Convergências tributárias

03 de maio de 2023

Um GT foi instalado em fevereiro na Câmara dos Deputados para discutir os pontos críticos das propostas de Reforma Tributária. As atividades do grupo devem ser concluídas até 16 de maio, a fim de liberar o texto finalizado para votação ainda no primeiro semestre.

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Desde 5 de outubro de 1988 — data da promulgação da atual Constituição Federal —, até setembro de 2022, foram editadas 466,56 mil normas tributárias que afetaram a vida da população brasileira. Os dados são do último levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT).

Esse emaranhado de regras resultou nos 63 impostos cobrados (muitos com alíquotas diferentes entre Estados e municípios) e em 97 obrigações acessórias — conjunto de documentos, registros e declarações utilizadas para o cálculo de tributos e que devem ser enviados ao Fisco em prazos preestabelecidos, sob pena de multa —, segundo dados do instituto em 2017.

Tal complexidade obriga as empresas a despender investimentos crescentes em mão de obra e áreas destinadas exclusivamente a compreender, apurar e pagar impostos, entregar obrigações acessórias e acompanhar fiscalizações.

Soma-se a isso a elevada carga tributária nacional, avaliada em mais de 33,7% do Produto Interno Bruto (PIB) — dado de 2022 —, a segunda maior do mundo, atrás apenas de Cuba (42,3%) no ranking dos países onde se pagam mais impostos, de acordo com o levantamento mais recente (2018) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), incluindo países da América Latina e Caribe.

Para tentar mudar esse cenário, o Congresso Nacional pleiteia, desde a década de 1990, propostas de Reforma Tributária, mas pouco se avançou nessa matéria. Contudo, a nova legislatura promete dar uma definição ainda no primeiro semestre deste ano, concebendo um novo sistema para a cobrança de tributos.

Essa difícil equação contrapõe União, Estados, municípios e setores da cadeia produtiva, pois dar pesos iguais a Estados e setores diferentes, resultaria em aumento de carga tributária para uns e perda de arrecadação para outros.

Ideais em comum

Ainda assim, existe o consenso de que o sistema precisa mudar para refletir a capacidade contributiva da sociedade e alavancar a economia nacional, com mais empregos e renda. Chegar à reforma possível é a tarefa de um Grupo de Trabalho (GT) instalado em fevereiro na Câmara. A intenção é deixar o texto pronto para ser votado no plenário ainda no primeiro semestre.

Diante dos debates, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) participa de reuniões com parlamentares para compartilhar os possíveis impactos da reforma nos setores que representa e esclarecer pontos de atenção que precisam ser revistos na proposta. No início de março, representantes da Entidade se reuniram com o coordenador do GT da Câmara, em Brasília. Em abril, técnicos do Conselho de Assuntos Tributários (CAT) da Federação se encontraram com a bancada do Partido Liberal (PL). Entre tantos quesitos complexos que ainda precisam ser definidos, existem pontos convergentes nas propostas discutidas — o que pode resultar em uma reforma tributária possível. Sarina Sasaki Manata, assessora jurídica da FecomercioSP, destaca seis deles. Confira a seguir.

1. Autonomia dos entes para fixar a alíquota

Apesar de o texto da PEC 45 definir que o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) deve ter uma única alíquota de referência, permite que Estados e municípios fixem as alíquotas do imposto de forma autônoma. “Isso faz sentido para garantir que cada ente fixe a alíquota que melhor se adapte às necessidades de gasto e de arrecadação, além de permitir que setores estratégicos sejam impulsionados por alíquotas menores”, afirma Sarina.

No entanto, os entes estaduais e municipais veem com preocupação a unificação de seus principais impostos (ICMS e ISS) com os tributos federais sobre consumo, tendo em vista a perda da autonomia na gestão desses recursos.

2. Tributação no destino

As propostas também preveem que o IBS seria recolhido no destino da operação, ou seja, onde o bem ou serviço é efetivamente consumido. Com a tributação no destino, a arrecadação do imposto seria dividida entre os Estados e municípios onde o produto ou serviço foi usado, levando em conta a alíquota vigente em cada localidade.

“Isso significa que as regiões mais desenvolvidas teriam uma redução na sua arrecadação de impostos, enquanto as menos desenvolvidas teriam um aumento na arrecadação. Essa nova dinâmica pode acabar com a guerra fiscal entre Estados e fortalecer novos mercados onde produtos e serviços sejam consumidos”, pondera a assessora da FecomercioSP.

