O acordo possível da COP26 foi selado, em Glasgow, com a certeza de que ele não conseguirá limitar o aquecimento global a 1,5ºC. Em vídeo, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, se desculpou pelo “passo importante, mas não suficiente”: “Quero mandar uma mensagem para os jovens, comunidades indígenas, mulheres e todos aqueles que lideram o combate às mudanças climáticas: sei que estão desapontados, mas o caminho para o progresso não é uma linha reta. Às vezes, existem desvios e valas, mas eu sei que podemos chegar lá. Estamos na luta por nossas vidas e esta luta precisa ser vencida. Nunca desistam, nunca recuem, continuem pressionando, eu estou com vocês.”
Com a participação de cerca de 200 países, a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática chegou ao fim sem que os povos amazônicos pudessem celebrar. Embora na primeira semana da COP26 foram assinados compromissos paralelos sobre zerar o desmatamento e reduzir a emissão de metano em 30% até 2030, medidas que afetam diretamente o uso da floresta amazônica, não houve um acordo para a transição de energia de fontes poluidoras para as de matrizes limpas.
De última hora, China e Índia, apoiados por Rússia e Arábia Saudita, impediram que o documento final empregasse a palavra “eliminar” gradualmente o uso de combustíveis fósseis, os mais danosos e principais responsáveis pelo aquecimento global. No lugar, ficou o verbo “reduzir”. Já é um avanço, porque é a primeira vez que alguma forma de tentar reduzir o uso de combustíveis fósseis foi incluída num texto da COP.
Na prática, o acordo final da COP26 adia a solução para os próximos anos, o que sinaliza que eventos climáticos extremos, como inundações, secas e incêndios florestais, continuem a castigar o planeta. A sinalização por uma eliminação do uso de combustíveis fósseis, incluindo o petróleo, o gás e o carvão natural, impactaria diretamente o Brasil. A Petrobrás, maior empresa brasileira, se tornaria obsoleta e desvalorizada em pouco mais de três décadas.
A comitiva oficial brasileira, que foi a Glasgow de olho em recursos financeiros, comemorou a finalização do livro de regras do Acordo de Paris, regulamentando o Artigo 6 que estabelece a criação de um mercado de carbono. “O Brasil se prepara para ser grande exportador de créditos carbono!”, escreveu no Twitter o perfil do Ministério do Meio Ambiente.
“O Brasil preferia que o texto fosse diferente em muitos casos. Viemos para esta COP não só com uma posição e preferências, mas também com o entendimento maduro de que essas negociações precisam ser finalizadas”, disse o embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, chefe da delegação brasileira na COP26. “Temos o prazer de ver que o artigo 6 permite um novo canal para o fluxo financeiro internacional para os esforços de mitigação dos países em desenvolvimento. Nosso trabalho agora está concluído e o Brasil espera continuar a se envolver com a implementação do artigo 6.”
Os países foram duramente criticados pelos ativistas por usarem da conferência para conseguir recursos financeiros com a desculpa de que precisam de financiamento para começar a combater a crise climática com urgência. O mesmo valeu para as empresas, que na primeira semana da COP26, participaram dos debates e a despeito de oferecerem recursos bilionários para ações de combate ao aquecimento global ainda adotam políticas de “greenwashing”.
Com a maior comitiva de povos indígenas presentes numa conferência das partes, a participação do Brasil na COP26 se viu dividida em dois lados e o próprio governo brasileiro optou por apoiar explicitamente apenas um deles. Havia um pavilhão com a presença dos movimentos sociais, cientistas e ambientalistas e um outro bancado pelo governo federal, com apoio da Confederação Nacional da Indústria e da Confederação Nacional da Agricultura. Os indígenas se viram perseguidos por apoiadores de Bolsonaro, sobretudo depois que a jovem líder Txai Suruí discursou na abertura do evento. A liderança Alessandra Korap Munduruku, que também esteve em Glasgow, teve sua casa em Santarém (PA) invadida por criminosos.
A ativista Greta Thunberg, após finalizado o acordo final da COP26, ironizou o resultado, retuitando uma mensagem publicada dia 7 de novembro em que já expressava seu ceticismo. Ela escreveu: “A #COP26 acabou. Aqui está um breve resumo: blá, blá, blá. Mas o verdadeiro trabalho continua fora desses corredores. E nunca vamos desistir, nunca.”
O acordo final da COP26 definiu que já em 2022 os países têm de divulgar novos compromissos de redução de gases do efeito estufa. O próximo encontro ocorrerá no Egito. A NDC brasileira (Contribuição Nacionalmente Determinada), nome do documento com metas voluntárias de cada nação, foi revisada nesta cúpula do clima, restabelecendo uma meta de 2015, acordada pela presidenta Dilma Rousseff.
