A Reforma Administrativa é vista como essencial pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) para reduzir o tamanho do Estado e, consequentemente, incidir os tributos. No entanto, o Projeto de Lei (PL) 2.337/2021, que propõe alterações na legislação do Imposto Renda (IR) para pessoas físicas e jurídicas, apresentado pelo governo, vai no sentido contrário: aumenta a carga tributária e desestimula o empreendedorismo
A segunda fase do PL 2.337/21, apresentada pelo governo federal na semana passada, que pretende reformular o IR das pessoas físicas e jurídicas, deve representar um aumento na carga tributária. A proposta, agora, deve ser debatida e votada no Congresso, com a promessa de ser aprovada até o fim deste ano. A intenção do Ministério da Economia é implementá-la em etapas. A primeira, apontada no ano passado e ainda em tramitação, propôs a unificação do PIS e da Cofins, com o objetivo de criar uma contribuição federal sobre produtos e serviços, a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), com uma alíquota de 12%. A perspectiva é que haja outras alterações tributárias relevantes nas próximas fases, contemplando a reformulação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a desoneração da folha de pagamento das empresas e a criação de um novo imposto digital.
A seguir, as principais alterações promovidas pelo PL.
• Atualização da tabela de Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), com extensão da faixa de isenção para contribuintes que ganhem até R$ 2, mil e correção das faixas seguintes.
• Restrição ao desconto simplificado de 20% na declaração de ajustes para os contribuintes com rendimentos de até R$ 40 mil por ano.
• Restabelecimento da tributação de lucros e dividendos, com a instituição de alíquota de 20% na fonte, permanecendo a isenção exclusivamente para Micros e Pequenas Empresas (MPES) cujo valor da distribuição não ultrapasse R$ 20 mil ao mês.
• Redução da alíquota do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) de 15% para 12,5% em 2022, e para 10% em 2023, com a manutenção do adicional de 10% para lucros acima de R$ 20 mil.
• Ampliação das hipóteses de obrigatoriedade da tributação pelo lucro real.
• Obrigatoriedade de escrituração contábil das pessoas jurídicas tributadas pelo lucro presumido, inclusive aquelas optantes pelo Simples Nacional.
• Vedação à utilização dos juros de capital próprio para dedução do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), a partir de 2022.
• Adoção de alíquota única de 15% para tributação dos ativos de renda fixa e fundos abertos e fechados, extinguindo o sistema de escalonamento pelo tempo de duração da aplicação.
Na visão da FecomercioSP, a proposta traz medidas paliativas que não surtirão o efeito desejado, mas, sim, um aumento da carga tributária. Um dos aspectos é a necessária atualização da tabela IRPF, defasada há anos, que estenderá a faixa de isenção de R$ 1.903,98 para R$ 2,5 mil. Esta correção é imprescindível, porém, nos termos apresentados, o valor é inferior ao das perdas inflacionárias que corroeram a capacidade econômica dos contribuintes. Neste sentido, considerando o extenso lapso decorrido desde a última correção – e levando em conta a preocupante defasagem média acumulada do período entre 1996 e 2020 –, há necessidade de atualização dos valores na porcentagem de 113,09%, segundo estudo e cálculos elaborados pelo Sindicato de Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco).
É importante frisar, também, que a restrição ao desconto simplificado de 20% aos contribuintes cujos rendimentos não ultrapassem R$ 40 mil por ano, o que equivale a R$ 3.333,33 por mês, vai prejudicar gravemente os declarantes da classe média, acarretando mais carga tributária. Apesar do projeto pretender atualizar outras faixas de tributação desse imposto, esta vedação anulará os efeitos sob os contribuintes com rendimento anual entre R$ 40 mil e R$ 83,77 mil, a grande maioria beneficiada atualmente pelo desconto.
Além deste aspecto, a proposta sugere a redução da alíquota atual do IRPJ de 15% para 12,5% em 2022, e de 10% a partir de 2023. Apesar da sugestão de redução da tributação aparentemente trazer benefícios às empresas, este recurso soa como uma compensação ao restabelecimento da tributação dos lucros e dividendo no País. Conforme dispõe o PL, a tributação sobre lucros e dividendos será no porcentual de 20%, cujo IR será definitivo para a pessoa física residente no Brasil. Permanece a isenção apenas para MPEs (receita bruta anual até R$ 4,8 milhões) cujo valor de distribuição a cada sócio não ultrapasse R$ 20 mil por mês.
