A temperatura média global aumentou entre 0,8ºC a 1,2°C, com variações importantes nos padrões de chuva. A questão climática, aliada à falta de infraestrutura urbana e à invasão das cidades em áreas antes silvestres, cria um ambiente propício para a propagação de insetos, incluindo aqueles que transmitem doenças aos humanos. O resultado já chegou às estatísticas: o Brasil atingiu a marca de 1 milhão de casos suspeitos de dengue só nos dois primeiros meses do ano. A projeção do Ministério da Saúde é que serão mais de 4,2 milhões em 2024, número quase três vezes maior que o registrado em 2023.
O Brasil encerrou fevereiro superando a marca de 1 milhão de casos suspeitos de dengue só nos dois primeiros meses do ano. A projeção do Ministério da Saúde é que serão mais de 4,2 milhões em todo o ano, número quase três vezes maior que o registrado em 2023. Historicamente, o pico de casos de dengue se dá em abril, o que tornam ainda mais preocupantes os registros até fevereiro. Ações humanas, como o desmatamento e a queima de combustíveis fósseis, têm desencadeado uma série de efeitos significativos, incluindo as mudanças climáticas, que alteram o padrão de chuvas, derretem as calotas polares e elevam o nível do mar. Pesam, ainda, a geração e acúmulo de resíduos, a extinção de espécies, a migração forçada de animais e o deslocamento e a aglomeração de pessoas. Direta ou indiretamente, todos esses fenômenos afetam a ecologia dos vetores de arbovírus e a expansão da sua faixa geográfica. O Aedes aegypti, transmissor do vírus da dengue e de outras doenças como zika e chicungunha, é um desses vetores.
“Esse cenário facilita a expansão dos habitats de diversos vetores, incluindo os mosquitos e, consequentemente, os vírus por eles transmitidos. Regiões que, antes, eram muito frias para sustentar populações de mosquitos podem, agora, se tornar suscetíveis à propagação”, explica Joziana Barçante, pesquisadora na área de Doenças Infecciosas e Parasitárias da Universidade Federal de Lavras (Ufla). “As mudanças ambientais influenciam diretamente o ciclo dos agentes causadores de doenças. Em temperaturas mais elevadas, o ciclo de vida do inseto acontece mais rápido, ou seja, mais gerações em intervalo de tempo menor”, complementa. A cientista chama a atenção para um trabalho recente, publicado na revista Nature. Seus autores citam que mais de 10 mil tipos diferentes de vírus podem infectar humanos, mas a maioria deles permanece em animais selvagens. No entanto, as mudanças no clima e no uso da terra estão criando oportunidades para que esses vírus passem de uma espécie animal para outra, o que aumenta o risco de doenças serem transmitidas de animais para humanos. “Mesmo se conseguirmos manter o aquecimento global abaixo de 2°C neste século, ainda não será o suficiente para evitar que os vírus se espalhem”, avalia Joziana.
Além dessas mudanças, outro agravante são os contextos socioeconômico e geográfico. “As condições de vida na população urbana, com grande aglomeração e pobreza, que nem sempre conta com serviços básicos de saneamento e coleta de lixo, favorece a expansão dessas doenças”, lamenta Luciana Jesus da Costa, geneticista, doutora em Doenças Infecciosas e Parasitárias e professora no Departamento de Virologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Dentre as estratégias para reduzir a propagação da dengue, está a imunização via vacina. O Ministério da Saúde iniciou, no dia 8 de fevereiro, a distribuição dos primeiros lotes da vacinas contra a dengue, com 712 mil doses destinadas a 315 municípios de dez Estados. Inicialmente, a imunização é voltada a crianças de 10 a 11 anos. Em nota técnica, o Ministério da Saúde informa que o início por essa faixa etária é uma estratégia que permite que mais municípios recebam as doses diante do volume limitado de vacinas disponibilizado pelo fabricante. O critério é o índice de hospitalização, maior entre 10 e 14 anos. No entanto, até o início de março, apenas 11% das doses distribuídas foram aplicadas no público-alvo da campanha. Do total de 1.235.236 doses que chegaram a 521 municípios de regiões endêmicas do País, apenas 135.599 doses foram aplicadas no período. Especialistas acreditam que à medida que a cobertura vacinal for ampliada para outros grupos etários, e em maior quantidade, será possível caminhar para a imunidade coletiva, que também é um fator de proteção importante. “Mesmo que a vacina tenha chegado como fator de proteção individual, a longo prazo a ampliação levará a um melhor controle da doença, com redução dos surtos”, vislumbra Joziana, da Ufla.
Os efeitos virão com o tempo. O médico epidemiologista André Ribas de Freitas, da Faculdade de Medicina São Leopoldo Mandic, de Campinas (SP), não acredita que a imunização terá impacto já nesta epidemia, porque as áreas atendidas ainda representarem um território pequeno. “Provavelmente, no futuro, nós poderemos ter resultados positivos e diminuir os riscos de epidemias”, acredita. O imunizante disponível no SUS é o QDENGA, fabricado pela Takeda, que previne a dengue causada por qualquer um dos quatro tipos do vírus, em indivíduos de 4 a 60 anos. A aprovação da QDENGA se baseia nos resultados de 19 estudos de fases 1, 2 e 3, com mais de 28 mil crianças e adultos, incluindo um estudo com seguimento de dados clínicos por quatro anos e meio.
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