Advogadas, professoras, jornalistas, militantes, empreendedoras, enfermeiras, psicólogas, trabalhadoras domésticas, ativistas de bairros ou estudantes. Nos últimos anos, um grupo cada vez maior e mais diverso de mulheres eclodiu disposto a ocupar os espaços públicos de poder. Diante da onda conservadora que se instaurou sobre o País e da ausência de investimentos de partidos políticos na capacitação de candidatas, projetos organizados por instituições da sociedade civil vêm ganhando força na luta para reduzir a disparidade de gênero na política brasileira.
Iniciativas como Todaz na Política, Tenda das Candidatas, Vamos Juntas, Política por/de/para Mulheres e Instituto Alziras se multiplicam para oferecer às mulheres instrumentos, que vão desde a formação com aulas teóricas em Direito Eleitoral a estratégias de comunicação e contabilidade. “Só vai haver democracia se a gente conseguir transformar o parlamento num espelho da sociedade”, afirma Letícia Kreuz, presidenta do Política por/de/para Mulheres e doutora em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Os partidos políticos, que deveriam promover essa capacitação, ignoram as mulheres ou as usam em candidaturas fictícias. Então, a sociedade absorveu essa demanda.”
A representatividade das mulheres no Parlamento ainda está muito aquém da fatia que ocupam no eleitorado brasileiro, que corresponde a mais de 52,5%. Na Câmara dos Deputados, das 513 cadeiras, apenas 77 são ocupadas por deputadas, o que equivale a 15%. No Senado, somente 12 mulheres foram eleitas para 81 vagas, o que reduz a participação feminina a 14%. O Mapa das Mulheres na Política 2020, feito pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela União Interparlamentar (UIP), mostra que o Brasil ocupa o 140º lugar no ranking de representação feminina no Parlamento.
“É importante lembrar que as mulheres têm uma participação histórica na política, mas os espaços institucionais são muito difíceis para elas acessarem e permanecerem. Seja pela falta de apoio dos partidos, seja pelas múltiplas formas de violência, seja pelas práticas desiguais, seja pelos poucos recursos de campanha, seja por terem de enfrentar o escrutínio de suas vidas privadas, este processo é muito custoso”, ressalta Michelle Ferreti, diretora do Instituto Alziras. “Apesar dessa sub-representação, elas cumpriram um papel fundamental para a construção do Estado de direito no Brasil.”
Para tentar suprir essas lacunas, projetos nascem voluntariamente. “Buscamos conectar mulheres que estão tentando entrar na política institucional com aquelas que já estão. Há uma série de experiências que podem ser trocadas no sentido de oferecer capital político e dar mais condições de disputar espaços institucionais”, afirma Michelle. A busca por cursos de formação tem aumentado e, embora ainda não exista um levantamento que mapeie as iniciativas, os números de inscrições demonstram o interesse crescente de mulheres nesse tipo de profissionalização.
A Tenda das Candidatas viu o número de matriculadas dobrar em 2021, quando esse número saltou de 300 para 600. O instituto Política por/de/para Mulheres nasceu em 2015, com aulas sobre Direito, com 50 inscrições e 30 alunas selecionadas. Em 2019, foram 200 inscrições para 50 vagas, que, posteriormente, foram ampliadas para 80.
“Apesar de representarem 50% das siglas, nas executivas partidárias, espaços que tomam decisões, elas são apenas 21%”, lembra a diretora do Alziras. Desta forma, os cursos de formação, cada um com sua especificidade, incentivam as candidatas a pensar sobre o eleitorado com quem pretendem dialogar e sobre as estratégias para desenvolver essa comunicação. A troca de experiências entre mulheres de diferentes legendas também é importante para a construção das candidaturas.
A Tenda das Candidatas ofereceu a primeira formação a mulheres, cujo objetivo era ingressar na política e participar de campanhas eleitorais em 2020. “Identificamos um hiato e percebemos que essa capacitação seria importante. Então, começamos a formar mulheres que já estavam se candidatando”, diz Hannah Maruci, professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e uma das responsáveis pelo projeto.
Naquele momento, foram selecionadas 102 candidatas – com 70% das vagas destinadas a mulheres negras. Grupos de mulheres indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência e LGBTQIA+ tiveram 10% de vagas cada. Ao final do curso, duas foram eleitas vereadoras, quatro, para suplências. Segundo Hannah, o curso busca apresentar “as regras informais do jogo”: a construção da rede de apoio, como escolher e negociar com o partido e enfrentar a violência política de gênero.
O interesse pelas aulas é crescente. Segundo Hannah, a morte da vereadora Marielle Franco, em março de 2018, impulsionou candidaturas de mulheres negras. “Elas são historicamente excluídas do jogo eleitoral. Há uma percepção de que não deveriam estar lá. Sempre que há esse tipo de cota, os partidos tendem a encontrar brechas”, alerta. Segundo a professora, um dos temas mais frequentes nas formações de candidatas é a maternidade. “Para um candidato homem, essa sequer é uma questão. Pensando nisso, oferecemos instrumentos para montar uma rede de apoio psicológico e de voluntárias que dê conta da campanha.”