De acordo com dados atualizados pelo Sebrae, do total de 18,23 milhões de negócios no Brasil, 93% são Microempreendedores Individuais (MEIs), Microempresa (MEs) ou Empresa de Pequeno Porte (EPPs). Ainda de acordo com a instituição, do total de 32,82 milhões de empregos formais, o setor empregou 22,36 milhões de trabalhadores, ou seja, estes negócios são responsáveis por mais de 68% dos empregos no País. Portanto, a alteração proposta poderá prejudicar a manutenção do empreendedorismo local.
Considerando uma empresa enquadrada no lucro presumido (com presunção de 32%), sem a incidência de faixa adicional de IRPJ, dentro do limite de R$ 20 mil na distribuição de lucros e dividendos – e já sob a alíquota de 12% da CBS –, a carga tributária passaria de 16,33% para 23,08%. No caso de uma empresa com um faturamento médio mensal de R$ 100 mil, com lucro presumido de 32%, a carga tributária mais que dobraria, passando de 17,53% para 35,42%.
Enquanto a tributação sobre as empresas de lucro presumido mais que duplica no cenário apresentado, a tributação sobre operações de day trade no mercado financeiro cai de 20% para 15%, uma incoerência dentro de uma proposta que se propõe a alavancar investimentos e postos de trabalho.
Diante das incertezas econômicas e sanitárias, a FecomercioSP, por meio dos conselhos Superior de Direito (CSD) e de Assuntos Tributários (CAT), apoia que o tema seja discutido após se ter uma maior dimensão sobre as consequências da crise vivenciada pela sociedade. Os projetos de Reforma Tributária que tramitam no Congresso foram elaborados em outro contexto, tendo ganhado contornos incertos diante da pandemia, que perdura por mais de um ano e exige atenção dos governantes. Segundo o CSD, da FecomercioSP, neste cenário, não há possibilidade de mensurar os impactos das crises e ter a certeza de que as atuais proposituras (PECs 45/2019 e 110/2019 e PLs 3.887/2020 e 2.337/2021) estejam sintonizadas com a conjuntura pós-pandemia.
No início de abril, a FecomercioSP solicitou, por meio do CSD, ao presidente Jair Bolsonaro e aos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, que não apreciem os projetos relacionados à Reforma Tributária no contexto atual. Agora, em julho, a Federação encaminhou ofício ao Poder Legislativo a fim de expor as preocupações do setor em relação ao PL 2.337/2021. A Entidade avalia que o atual cenário impõe a todos o dever de concentrar todos os esforços na superação da crise. E, acima de tudo, assumir uma atitude de prudência no que diz respeito às propostas de reformas que produzam impactos severos sobre preços, setores ou entes federativos.
Para a Entidade, não é aconselhável priorizar a tramitação de quaisquer propostas de alteração do sistema tributário nacional vigente atualmente em discussão, em razão das evidentes incongruências contidas nos textos. Além da ausência de estimativas sobre os impactos nos preços e nos setores, que poderá acarretar aumento da carga tributária, principalmente para empresas do setor de serviços optantes pelo lucro presumido, há ainda outros problemas no texto, tais como a concentração de recursos financeiros na União Federal, em prejuízos a Estados e municípios, em evidente contramão ao pacto federativo; o aumento da complexidade para apuração dos tributos, ao invés da necessária simplificação; e a ausência do devido debate legislativo para construção destas propostas, pelas restrições impostas pelas medidas sanitárias decorrentes da pandemia.
No entanto, em vez de priorizar o combate dos prejuízos econômicos, impulsionando a reestruturação do sistema de saúde e a reconstrução da economia, o governo está adotando a estratégia de “fatiar” a Reforma Tributária para conseguir a aprovação dentro do período eleitoral.
Na avaliação da FecomercioSP, governo e Congresso Nacional deveriam priorizar a aprovação de uma Reforma Administrativa ampla e sem exceções, que vise à redução do tamanho do Estado, e consequentemente, dos tributos. A sociedade brasileira, sublinha a Entidade, já arca com uma das maiores cargas tributárias mundiais, em relação à sua renda per capita, estando em patamar próximo à média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Caso o Brasil integrasse o rol de membros da organização (composto por 33 países), estaria ocupando o 14º lugar no ranking geral das nações com o maior porcentual de carga tributária (34,5%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBPT). Além disso, o histórico recente tem nos mostrado que o aumento dos tributos acaba se transformando em elevação dos gastos públicos no período seguinte – e um Estado cada vez mais inchado.
A FecomercioSP defende que, em vez de instituir uma Reforma Tributária, o governo faça uma revisão considerável dos gastos públicos. Para o presente momento, sugere a adoção de medidas alternativas que possam promover a simplificação e a desburocratização das obrigações acessórias, além da consequente melhoria do ambiente de negócios.