Angela Davis: luta e inspiração

02 de setembro de 2020

Angela Davis tinha apenas 26 anos, em 1970, quando se tornou ícone da resistência negra nos Estados Unidos. Professora de Filosofia e integrante do Partido Comunista, foi presa pelo FBI sob a acusação de assassinato, sequestro e conspiração

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Só seria solta um ano e meio depois, graças ao movimento Free Angela Davis (“Libertem Angela Davis”, em português), que mobilizou a opinião pública e contou com nomes como John Lennon e Yoko Ono, que lançaram a canção “Angela”, e os Rolling Stones, que compuseram “Sweet Black Angel”.

Para entender a trajetória dessa ativista, chega ao Brasil Angela Davis – uma autobiografia, escrita em 1974 e lançada pela editora Boitempo. “Não estava ansiosa para escrever este livro”, avisa Angela, no prefácio da primeira edição. “Escrever uma autobiografia, na minha idade, parecia presunçoso.” Longe da busca por autopromoção, o que a moveu foi a chance de transformar a obra em algo útil e inspirador para mais pessoas, mulheres negras como ela ou vítimas de opressão de qualquer natureza.

“Prisões são lugares insensatos. Nada é pensado por suas administrações (…) O vazio criado por essa ausência de pensamento é preenchido por regras.”

Saiba mais: “Uma autobiografia”, de Angela Davis, Boitempo Editorial

“Tenho uma dívida de gratidão com Toni Morrison [escritora norte-americana, falecida em agosto de 2019] por ter insistido que eu escrevesse a autobiografia”, disse a autora, na conferência A Liberdade É uma Luta Constante, que proferiu em São Paulo, em outubro de 2019, para 15 mil pessoas, do lado externo do Auditório do Ibirapuera. “A maioria dos meus estudos era no campo da filosofia; tinha uma tendência natural à abstração. Então, Toni fazia perguntas como: ‘Quais as cores dos objetos na sala?’; ‘Como era a estrada?’; e, dessa maneira, me ajudou a invocar imagens para o livro”, conta Angela.

No evento paulistano, assistido ao vivo pela PB, Angela clamou por apuração consistente do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, morta em março de 2018, e falou sobre as queimadas na Amazônia. “Temos de preservar o planeta, porque nada vai adiantar a luta se a Terra deixar de existir.” Vigorosa aos 75 anos, fez emocionado discurso a respeito da violência policial racial, tanto nos Estados Unidos como no Brasil. Revelou, ainda, que a autobiografia está em fase de adaptação para o cinema e disse esperar que o filme “sirva de inspiração e nos ajude no processo de configurar um futuro justo”.

Escrita em Cuba, após a sua libertação, a autobiografia tem ritmo de filme de ação. Na primeira parte, narra as agruras na prisão, como o encarceramento em solitárias (para que não influenciasse as detentas com as suas ideias) e episódios pitorescos, como o fato de ter tido acesso direto a alguns protestos organizados pela sua soltura, uma vez que a prisão na qual estava se localizava nas proximidades da Oitava Avenida, em Nova York, e as manifestações eram organizadas de maneira que as palavras de ordem e os sons da multidão chegassem às janelas e pudessem ser ouvidos pelas presas.

Nos capítulos seguintes, mostra a infância, a formação da ativista, os estudos filosóficos na Alemanha, a participação no movimento político dos Panteras Negras e, finalmente, a liberdade. “Meu coração batia forte enquanto esperava a porta se fechar atrás de mim, com o odioso estrondo que havia perturbado meus nervos tantas vezes antes. Aquela era a última vez. Cruzei a porta seguinte que se abria diante de mim e fui recebida por berros ensurdecedores”, é o relato sobre o momento no qual foi liberta. A obra traz ainda fotos, reproduções de cartazes e matérias de jornais da época, além da peça de divulgação do FBI sobre a “perigosa procurada”.

Ao fim das quase 400 páginas, fica ao leitor um convite de engajamento na luta que se tornou o projeto de vida de Angela Davis: contra o racismo e as desigualdades sociais.

Lúcia Helena de Camargo Paula Seco
Lúcia Helena de Camargo Paula Seco