Oncologia para poucos

13 de março de 2023

Essenciais para o tratamento de pacientes com tipos mais comuns de câncer, as cirurgias minimamente invasivas, os medicamentos que agem em alvos moleculares específicos e a radioterapia que poupa órgãos saudáveis são avanços fora do Sistema Único de Saúde (SUS) – mas há gargalos também na saúde privada.

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Embora seja apenas uma palavra, “câncer” abarca muitas doenças diferentes. Com os avanços da ciência e a medicina personalizada, hoje é possível praticar a chamada “oncologia de precisão”, que consiste em tratar pacientes de acordo com perfil biológico, tamanho, localização e agressividade do tumor. Aqui, entra em ação um tripé composto por cirurgia, radioterapia e tratamento sistêmico (quimioterapia, terapias-alvo e imunoterapia).

Para o tratamento de cânceres com alta incidência no Brasil – como mama, colorretal, pulmão, pele/melanoma, ginecológicos e do aparelho digestivo –, houve, nos últimos anos, graças ao esforço global em pesquisa, as consolidações de evidências científicas referentes à eficácia das cirurgias minimamente invasivas em comparação com a cirurgia aberta; de medicamentos inteligentes, desenhados para alvos moleculares específicos ou para usar o próprio sistema imunológico para combater o câncer; e de novas modalidades em radioterapia que agem, com doses precisas, focalmente no tumor, poupando os órgãos saudáveis. A cirurgia é o tratamento mais indicado. Oito em cada dez pacientes com câncer, em algum momento, são operados. Diante do desenvolvimento das técnicas minimamente invasivas, a cirurgia aberta perdeu espaço para a laparoscopia e a robótica, que necessitam de pequenas perfurações para acessar o local doente.

De acordo com o cirurgião oncológico Héber Salvador, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), outro ponto importante é a pesquisa do linfonodo sentinela. Principalmente em casos ginecológicos, com a retirada do tumor é possível observar se a doença espalhou. Para isso, é investigado o acometimento de linfonodos. “O primeiro linfonodo acometido [sentinela] seria o responsável por drenar aquela região e, ao ser estudado, se define a necessidade de retirar ou poupar os demais linfonodos”, explica. “Quando a gente fala em tecnologia no SUS, estamos falando de uma terra arrasada. Não há acesso a praticamente nada. A cirurgia minimamente invasiva – e nem estou falando necessariamente de robótica – não está disponível na rede pública”, lamenta Salvador. “Uma paciente do SUS com câncer de endométrio vai ser tratada de maneira completamente diferente de uma paciente com plano de saúde. Ela vai receber uma incisão abdominal de 15 a 20 centímetros para remoção do útero, e não haverá pesquisa de linfonodo sentinela. Deixa de ter um tratamento menos agressivo, com menos sequelas.”

Dentre as boas notícias em cirurgia, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) aprovou, em fevereiro de 2022, a incorporação no SUS da cirurgia de citorredução com quimioterapia intraperitoneal hipertérmica (HIPEC) em pacientes com Mesotelioma Peritoneal Maligno (MPM) e Pseudomixoma Peritoneal (PMP). A HIPEC é uma técnica de quimioterapia quente no abdômen, que teve início na década de 1980, desenvolvida pelo cirurgião norte-americano Paul H. Sugarbaker. No Brasil, ganhou visibilidade ao ser a técnica adotada, em 2009, pelo cirurgião brasileiro Ademar Lopes em José Alencar, então vice-presidente da República.

Oncologia de exclusão

A imunoterapia é o tratamento sistêmico do câncer – modalidade administrada por medicamentos de via oral, injeção sob a pele, no músculo ou nas veias – que tem ganhado mais visibilidade. Inicialmente indicada para melanoma (alguns casos), os estudos mostraram também eficácia em casos de cânceres renal, pulmão, mama triplo negativo, bexiga, na região de cabeça e pescoço, entre outros.

“A imunoterapia trouxe avanços e desfechos para alguns pacientes que eram impensáveis em outras épocas. Recentemente, para alguns tipos de câncer de cólon e reto, por exemplo, se mostrou que a imunoterapia pode até vir a evitar cirurgias mutiladoras”, explica o oncologista clínico André Deeke Sasse, membro do Comitê de Políticas Públicas da SBOC.

No entanto, nenhuma imunoterapia está incorporada no SUS. Esta oncologia de exclusão imposta à rede pública não acompanha os avanços e pareceres favoráveis da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que aprovou algumas imunoterapias para comercialização no Brasil, como pembrolizumabe, nivolumabe, cemiplimabe e ivilumabe. “Elas todas estão incluídas no rol da ANS porque a imunoterapia é um tipo de tratamento anticâncer que é feito de forma injetável – e, por lei, devem ser cobertos pelos planos de saúde”, conta Sasse.

O alto custo dos medicamentos anticâncer é um entrave, em todo o mundo, para a sua acessibilidade. Os gargalos são observados até mesmo na saúde privada. Dentre as disputas mais recentes por incorporação no rol da ANS, está a classe de medicamentos inibidores de PARP, indicada para pacientes com câncer de ovário ou próstata com o gene BRCA mutado.

“No SUS, é possível contar nos dedos as terapias-alvo incorporadas, como trastuzumabe e pertuzumabe para câncer de mama HER-2 positivo. Há também posicionamentos favoráveis para alguns tipos de câncer de pulmão e rim, mas que não chegaram a ser viabilizados na prática.” André Deeke Sasse, oncologista clínico e membro do Comitê de Políticas Públicas da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC)

No SUS, relata Sasse, é possível contar nos dedos as terapias-alvo incorporadas, como trastuzumabe e pertuzumabe para câncer de mama HER-2 positivo. Há também posicionamentos favoráveis para alguns tipos de câncer de pulmão (EGFR positivo) e para câncer de rim, mas que não chegaram a ser viabilizados na prática, porque, embora a Conitec tenha dado parecer favorável, não chegaram aos hospitais e às clínicas que trabalham com o SUS.

Assim como a cirurgia e o tratamento sistêmico, a radioterapia é um dos três pilares fundamentais do plano de tratamento do câncer. Nos últimos anos, um conjunto sólido de avanços está aumentando a precisão do método. As mudanças incluem mais precisão na aplicação das doses e usos de imagens para direcionar o local de tratamento e de algoritmos para recalcular a dose durante a aplicação. O radio-oncologista Gustavo Nader Marta, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT), conta que, no Brasil, apesar da variação dos serviços, de forma geral, a saúde suplementar está mais bem equipada do que o SUS.

Ainda nos tempos da alta tecnologia, dois Estados (Roraima e Amapá) amargam sem nenhum serviço de radioterapia em funcionamento. Em média, os pacientes se deslocam 72 quilômetros para receber o tratamento; no Estado de Roraima, a ida ao centro de radioterapia pode chegar a 1,5 mil quilômetros. Em muitas situações, o paciente precisa viajar durante 30 dias consecutivos. O quadro expõe que, além de garantir acesso às melhores alternativas para combater com seriedade as doenças oncológicas, é preciso resolver o entrave da má distribuição de aparelhos de radioterapia pelo território nacional.

Moura Leite Netto Maria Fernanda Gama
Moura Leite Netto Maria Fernanda Gama