Diminuir para simplificar

24 de outubro de 2023

A capacidade de uma sociedade de sustentar o Estado é o elemento básico para definir um adequado sistema tributário. O Brasil, porém, vai na contramão desse caminho ao analisar a Reforma Tributária sem considerar a alteração da estrutura estatal, que gera os elevados gastos públicos.

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O Brasil está prestes a embarcar em uma complexa reformulação do sistema tributário mediante a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2029, em tramitação no Senado Federal, sem ter feito a revisão completa dos gastos públicos. Ao fazer uma analogia com um barco avariado, seria o mesmo que mudar a forma de escoar a água para evitar que a embarcação afunde sem, antes, resolver a causa do vazamento. Os impactos negativos dessa inversão, segundo os especialistas, seriam ainda mais devastadores para a economia nacional do que a não realização da Reforma Tributária neste momento.

Hoje, a receita tributária nacional está na casa dos 35% do Produto Interno Bruto (PIB). Além disso, segundo projeções da Assessoria Econômica da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), com a aprovação da PEC 45, essa carga pode chegar a 40% se não houver redução dos gastos públicos nos próximos anos.

“Precisamos de uma Reforma Administrativa para adaptar as estruturas às realidades supervenientes, especialmente no tocante à gestão de pessoal. Muitas profissões ou atividades desapareceram e outras surgiram”, aponta Adilson Abreu Dallari, membro do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP.

De acordo com estudos da Entidade, para se chegar ao limite de carga em torno de 25% — que, segundo os economistas, seria o montante mais aceitável para uma economia de PIB per capita abaixo de US$ 10 mil, como a brasileira —, seriam necessários 30 anos se mantendo uma continuidade de políticas que permitissem uma redução de 0,5% ao ano.

Atuação estratégica

A saída para diminuir os gastos públicos passa pela redução da presença do Estado em diversos segmentos. Mas como realizar essas mudanças sem sucatear os já ineficientes serviços básicos, como os de saúde, educação e segurança?

Segundo a FecomercioSP, é preciso identificar as atividades que devem permanecer geridas pelo monopólio estatal, como a Justiça, a segurança pública, a defesa nacional, a política externa, a elaboração de leis reguladoras e a construção de obras de infraestrutura básica para estimular outras operações. Entretanto, em atividades comerciais, industriais, bancárias e de serviços em geral, nas quais a iniciativa privada já conta com sólida expertise — ou ainda as que não atendem à totalidade do território nacional, pelas limitações do Estado ou por não serem essenciais para o bem-estar da população —, poderiam ser oferecidas por empresas não públicas.

Atualmente, a União participa, de forma majoritária, de negócios de comunicação e hotelaria, além de participar de sociedade com geradoras e distribuidoras de energia elétrica, fábricas de medicamentos, mineradoras, entre outras muitas atividades, bem como gere refinarias, bancos, ativos imobiliários e a Empresa de Planejamento e Logística S/A (EPL), vinculada ao Ministério da Infraestrutura, desde 2011, para estudar a viabilidade de um trem de alta velocidade. De acordo com Dallari, o aumento da participação privada tornaria os serviços mais eficientes. “A presteza e agilidade no atendimento diminuem desperdícios e gastos desnecessários, evitando o emperramento da máquina administrativa e a eternização de pendências, com ganhos econômicos para todas as partes envolvidas”, afirma.

A FecomercioSP entende, contudo, que existem atividades nas quais a atuação do Estado deve ter caráter corretivo ou fiscalizador, como nos serviços de educação, saúde, infraestrutura de comunicações, transporte público e mobilidade urbana, cabendo ao governo a função de reduzir as possíveis externalidades negativas e estabelecendo critérios de qualidade e metas.

Essas ações, conforme a Entidade, podem se dar por meio de parcerias aptas a avançar para os segmentos de habitação, portos, cabotagem, aeroportos, estradas, gasodutos e geração de energia. Ainda assim, a Federação aponta que a participação estatal deve ser monitorada e corrigida, além de, eventualmente, ter prazo limitado.

