Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 237 milhões de homens e 46 milhões de mulheres sofrem com transtornos relacionados ao consumo de álcool. Somados, superam a população da Indonésia, a quarta maior do planeta, que em 2020 alcançou 271 milhões de habitantes. No Brasil, 13,6% da população masculina e 3,6% das mulheres são dependentes de álcool.
Não existe um nível seguro para o consumo de álcool. O alerta é da Organização Mundial da Saúde (OMS) em relatório que chama a atenção para o fato de o álcool ser uma droga lícita, intimamente relacionado com cerca de 60 diagnósticos diferentes, associado a complicações para a qualidade de vida dos usuários e causa direta de mais de 3 milhões de mortes anuais no mundo. Segundo a entidade, a mortalidade resultante do etilismo é maior do que aquelas causadas por doenças como tuberculose, HIV ou aids e diabetes.
Das mortes atribuíveis ao consumo de álcool em todo o mundo, 28,7% ocorreram devido às lesões (acidentes de trânsito, autolesão e violência interpessoal); 21,3% por doenças digestivas; 19% por doenças cardiovasculares; 12,9% por doenças infecciosas e 12,6% por câncer.
No Brasil, levantamento feito em 2020 no Datasus, o sistema de informática do Sistema Único de Saúde (SUS), mostra que o consumo de álcool foi responsável diretamente por cerca de 25 mil mortes em 2018, incluindo os casos de cirrose hepática. Por sua vez, nessa conta não entram os acidentes de trânsito ou outras causas de óbitos influenciadas pela bebida.
Gabriel Dodo Buchler, médico cardiologista da Clínica Buchler, aponta que as doenças cardiovasculares figuram entre as principais causas de mortalidade na população adulta, e muitos dos fatores de risco associadas a elas são agravados pelo consumo do álcool. “É notória a piora dos níveis de pressão arterial, colesterol e diabetes, assim como o ganho de peso, além da perigosa associação entre consumo de álcool e tabagismo”, ressalta Buchler, que é também médico intervencionista do Hospital Samaritano-Higienópolis e da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
A OMS estima que 237 milhões de homens e 46 milhões de mulheres sofram com transtornos relacionados ao consumo de álcool. Os alcoolistas têm três vezes mais risco de desenvolver transtornos mentais que os não alcoolistas, em especial as mulheres. Outro dado alarmante é que as pessoas com transtornos relacionados ao álcool têm entre oito a dez vezes mais chance de morrer por suicídio do que a população geral, sendo que para mulheres esse risco chega a ser 17 vezes maior.
A mulher é mais sensível por apresentar uma concentração menor da principal enzima metabolizadora no estômago, que é a álcool desidrogenase (ADH), fazendo com que o álcool chegue em maior quantidade para absorção no intestino e no fígado. Há também uma influência hormonal na metabolização do etanol.
Fábio Carezzato, médico psiquiatra do Programa de Atenção à Mulher Dependente Química (Promud) do Instituto de Psiquiatra da Universidade de São Paulo (IPq-USP), observa que o uso de álcool por mulheres geralmente ocorre em maiores quantidades e de forma solitária, por ser mais estigmatizado que o uso em homens. “Em geral, a mulher tem pouco apoio do companheiro e da família no tratamento. Além disso, há uma hegemonia masculina na população que busca tratamento em serviços mistos. Com isso, muitas vezes elas se sentem acuadas e desconfortáveis. Isso sem falar que são mais suscetíveis a serem vítimas de abuso e violência.”
Segundo o psiquiatra, “havia o mito de que as mulheres alcoolistas eram relativamente mais graves do que os homens e teriam mais dificuldade de aderir e responder ao tratamento. A questão é que, por ser entendido como um problema masculino, há poucos serviços atentos a estas diferenças e poucas pesquisas focadas nas especificidades da mulher.”
O uso crônico de álcool aumenta o risco de déficit de tiamina (vitamina B1), o que pode levar à Síndrome de Wernicke-Korsakoff, inflamação do cérebro seguida de demência. O álcool é também a principal droga relacionada a problemas na gestação, sendo a síndrome alcoólica fetal a maior causa evitável de déficit intelectual em bebês.
Reunindo informações de quase 1,9 milhão de adultos com mais de 30 anos e saudáveis, um estudo publicado na revista científica British Medical London por pesquisadores das Universidade de Cambridge, College London e do Royal Free Hospital, na Inglaterra, demonstrou a relação clínica entre consumo de álcool e os sinais iniciais de 12 doenças cardiovasculares.
