O poder do “Centrão”

19 de dezembro de 2022

Ao anunciar apoio à reeleição do deputado federal Arthur Lira (PP/AL) à presidência da Câmara dos Deputados na próxima legislatura, a federação de partidos de esquerda que reúne PT, PV e PCdoB coroou o poder do Centrão – grupo multipartidário de parlamentares que, desde a Constituinte de 88, exerce grande influência nas decisões do legislativo.

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Com maior ou menor intensidade, e mesmo a contragosto, todos os presidentes da República que assumiram o cargo desde a redemocratização, em 1985, tiveram de se submeter ao poder político do bloco para manter a própria governabilidade – e com o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não deve ser diferente.

“Lula já ajoelhou e pediu a bênção a Arthur Lira, apesar da eleição para a presidência da Câmara ser apenas em fevereiro do ano que vem. E acredito que Lula só chega inteiro ao fim de quatro anos se mantiver Lira bem satisfeito”, afirma a cientista política Deysi Cioccari, referindo-se ao principal líder do grupo que, na nova legislatura, deve reunir cerca de 240 deputados federais – do total de 513 que compõem a Câmara.

São integrantes de partidos como PP, Republicanos, Patriota, PTB, PSC, PSD e partes do MDB, PL e União Brasil que têm votos suficientes para atrapalhar ou ajudar a aprovar qualquer projeto de lei de interesse do Executivo. Sem contar que cabe ao presidente da Câmara analisar e eventualmente encaminhar os pedidos de impeachment do presidente da República. Não à toa, a única presidente que não se submeteu às negociações com líderes do bloco político foi retirada do cargo – Dilma Rousseff (PT), em 2016.

O termo “Centrão” nasceu na Constituinte de 88, quando um grupo de parlamentares não alinhados ideologicamente nem à esquerda nem à direita se uniram nas votações. Eles se classificavam como centro na esfera política, dando origem ao apelido famoso. Liderados pelo então deputado Ricardo Fiuza (PFL/PE), os centristas passaram a influir nas comissões da Constituinte, retirando do PMDB, legenda do presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, a hegemonia do processo de elaboração da nova Lei Maior.

Algumas características básicas marcam a postura do Centrão: pragmatismo político e capacidade de se articular em qualquer governo para obter benefícios próprios, em troca de apoio no Congresso – de preferência, verbas do orçamento da União para os próprios redutos eleitorais e nomeações de aliados em cargos federais distribuídos nos Estados. Para muitos, é simplesmente a política do “toma lá, dá cá”, um fisiologismo que acarreta outra característica nas relações institucionais: nenhum político gosta de declarar abertamente que pertence ao Centrão e nenhum governo assume que está aliado ou depende do grupo para manter a própria governabilidade. Contudo, um não larga do outro, e este receio de se expor tem explicações práticas.

PERFIL

“Trata-se de deputados que atuam, na grande maioria das vezes, não de uma maneira ideológica ou programática, mas especialmente naquilo que é mais paroquial: o apoio em troca de cargos e recursos. Diante disso, muitas vezes, o Centrão é colocado no campo fisiológico da política e, não raro, é ligado à corrupção”, define o cientista político Rodrigo Prando, que, ao lado de Deysi Cioccari, acaba de lançar o livro Fake news na política (Ed. Almedina, 148 páginas).

“É um grupo que conta com uma fama não muito republicana, mas faz parte do jogo político, e todo presidente da República é obrigado a negociar com ele”, completa Prando, lembrando que o atual regime político do País, chamado “presidencialismo de coalizão”, no qual o Executivo muitas vezes depende do Legislativo para governar, obriga o Palácio do Planalto a manter interlocutores na Câmara. Isso não ocorre apenas em Brasília. O processo é semelhante nos governos estaduais em relação às assembleias legislativas e, nas prefeituras, no relacionamento com as câmaras municipais. “O governo tem de lidar com o Centrão na bisca da governabilidade, não tem outro jeito”, atesta Prando.

Integrantes do futuro parlamento concordam. “O governo vai trabalhar para ter maioria na Câmara. Temos de dialogar com todos com base nas nossas visões e tentar trazê-los para o lado de cá”, opina o deputado federal reeleito Alencar Santana (PT/SP), referindo-se às futuras negociações com os colegas de plenário. Para o deputado federal Antonio Carlos Rodrigues (PL/SP), ainda é muito cedo para falar em negociações e conversas. “O Centrão está trincado”, acentua Rodrigues, referindo-se a partidos que, seguindo a lógica do bloco desde o século passado, abriram conversas com o futuro governo petista, mesmo fazendo parte da base de apoio do atual governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), dentre eles, PP, Republicanos e União Brasil. Ex-ministro dos Transportes no governo de Dilma Rousseff, “Carlinhos”, como é conhecido, promete manter-se na oposição a Lula. “Ocupei a pasta indicado pelo PL na época”, justifica.

O termo Centrão nasceu na Constituinte de 88, quando um grupo de parlamentares não alinhados ideologicamente nem à esquerda ou à direita se uniram nas votações. Eles se classificavam como centro na esfera política, dando origem ao apelido famoso.

O FIEL DA BALANÇA

Apesar das críticas, porém, o Centrão também cumpre um papel institucional: o da estabilidade política. Isso ficou comprovado, dizem os especialistas, diante das insistentes tentativas de bolsonaristas mais ideológicos em contestar as instituições e o processo eleitoral brasileiro durante o governo Bolsonaro. Todas elas foram repudiadas pelo Centrão no Congresso e acabaram sem resultados práticos de ruptura institucional.

“Uma parte do grupo, de fato, foi importante para impedir uma postura mais autoritária do governo. Para eles, é importante que o jogo funcione nas regras democráticas, até porque, se não for assim, perdem a sua força”, destaca o deputado Alencar. “Eles só barram interesses golpistas mediante uma troca. Com o orçamento secreto e o fisiologismo no seu ápice, o Centrão vai garantir governabilidade”, acrescenta Cioccari, autora do recém-lançado e-book Jair: 1991-2022, em que relata a história do presidente não reeleito desde a primeira eleição como deputado federal, em 1991, até os dias atuais.

Para os cientistas políticos, o esvaziamento do poder do Centrão depende de uma reforma política e da renovação dos quadros políticos eleitos pela população. “O Centrão só vai acabar se houver renovação política no Congresso e diminuição de partidos, além da volta da política programática e não clientelista”, analisa Deysi. “Contudo, agora, com orçamento secreto institucionalizado, esta dificuldade de governar vai perdurar por muito tempo, e as chantagens não vão diminuir”, arremata a cientista política.

Marcus Lopes Maria Fernanda Gama
Marcus Lopes Maria Fernanda Gama