Sob a gestão de Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente, a NDC havia sofrido uma “pedalada ambiental”, falseando esses dados e permitindo que o Brasil pudesse continuar aumentando suas emissões – que, na prática, significam permitir o avanço do garimpo ilegal, da grilagem de terras e da pecuária sobre a floresta amazônica.
“Não que o Brasil não tenha potencial. Ele tem potencial. O nosso problema é ter um governo que anula esse potencial de acontecer na prática e o Brasil destravou algumas negociações ou abriu mão de posições muito ruins que ele tinha em algumas negociações”, afirmou à Amazônia Real Márcio Astrini, diretor-executivo do Observatório do Clima. Astrini acompanhou, em Glasgow, as negociações multilaterais.
Os números divulgados pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), ainda durante a realização da COP26, mostram que 877 quilômetros quadrados da Amazônia Legal estão sob alerta de desmatamento, aumento de 5% em relação a 2020. Segundo Astrini, os números atualizados do desmatamento mostram que o que importa para o clima “é no chão da floresta”. E analisa: “Quando fecharem as portas aqui (da COP26), voltamos para a realidade que o Brasil continua sendo sob a gestão de Bolsonaro um problema para o clima mundial porque temos um governo da destruição e não um governo que vai trazer a solução.”
Já o ministro brasileiro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, demonstrou ignorância ao ser questionado numa coletiva de imprensa, na sexta-feira (12), sobre os dados do desmatamento do Inpe. “Nós estamos mostrando o que o Brasil tem de verdade. Não acompanhei esses números, soube que eles saíram hoje, mas eu não vi ainda”, desconversou. Nesse momento, ele respondia a uma pergunta sobre ter usado dados contestáveis ao falar de conquistas ambientais do Brasil.
Leite, ainda na coletiva de imprensa acompanhada pela Amazônia Real, fez um resumo da participação do País na conferência e enfatizou novamente a necessidade de financiamentos para que o Brasil consiga atingir a neutralidade nas emissões de carbono. “O Brasil está sendo construtivo e continuará focado no seguinte ponto da negociação: os países mais vulneráveis precisam de financiamento para gerar empregos verdes em regiões onde ainda há dependência de combustíveis fósseis. E é necessário garantir recursos para a neutralidade de carbono.”
O Brasil tentava também emplacar, junto a Argentina, Paraguai e Uruguai, a criação de um comitê permanente para monitorar o controle dos 100 bilhões de dólares anuais que as nações ricas devem bancar para financiar ações contra o aquecimento global em países em desenvolvimento. A União Europeia se opôs, seguida de outros países ricos.
Para frear o aquecimento global, embora os países estejam se comprometendo a reduzir suas emissões de gases estufa, ainda será necessário que outras medidas compensatórias sejam adotadas, e uma delas é permitir que os países em desenvolvimento como o Brasil não só interrompam a destruição de suas florestas, como possam ter recursos para manter a preservação de suas áreas verdes.
O acordo final da COP26 decidiu não estabelecer uma cifra nesse sentido, mas reconheceu que é necessário “bem mais” que os 100 bilhões de dólares por ano. Esse dinheiro deve começar a entrar no caixa dos países em desenvolvimento só a partir de 2025. Esses recursos são necessários para se fazer uma transição em prol de uma economia verde mais equilibrada.
Outro fracasso nas negociações da COP26 foi a não-inclusão da proposta pela criação de um fundo de “perdas e danos” para países que já enfrentam emergências climáticas, como as nações-ilha, que estão submergindo com o aumento dos oceanos. Na plenária final, a representante das Ilhas Maldivas, localizadas no Oceano Índico, resumiu a questão dramática de seu povo: “Precisamos enfrentar essa crise climática nas pequenas ilhas em tempo. Gostaria de lembrar a todos, que temos 98 meses para cortar pela metade as emissões globais. A diferença entre 1,5º C e 2ºC é uma sentença de morte para nós.”
O presidente da COP26, o britânico Alok Sharma, interrompeu sua fala, emocionado, ao lamentar que o acordo final evitou a determinação pelo fim do uso de combustíveis fósseis. Mas destacou que era preciso chegar a um consenso no texto que foi finalizado no sábado. Foi bastante ovacionado nesse momento.
Para Márcio Astrini, do Observatório do Clima, o balanço da COP26 para os brasileiros não foi dos melhores. “Infelizmente o Brasil deixou de ser um um possível jogador positivo nesse jogo, que desempenhava um papel importante, para virar alguém que pode atrapalhar muito o processo. Isso é muito ruim para o País porque vai colocando ele em uma situação mais isolada e mais difícil”, resumiu. (Colaborou Eduardo Nunomura)