Trabalho por app: regulamentação em pauta

06 de setembro de 2022

Aproximadamente 1,5 milhão de pessoas no Brasil trabalham em aplicativos de entrega e transporte de passageiro, mas as condições laborais desses trabalhadores, assim como de outros profissionais que também utilizam as plataformas digitais, como médicos, advogados e redatores, ainda são fruto de debate. Enquanto isso, dezenas de projetos de lei tramitam no congresso nacional com o objetivo de regulamentar a modalidade de atuação.

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O trabalho nas plataformas digitais está consolidado e tende a crescer cada vez mais. Em 2022, aproximadamente 1,5 milhão de pessoas trabalhavam via aplicativo no Brasil, segundo um relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado em maio.

A definição dos mecanismos para esse tipo de relação é urgente e essencial para trabalhadores, empresários e, até mesmo, consumidores, afirma Maria Cristina Mattioli, desembargadora aposentada e conselheira do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho (CERT) da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).Não necessariamente precisamos de uma nova lei. Podemos ter a mesma situação jurídica enquadrada numa disposição compatível. Uma das soluções que propomos é buscar a proteção previdenciária dentro daquilo que já existe”, diz ela.

Para exemplificar, ela cita o caminho seguido pela Itália: “uma possibilidade é criar uma figura nova de trabalho. Nesse caso, a única solução plausível é passar pelo Legislativo. Que figura seria essa? Alguém com contrato de natureza civil ou comercial ou, como existe na Itália, algo equivalente aos ‘parassubordinados’, que não são nem empregados nem autônomos”.

A adaptação aos novos tempos, na opinião de Leandro Almeida, assessor jurídico da FecomercioSP, “tem muito a ver com a cultura de cada localidade”. Almeida observa que “não é possível encaixar nada no modelo brasileiro, porque aqui a questão trabalhista é altamente regulamentada”. Ele concorda, no entanto, que lá fora é possível encontrar referências para nortear o debate. “Mas vamos ter que desenvolver o nosso modelo, para que ele seja mais customizado”, sublinha.

O Congresso Nacional discute a matéria por meio de dezenas de projetos de lei, muitos deles buscando ajustar a relação de trabalho ao texto da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); outra parte mantendo a relação civil de autonomia, como realizada na prática hoje, porém buscando proteções adicionais a esses trabalhadores.

Audiências públicas nos países em que os trabalhadores e representantes das plataformas debatem o alinhamento de interesses estão sendo realizadas para entender o que é melhor para os partícipes da relação. Da mesma forma que estudos seguem em desenvolvimento para que todos os elementos necessários possam ser estudados antes de qualquer decisão.

Outro ponto dessa análise são as medidas aplicadas em outros países, cuja legislação já está em vigor e poderia ou não ser adequada ao Brasil.

Nesse sentido, citamos alguns exemplos:

Nova York

Desde o começo do ano, mais de 65 mil entregadores de aplicativo passaram a ter direitos trabalhistas na Big Apple, a primeira cidade nos Estados Unidos a regulamentar a categoria. O Conselho de Nova York aprovou um conjunto de seis leis que garantem salário mínimo, transparência em relação às gorjetas, licenças oficiais para trabalhar, uso de banheiro dos restaurantes onde retiram o pedido e mochilas de entrega fornecidas pela empresa.

Califórnia

Pioneiro na regulação do trabalho em plataformas digitais, o estado norte-americano aprovou em plebiscito, em 2020, a Proposição 22, que classifica os trabalhadores de plataformas digitais de transporte e entrega como contratados independentes (não como empregados) e estabelece direitos para trabalhadores e obrigações para as plataformas. As empresas devem cumprir alguns requisitos, como não exigir número mínimo de horas em que o profissional deve estar conectado nem prestação de serviço como condição para manter o acesso ao aplicativo.

Além disso, os trabalhadores devem ter autonomia para prestar serviços para outras plataformas ou para trabalhar em qualquer outra ocupação ou negócio. Um dos pontos positivos da proposição é a garantia de um ganho mínimo.

