Até o fim de 2023, cerca de 15 mil médicos devem ser contratados em todo o território nacional para o novo Mais Médicos, relançado pelo governo federal em março. O objetivo, segundo o Ministério da Saúde, é ampliar o acesso ao atendimento médico no País, principalmente nas regiões de extrema pobreza e vazios assistenciais.
Para tanto, o programa prevê a reorganização da oferta de novas vagas de graduação e residência médica para qualificar a formação desses especialistas.
No primeiro edital, lançado em abril, foi alcançada a adesão de 99% dos municípios elegíveis. O chamamento ofertou 6.252 vagas, incluindo mil postos inéditos para a Amazônia Legal. Destas, 6.169 foram indicadas pelos municípios para preenchimento. Na fase seguinte, lançada no fim de junho, foi a vez de os médicos se inscreverem para a seleção com prioridade aos profissionais formados no Brasil. Com as cerca de 15 mil vagas a serem abertas até o fim do ano, serão mais de 28 mil médicos atuando no País, garantindo, segundo o Ministério, acesso à saúde para mais de 96 milhões de brasileiros na denominada Atenção Primária. O anunciado é que o investimento federal, em 2023, alcance R$ 712 milhões.
A primeira versão do Mais Médicos, criada em 2013 no governo da então presidente Dilma Rousseff, chegou, segundo dados oficiais, a ser responsável por 100% da atenção primária em 1.039 municípios, tendo contratado mais de 18 mil profissionais e beneficiado 63 milhões de brasileiros. O programa continuou existindo após o lançamento de iniciativa similar durante governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL): o Médicos pelo Brasil. Na avaliação do Conselho Federal de Medicina (CFM), o Mais Médicos tem a perigosa característica de admitir pessoas que se formaram em faculdades no exterior para atender à população brasileira sem revalidar o diploma. Os conselhos de medicina entendem que essa é uma medida temerária, que expõe a população a uma situação de risco real. Segundo o CFM, “o contrato de trabalho é precário e não há previsão de plano de carreira. Ainda mais, os locais carecem de estrutura adequada de trabalho e de desenvolvimento socioeconômico das cidades”, como explica José Hiran Gallo, presidente do referido Conselho.
A Associação Médica Brasileira (AMB) lamenta que, mais uma vez, se cometa o equívoco de trazer médicos sem que tenham as suas competências reconhecidas e aprovadas pelo Revalida. “Competência não pode ser presumida, mas comprovada. Não podemos aceitar que médico intercambista receba valores expressivos para atender à população. Não temos qualquer xenofobia. Aceitamos médicos estrangeiros, desde que cumpram com a legislação vigente no País”, ressalta César Eduardo Fernandes, presidente da AMB. Gallo, do CFM, pondera que, como anunciado no lançamento do programa, serão concedidos incentivos financeiros para participantes que permanecerem no local destinado — o que, segundo ele, pode favorecer a dinâmica de atendimento. “Além disso, médicos formados com crédito do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) terão direito ao abatimento do saldo devedor, de acordo com o tempo e o índice de vulnerabilidade do local em que esteja alocado pelo Mais Médicos, o que se apresenta como ponto positivo”, opina o presidente do CFM. Fernandes, ao comparar as versões do Mais Médicos de Dilma e Lula, afirma que não vê mudanças significativas. “A não ser pela busca por incentivos maiores para ver se, desta vez, podem trazer mais profissionais brasileiros, segue os mesmos preceitos que já não aceitamos em 2013”, critica.
O médico Marcelo Averbach, membro fundador e diretor de expedições da ONG Zoé, que leva gratuitamente serviços de saúde a pessoas vulneráveis — dentre elas a, Amazônia Legal —, recorda que o Mais Médicos do governo petista foi alvo de severas críticas por diversos aspectos, como a “importação” de médicos cubanos sem o Revalida e o fato de boa parte de os salários dos médicos serem enviados ao governo de Cuba, havendo a suspeita que a ideia do programa teria partido do governo daquele país, e não do brasileiro. Na atual gestão de Lula, observa Averbach, a iniciativa deu prioridade a brasileiros, mesmo os formados em outros países, e estrangeiros, desde que com registro no Ministério da Saúde. “Acredito que as principais diferenças entre os dois programas decorram do conhecimento e do entendimento das condutas equivocadas do primeiro programa, podendo serem corrigidas”, avalia. O Ministério da Saúde foi consultado para comentar os aspectos do programa, mas até o fechamento da edição não retornou.
Averbach observa que, no Brasil, existe uma distribuição discrepante de médicos. Ele exemplifica com o caso do Estado do Rio de Janeiro, onde existem 3,7 profissionais por mil habitantes, enquanto no Pará, essa razão cai para 1,1.
O fato é que que não há falta de profissionais, mas problemas em sua distribuição em um território de extensões continentais. A nova edição do relatório Demografia Médica, publicado pelo CFM, aponta que o número de médicos que anualmente ingressam no mercado de trabalho nacional bateu recordes nos últimos anos. Em 2022, foram 39,5 mil novos médicos, mais que o dobro do registrado em 2010 (18,7 mil). São 545 mil doutores atuantes no Brasil, o que corresponde a uma taxa de 2,56 profissionais por mil habitantes, índice similar ao de nações desenvolvidas, como Japão (2,5), Estados Unidos (2,6) e Canadá (2,7).
Obviamente, reconhece Averbach, não basta a inserção dos médicos em locais que sejam totalmente desprovidos de meios básicos para o atendimento. “Sabemos que a medicina depende de recursos para o diagnóstico e para o tratamento, além de necessária infraestrutura básica para que os cuidados sejam possíveis e que os médicos se estabeleçam nessas áreas distantes”, afirma o médico da ONG Zoé.