Após seis anos de acompanhamento, 114.859 indivíduos receberam o diagnóstico de doença cardiovascular. O consumo excessivo de álcool levou ao aumento de 20% de mortes por doença coronariana, 22% por insuficiência cardíaca e mais de 30% por Acidente Vascular Cerebral (AVC) e doença arterial periférica.
Thalita Merluzzi, médica cardiologista do Hospital Israelita Albert Einstein, acrescenta que o consumo de álcool, mesmo que moderado de vinho tinto deve ser evitado principalmente por quem apresenta aumento de triglicérides, arritmia e hipertensão. “Há o risco das miocardiopatias (da musculatura do coração), insuficiência cardíaca causada pelo consumo de álcool. Em alguns casos, o paciente pode ter nascido com predisposição genética, e aí o álcool pode ser um gatilho”, alerta Thalita.
O consumo de bebidas alcoólicas aumenta o risco de câncer de boca, faringe, laringe, esôfago (mais especificamente do subtipo carcinoma de células escamosas), estômago, fígado, pâncreas, colorretal (intestino grosso e reto) e mama. Isso ocorre porque o álcool atua como um solvente que facilita que as substâncias cancerígenas contidas, por exemplo, nos alimentos ultraprocessados e no cigarro, interfiram nos mecanismos de reparo de danos do DNA. Em resumo, deixa o organismo mais vulnerável para o desenvolvimento de câncer.
Além disso, o álcool leva à formação do acetaldeído, um metabólito tóxico da oxidação do etanol, que pode ser carcinogênico para alguns tipos de células. “O álcool pode também levar a alterações no metabolismo hormonal, por exemplo, aumentando os níveis circulantes de estradiol”, explica a nutricionista Thainá Alves Malhão, da Área Técnica de Alimentação, Nutrição, Atividade Física e Câncer da Coordenação de Prevenção e Vigilância (Conprev) do Instituto Nacional de Câncer (Inca).
Um conjunto de condições que aumentam o risco de doença cardíaca, AVC e diabetes. Assim pode ser definida a síndrome metabólica, que inclui hipertensão arterial, nível elevado de açúcar no sangue, excesso de gordura corporal em torno da cintura e níveis de colesterol anormais.
O uso abusivo de álcool piora todos estes componentes da síndrome metabólica, afirma Clayton Luiz Dornelles Macedo, médico endocrinologista da Unifesp e da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Ele alerta que o etanol puro contém 7 calorias por grama, valor alto que pode contribuir significativamente para o excesso calórico da dieta. “O álcool tem vários outros efeitos complexos, por exemplo, na regulação da ingestão de alimentos, bem-estar psicossocial, sono e sintomas de depressão, os quais podem influenciar muito a saúde do usuário.”
Para pacientes que já têm um consumo problemático de álcool, explica o psiquiatra Fábio Carezzato, é possível receber tratamento nos postos de saúde em que existam programas com grupos psicoeducativos e motivacionais, além de atendimento com médico da família ou, em alguns casos, com psicólogo. Dependendo da gravidade do caso, o paciente também pode ser encaminhado para tratamento nos Centros De Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD), que atendem casos de diferentes níveis de complexidade. O CAPS AD III tem leitos de pernoite para pacientes que precisem de uma desintoxicação ou afastamento temporário de seu ambiente.
Também é uma alternativa à internação hospitalar em hospital geral ou psiquiátrico, de curta duração (até seis semanas). Para casos de alta vulnerabilidade social (pessoas em situação de rua), existem outros serviços associados, como moradias assistidas ou casas de passagem, que podem acolher por até quatro semanas.
Adriana Fernandez, servidora pública e digital influencer, de 54 anos, experimentou uma bebida destilada pela primeira vez aos 15 anos. Voltou a beber socialmente, aos 18 anos, quando ia para casas noturnas, mas foi a partir de 2013, quando passou por cirurgia bariátrica, que viu o alcoolismo se tornar um vilão para a sua saúde.
“A ingestão de comida foi substituída pelo álcool. E isso, somado ao divórcio, me abalou bastante”, conta. Houve situações que fizeram Adriana querer abandonar o vício. “O meu filho foi uma grande motivação para largar o álcool. Ele via que, às vezes, eu extrapolava. Inclusive, me coloquei em situações perigosas dirigindo.”
Adriana adotou algumas medidas, dentre elas se afastar dos amigos que apenas a chamavam para beber, passou a ingerir, sempre sem álcool, cerveja, vinho e champagne. Após algumas recaídas, ela comemora o fato de estar há três anos sem consumir bebida alcoólica e celebra esta conquista nas mídias sociais. “Como influenciadora, busco falar sobre isso, com franqueza. Além disso, procuro manter a beleza, uma aparência legal. Falar de saúde e transmitir coisas boas.”