União Europeia

A Comissão Europeia anunciou, em dezembro de 2021, um projeto de regras para dar direitos aos trabalhadores de plataformas digitais, incluindo benefícios trabalhistas. A proposta marca a mais recente tentativa do bloco de regulamentar as empresas de tecnologia e garantir parâmetros de concorrência competitivos entre as empresas online e tradicionais. De acordo com a proposta, as empresas serão consideradas empregadoras se supervisionarem o desempenho do trabalho por meio eletrônico, restringirem a capacidade dos trabalhadores de escolher suas horas de atuação ou tarefas e os impedirem de trabalhar para terceiros.

No caso específico da Itália, quem não se enquadra como autônomo ou empregado já pode recorrer a uma categoria específica, chamada de “parassubordinado”, cuja proteção previdenciária é assegurada – tal figura não encontra paradigma em nossa legislação.

Reino Unido

Tribunais locais tomaram duas decisões relevantes.Em fevereiro de 2021, a Suprema Corte reconheceu o vínculo de dois trabalhadores de app com a plataforma Uber, garantindo alguns direitos, como salário mínimo, férias e regras sobre jornada de trabalho. Em junho, contudo, a plataforma de delivery Deliveroo obteve uma vitória nos tribunais, que consideraram seus prestadores de serviços autônomos. As decisões mostram que, por lá, assim como no Brasil, este debate ainda está indefinido.

Japão

No país asiático, embora o vínculo empregatício para trabalhadores de aplicativos não esteja em foco, as empresas de plataformas de transporte de passageiros e entregas concedem um seguro acidente de US$ 13 mil para quem opta pela alternativa. O Japão possui um sindicato de trabalhadores em plataformas digitais desde 2019, mas lá não se discute vínculo de emprego, uma vez que os usuários aceitam a condição de freelancers. As demandas mais recorrentes giram em torno da reavaliação das taxas aplicadas pelas empresas e da possibilidade de extensão do seguro de saúde para além do período das corridas

“Não necessariamente precisamos de uma nova lei. Uma das soluções que propomos é buscar a proteção previdenciária dentro daquilo que já existe.” Maria Cristina Mattioli, desembargadora aposentada e membro do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho (CERT) da FecomercioSP

Proteção social

Aqui no Brasil, o debate acerca da regulação do trabalho em plataformas está em sintonia com as discussões na América Latina. Em países que ainda não aprovaram regulamentações em trâmite – Argentina, Chile, Colômbia e México –, a discussão comum trata do que caracteriza o regime de trabalho, seja ele autônomo, seja com vínculo de emprego.

Com o objetivo de progredir na análise a respeito do tema e fomentar o debate para que possamos encontrar soluções futuras para essa regulamentação que está em debate no Congresso Nacional, o Conselho de Emprego e Relações de Trabalho da FecomercioSP realizará o webinário “O que falta para a adequada proteção social?”, com o apoio da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) e do Movimento Inovação Digital (MID).

O evento, marcado para 13 de setembro (terça-feira), às 10h, será uma oportunidade para parlamentares, magistrados, representantes sindicais, empresários, trabalhadores, acadêmicos, advogados, gestores de relações laborais e sindicais, usuários de aplicativos, entre outros, se atualizarem e acompanharem as discussões que tratam da relação jurídica entre plataformas e trabalhadores.

A lista de participantes conta com autoridades, pesquisadores e representantes de referência no tema, tanto do setor privado como da esfera pública, que estarão presentes no Centro Fecomercio de Eventos, em transmissão online. Confira a seguir.

Professor José Pastore – presidente do Conselho de Emprego e Relações de Trabalho da FecomercioSP;

Olívia Pasqualeto – pesquisadora e professora de Direito (FGV/SP);

Vitor Magnani – presidente do Movimento Inovação Digital (MID);

Ricardo Patah – presidente da União Geral de Trabalhadores (UGT);

José Eduardo de Resende Chaves Júnior – advogado e desembargador aposentado (TRT 3ª Região);

Maria Cristina Mattioli – conselheira do Conselho de Emprego e Relações de Trabalho, advogada e desembargadora aposentada (TRT 15ª Região).

A inscrição é gratuita por este link.

Redação PB Paula Seco
Redação PB Paula Seco