Em razão da pandemia, o Conselho Federal de Medicina autoriza que alguns atendimentos, como os que dispensam exame físico, ocorram a distância.
Regulada desde 2002 pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), a telemedicina ganhou força sem precedentes em decorrência da pandemia de coronavírus. Após quase duas décadas debatendo essa pauta, o órgão autorizou a prática no Brasil em caráter excepcional, enquanto houver o combate à covid-19. A tecnologia, que possibilita a realização de atendimentos que não demandem exame físico, está beneficiando pacientes e profissionais da saúde nas cinco regiões do País.
Entre as soluções adotadas no Brasil, está o aplicativo Binah, uma tecnologia importada de Israel que consegue monitorar a distância, em 2 minutos, a saturação do oxigênio, a respiração e a frequência cardíaca, indicadores importantes da infecção por Sars-CoV-2. O Binah, segundo os desenvolvedores, já favoreceu 20 milhões de pessoas no mundo todo.
“O uso desse tipo de tecnologia permite o aprimoramento de todo um sistema de saúde, evitando consultas ou idas a unidades de atendimento sem necessidade. Assim, é possível direcionar os serviços para os casos mais urgentes”, explica Cláudio Lottenberg, presidente do Conselho do Hospital Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde, responsável por trazer o aplicativo Binah ao Brasil junto com o Health International. A expectativa é que essa inovação chegue a até 500 mil brasileiros.
O aplicativo utiliza tecnologias de processamento de sinal e inteligência artificial, combinada a um processador matemático que analisa a imagem por meio do reconhecimento facial. Os sinais vitais são captados da bochecha e da testa do paciente. A solução do Binah foi selecionada pelo Desafio Vale Covid-19, uma parceria da Vale com o Hospital Israelita Albert Einstein e a Rede Mater Dei de Saúde.
De acordo com Lottenberg, soluções como o Binah terão importância crescente no Brasil para, por exemplo, acompanhamento médico de idosos. O Ministério da Saúde aponta que a estimativa é que o País, em 2030, tenha mais idosos do que crianças e adolescentes de zero a 14 anos. Os idosos também são a população mais atingida por doenças crônicas: 25,1% têm diabetes; 18,7% são obesos; 57,1% têm hipertensão e 66,8% têm excesso de peso.
Outro projeto que se destaca é o Missão Covid. Ele oferece conteúdo sobre transmissão, como prevenir, sinais e sintomas, além de trazer orientações sobre higiene, isolamento e uso de máscaras. Na página oficial, o usuário é alertado que não existe vacina e tratamento para covid-19, não recomendando, portanto, medidas terapêuticas sem evidência científica. A orientação é que casos leves sejam acompanhados em domicílio, por médicos a distância, utilizando medicamentos sintomáticos para febre, coriza e tosse. Os pacientes que apresentam sintomas da covid-19 podem ser atendidos gratuitamente com uso da telemedicina – em ligação por vídeo – por um médico voluntário. O site tem duas formas de cadastro, sendo uma para médicos e outra para pacientes que apresentem sintomas da doença. O Missão Covid é uma iniciativa global, com mais de 700 médicos voluntários.
O projeto é financiado pela iniciativa privada, assim como é o caso da Amparo Saúde, uma healthcare especializada em atenção primária e medicina da família. Idealizada em 2018, com foco em Atenção Primária à Saúde (APS), com atendimento presencial, a empresa antecipou uma iniciativa prevista para o ano que vem.
“A implementação das consultas a distância estava em nossos planos para 2021, pois a adesão a essa modalidade ainda era baixa. Como somos uma empresa de tecnologia, já tínhamos toda a estrutura necessária para rodar a plataforma de teleatendimentos. Então, com a urgência em decorrência da covid-19, fizemos uma força-tarefa e, logo no início, já conseguimos oferecer um meio seguro, prático e eficiente”, explica o CEO e fundador da Amparo Saúde, Emilio Puschmann.
Com dois anos de operação, a healthcare superou a marca de 1 milhão de atendimentos. Os idealizadores explicam que a empresa passou a oferecer uma plataforma robusta de telemedicina e gestão de saúde populacional, cuja capacidade atual é de 20 mil atendimentos por mês.
A preocupação com o impacto do covid-19 na saúde mental de pacientes e dos profissionais na linha de frente do combate à doença mobilizou psicólogos que se engajaram, voluntariamente, na Rede de Apoio Psicológico, um projeto idealizado pelos psicólogos Camila Munhoz, Evelyse Clausse, Luciana Lafraia, Érica Otsubo, Marina Bragante e Jonas Boni. Apenas uma semana depois que a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou que o mundo estava em uma pandemia, a iniciativa começou a ser desenhada.