Foco na eficiência

De 2018 a 2022, houve diminuição dos gastos com pessoal e encargos sociais de Executivo, Legislativo e Judiciário, passando de R$ 383,8 bilhões para R$ 343,4 bilhões, segundo dados do Tesouro Nacional. No entanto, o montante ainda está próximo ao patamar de 2010 (R$ 349,8 bilhões), e o peso dos salários e benefícios do funcionalismo público ocupa espaço relevante no orçamento da União. Só no ano passado, as despesas primárias do governo alcançaram R$ 1,8 trilhão, dos quais 18,8% foram para suprir os gastos do funcionalismo.

Uma contenção de custos passa, segundo os economistas da FecomercioSP, pela revisão e pelo encolhimento de privilégios das mais variadas esferas, em especial as de naturezas salarial e extrassalarial de parte do funcionalismo público, além de reavaliação das condições específicas dos servidores ativos, de forma negociada, colaborativa e gradual. “O Estado pode reduzir a própria estrutura sem perdas — e até gerar ganhos de eficiência, dados os novos meios e instrumentos de atuação. Por exemplo, o atendimento online dispensa espaços físicos e instalações, permitindo rapidez e objetividade nesse serviço”, aponta Dallari.

Ganhos para o País

Ainda na opinião da FecomercioSP, o aumento da eficiência estatal reduz tributos e encargos por meio de melhor prestação de serviços e reorganização das prioridades. Isso significa para empresas um aumento da capacidade de investimento e geração de empregos, reduções da burocracia e dos custos de transporte e de transação, com infraestrutura otimizada, e mitigação da insegurança jurídica com base na simplificação de processos e de obrigações acessórias.

Para a população, a Entidade destaca que a Reforma Administrativa permite a redução da carga tributária percebida nos preços dos produtos, além do aumento da renda real por meio da potencial redução da tributação sobre renda e propriedades, do crescimento da oferta de empregos com maior desenvolvimento da economia e da elevação da percepção de cidadania — com a redução de privilégios a certos grupos de pessoas posicionadas no Estado.

Termômetro político

Desde 2021, está parada aguardando votação, na Câmara do Deputados, a PEC 32/2020, elaborada pelo governo federal para desengessar o orçamento público e aumentar a eficiência do Estado. Dentre as medidas propostas pelo projeto, está a avaliação de desempenho para melhorar a eficiência do serviço público. Bonificações e premiações por bons resultados são práticas comuns no setor privado, por isso, a PEC pretende implantá-las no serviço público para estimular o bom servidor e melhorar a qualidade dos serviços prestados.

Pesa, sobre a Reforma Administrativa, o lobby dos servidores públicos, que resistem às mudanças. Entretanto, o caráter progressivo da PEC 32, segundo Dallari, daria segurança aos empregados atuais e a possibilidade de o governo planejar o futuro. “Esse projeto evita alterações nos quadros e regimes existentes, projetando as modificações para o futuro, de maneira a reduzir a resistência de políticos pressionados por servidores”, pondera o membro do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP.

Seja qual for o caminho para aprovar as reformas Administrativa e Tributária, economistas e representantes do setor produtivo buscam, por meio do redesenho estatal, equilíbrio fiscal, melhoria do ambiente de negócios e incentivos econômicos, além da diminuição das desigualdades sociais.

Os representantes da FecomercioSP se aproximam de outras entidades de classe, empresas e membros da sociedade civil para mobilizar parlamentares a se debruçarem sobre as consequências econômicas de não se discutirem os gastos públicos e elevar a carga tributária. A PEC 45, da forma que está, ainda que vise simplificar o sistema, pode onerar ainda mais os contribuintes para alimentar a estrutura do Estado.

Filipe Lopes Débora Faria
Filipe Lopes Débora Faria