brasileiro, que hoje tem 16 empresas listadas, PL total de R$ 2,8 bilhões e é um dos produtos de investimentos mais cobiçados do mercado devido à alta rentabilidade.

Apesar de se irritar com o que chama de “modismo ESG”, o gestor vê avanços. Para ele, mais do que avaliar as condutas e práticas das empresas que escolhem para compor os portfolios de investimentos, as gestoras devem buscar os seus próprios certificados, que as credenciem nas mesmas práticas que avaliam o mercado. Possuir o selo do Sistema B (certificação dada pela empresa norte-americana B Lab) é um deles.

Longe do modismo citado por Alperowitch, a Quasar tem como meta que todos os fundos administrados pela asset se enquadrem em ESG até 2023. Com uma carteira total de R$ 3 bilhões de recursos administrados, sendo R$ 1,2 bilhão em fundos líquidos de crédito, a gestora desenvolveu métrica específica de análise de risco ESG e estruturou uma política interna de investimento socioambiental. Além disso, a gestora é signatária da plataforma “Investidores pelo Clima”, e obteve em novembro seu certificado de neutralização de carbono, concedido pela Moss.Earth.

Em vista de popularizar o mundo dos investimentos, a Warren é uma gestora conhecida no mercado pela campanha de aplicações simbólicas a partir de R$ 1 até mesmo em produtos sofisticados como os de ESG. Dos fundos próprios que comercializa na plataforma, dois são ESG, e tem temáticas específicas: Warren Equals e Warren Green. O primeiro formado por ações de empresas globais com políticas de equidade de gênero. E, o segundo, reúne empresas nacionais e internacionais, reconhecidas por boas práticas sociais, ambientais e de governança. O Green, que tem entre 25 e 30 empresas nacionais e estrangeiras, lançado em outubro de 2019, acumulou 41,32% de rentabilidade em 2020, enquanto o Ibovespa rendeu 3,17%.

Com os lançamentos frenéticos de produtos de investimentos em ESG, o Brasil busca não só atender aos anseios e às exigências dos jovens investidores, mas, também, se alinhar à nova ordem global, que impõe uma agenda sem volta.

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Roseli Loturco Paula Seco
Roseli Loturco Paula Seco