“Projetamos que os profissionais da saúde ficariam muito expostos ao sofrimento por causa do covid-19, e isso poderia levar a complicações de saúde mental. Em 18 de março, enviamos uma mensagem no WhatsApp para poucos amigos, imaginando que conseguiríamos uns 20 ou, no cenário mais otimista possível, 80 psicólogos voluntários. Só que no próprio dia 18, de repente, já tínhamos mais de 2 mil inscritos”, relata Camila Munhoz, psicóloga e psicanalista, mestre em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP/USP) e cofundadora da rede.
A plataforma tem, atualmente, mais de 4 mil psicólogos e está fechada para inscrições de novos voluntários. Já o número de pacientes não atingiu essa marca. As solicitações de atendimento estão em torno de 3 mil. Os profissionais da saúde que querem ser atendidos fazem o cadastro, e a Rede promove o match [o intermédio entre o profissional e o paciente]. “O psicólogo, quando recebe a solicitação do profissional de saúde, faz o contato e o atende pela ferramenta online de sua preferência”, explica Camila.
A psicóloga conta que a maior procura é feita por profissionais de enfermagem, mas também há grande demanda de fisioterapeutas, assistentes sociais e auxiliares de farmácia, assim como outros psicólogos. “Em geral, são profissionais que estão no operacional, não em posição de comando”, conta Camila, que ressalta a importância de o projeto chegar a outras pessoas que também atuem na linha de frente. “Queremos chegar também, no futuro, àqueles que são do setor de limpeza, assim como os que atuam em ambulâncias, por exemplo. A procura deles é muito baixa, ainda”, reforça.
A rede mantém canais de comunicação abertos para os psicólogos voluntários, assim como para os pacientes atendidos. Por meio dos relatos, comenta Camila, observa-se que as principais queixas dos pacientes, no início da pandemia, eram de apreensão do que viria. Havia, segundo ela, muito medo e preocupação. Agora, explica a psicóloga, o que está mais em questão é como organizar a vida pessoal, além de se protegerem enquanto atuam no cuidado ao paciente.
“Há muito medo de contrair o vírus e de contaminar a família. Em razão disso, muitas mudanças estruturais de vida foram necessárias. Temos relatos de profissionais jovens, que moravam com os pais idosos, que tiveram de mudar de casa. Há, inclusive, casos de pessoas que adiantaram o casamento para não pôr a vida dos pais em risco. Quanto aos sintomas, o que aparece muito é crise de pânico. Além disso, quadros psicológicos ou psiquiátricos que já tinham melhorado, acabaram voltando”, conta Camila.
A teleconsulta também se tornou o negócio da Vittude Terapia Online, da Vittude Corporate, que desenvolveu um serviço de psicoterapia online por meio de aplicativo que conecta psicólogos e pacientes. São 5,5 mil psicólogos cadastrados, que atendem em um consultório virtual, 100% criptografado, 130 mil pacientes brasileiros residentes no País e no exterior. Outro case é da Teladoc Health, empresa especializada em cuidados virtuais de saúde, com 50 mil médicos cadastrados e uma carteira de 100 milhões de vidas em 175 países. São realizados 70 mil atendimentos por mês, no Brasil. Com o aplicativo de telemedicina, lançado em maio, a expectativa é chegar a 3 milhões de vidas no território nacional até o fim do ano, e a 10 milhões em 2021.
O CFM ressalta que a telemedicina está regulamentada por uma lei de caráter transitório excepcional, que perderá a validade ao término da pandemia. Após esse período, o órgão aponta, no entanto, que a tecnologia poderá ser adotada em definitivo, desde que propicie um atendimento seguro para a população.
“Neste momento, a telemedicina é importante para evitar viagens longínquas desnecessárias. Assim que a legislação vigente for cancelada, o CFM promulgará uma nova decisão, disciplinando a prática de forma que ela continue facilitando o acesso da população”, antecipa o primeiro vice-presidente do CFM, Donizetti Dimer Giamberardino.
Para ser benéfica, explica Giamberardino, é fundamental que os médicos usem uma plataforma adequada, que assegure a privacidade e a intimidade dos pacientes, sendo mais um elemento para promover acesso a um atendimento de qualidade – mas que não substituirá a relação entre médico e paciente, o olho no olho e a realização do exame, que requer o toque corporal.