3. Não cumulatividade plena

Na PEC 45, o conceito da não cumulatividade plena seria aplicada ao IBS, que seria o único tributo sobre o consumo a ser recolhido no País. Isso significa que o imposto pago na compra de matérias-primas, por exemplo, poderia ser deduzido integralmente do imposto devido na venda do produto final.

Frente a uma não cumulatividade plena, os impostos pagos em etapas anteriores da cadeia produtiva são considerados créditos fiscais, que podem ser utilizados para abater o imposto devido nas etapas posteriores da cadeia produtiva. “O crédito amplo evita a cobrança em cascata de impostos, com possibilidade de redução dos custos de produção e dos preços dos produtos finais. Contudo, a restrição ao crédito financeiro, ou seja, apenas do tributo efetivamente pago, merece ser ajustado”, analisa Sarina.

4. Não incidência sobre exportações e incidência sobre importações

Também está em discussão a não incidência de IBS sobre as exportações. Isso significa que as empresas que exportam produtos ou serviços não pagarão o imposto com base nessas operações. “A não incidência sobre as exportações é importante para tornar os produtos brasileiros mais competitivos no mercado internacional, evitando que sejam sobretaxados e dificultando a sua venda para outros países”, destaca Sarina. Além disso, segundo a assessora jurídica, essa medida estimula as empresas a investir em inovação e tecnologia, ao buscar competir em um mercado global.

Por outro lado, a proposta prevê a incidência do IBS sobre as importações de bens e serviços, ou seja, as empresas que importam produtos ou serviços para o Brasil serão obrigadas a pagar o IBS.

“A incidência sobre as importações tem o objetivo de evitar a concorrência desleal entre empresas nacionais e estrangeiras”, analisa Sarina, que salienta ainda que a medida pode estimular a produção local de bens e serviços.

5. Imposto Seletivo

O Imposto Seletivo (IS), de responsabilidade da União e recolhido com o IBS, seria uma espécie de tributo sobre o consumo de produtos considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente ou que tenham um alto valor agregado. O objetivo é desestimular o consumo desses produtos e gerar recursos adicionais para o Estado, que poderiam ser destinados para áreas como Saúde, Educação, Segurança, entre outras. “O imposto também permitirá ao governo estimular setores ou produtos importantes para a economia nacional, como é feito hoje com o IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados] para venda de automóveis, eletrodomésticos, entre outros”, diz a assessora.

6. Transparência

As propostas em discussão visam a dar transparência ao consumidor final para que saiba quanto paga de imposto sobre o valor bruto do produto ou serviço consumido. “Um sistema tributário transparente é fundamental para que o consumidor saiba exatamente quanto paga de imposto, o qual será destinado a financiar políticas públicas”, conclui Sarina.

“Uma Reforma Tributária eficaz para o setor produtivo deve primar por desburocratização, simplificação e manutenção da carga setorial atual, respeitando a autonomia dos entes federativos e o livre-mercado.” Márcio Olívio da Costa, presidente do Conselho de Assuntos Tributários (CAT) da FecomercioSP

PROPOSTAS À MESA

PEC 45/2019: proposta de emenda constitucional apresentada na Câmara dos Deputados em 2019 prevê a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e do Imposto Seletivo (IS), que substituiria cinco tributos: ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI. O objetivo seria simplificar o pagamento de tributos, além de acabar com a guerra fiscal.

Os pontos sensíveis do texto são: perda de autonomia de Estados e municípios sobre a partilha do IBS, sendo a sua gestão e o seu recolhimento compartilhados pelos entes e administrados por um comitê gestor; aumento da carga tributária setorial, especialmente para setores de serviços; e transição de seis anos, levando os contribuintes a conviver com dois sistemas simultâneos.

PEC 110/2019: a proposta foi apresentada no Senado em 2019, cujo texto substitutivo prevê as criações do IBS, formado pela fusão do ICMS e do ISS, de modo a manter a autonomia de Estados e municípios; da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), formada pela fusão de Cofins, Cofins-Importação e PIS, de competência da União; e do IS, em substituição ao IPI. Estabelece ainda a progressividade do ITCMD, amplia a base de incidência do IPVA e define a atualização do IPTU a cada quatro anos. Como também prevê alíquota única, de igual modo, haverá aumento da carga tributária setorial. Além disso, o período de transição é ainda maior: sete anos.

Filipe Lopes Débora Faria
Filipe Lopes Débora Faria