Como será a longevidade no Brasil?

13 de março de 2024

Prestes a completar 20 anos, o Estatuto do Idoso (Lei Federal 10.741) é elogiado por especialistas e considerado um marco regulatório de peso ao assegurar os direitos das pessoas maiores de 60 anos, ampliando os direitos e estabelecendo penalidades em situações de maus tratos e desrespeito. “O estatuto é uma lei muito boa, foi aprimorado ao longo do tempo com a criação dos conselhos de idosos, mas falta vontade política para ser posta em prática. Ficamos com o discurso e não fomos para a vida real”, afirma a assistente social Naira Dutra Lemos, presidente do Departamento de Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e professora afiliada de Geriatria e Gerontologia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

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Como exemplo, ela cita a obrigação prevista para que as noções do envelhecimento sejam ministradas desde a educação infantil. “Nunca foi implantado. Poucos cursos de graduação oferecem a disciplina, e quem se interessa em se aprofundar só terá opções na graduação”, ressalta.

Segundo Naira, o Estatuto do Idoso necessita de atualizações em dois pontos: nos casos em que a pessoa é obrigada a morar sozinha e em situações em que é obrigada a cuidar de outros idosos, sem suporte de familiares ou amigos. “Por trás, existe, no Brasil, um comportamento de se cultuarem apenas os idosos bem-sucedidos e de valorizar as pessoas pelos padrões de aparência da juventude”, afirma. Naiara não perdoa nem o presidente Lula, que completou 78 anos no fim de outubro. “Ele deveria assumir publicamente que é idoso”, reclama. Recentemente, Lula concedeu declarações consideradas capacitistas, ao dizer que ninguém o veria “de andador ou muletas” após a cirurgia de recomposição do quadril, realizada em setembro.

De forma pontual, já se observam algumas iniciativas por parte de empresas. Inspirado na avó, que trabalhou até os 82 anos, o engenheiro

Mórris Litvak, que se interessou pelo tema da longevidade, notou que havia um enorme preconceito no meio corporativo contra profissionais mais maduros, por estes serem considerados incapazes de acompanhar as novidades tecnológicas. Quando dispensados, percebeu Litvak, esses profissionais encontravam dificuldade de recolocação por causa de um etarismo velado por parte das companhias, que nunca revelavam de forma explícita as razões da recusa. Em 2015, fundou a Maturi, uma plataforma que promove o recrutamento de profissionais 50+ e estabelece conexões com empresas engajadas em ações de diversidade. Além de abrir as portas para processos seletivos, a Maturi age como uma consultoria, orientando os candidatos quanto aos procedimentos corretos para alcançar uma vaga e indicando soluções a fim de aprimorar os pontos frágeis. “Se não houver apreciação e inclusão adequadas dos profissionais maduros e idosos no mercado de trabalho, o Brasil pode enfrentar desafios significativos em termos de sustentabilidade da Previdência e pressão sobre os sistemas de saúde. A prevenção passa por uma série de medidas, incluindo políticas públicas de inclusão, educação e sensibilização”, afirma Litvak.

Desde a sua criação, a Maturi atendeu cerca de 220 mil pessoas, sendo 70% com curso superior, com idade média de 57 anos, das quais 56% são mulheres. Dentre as empresas parceiras, estão a Credicard, Kimberly-Clark, Livelo, Comgás, Johnson&Johnson e a fintech Neon. “O avanço das ferramentas digitais no mercado de trabalho não deve ser um impeditivo para a inclusão de pessoas maduras e idosas. Há uma riqueza de experiência e conhecimento que esses indivíduos trazem que pode ser muito bem aplicada em muitas áreas, mesmo as mais tecnológicas. A chave é oferecer a capacitação necessária para que eles possam se familiarizar com as novas ferramentas, além de promover um ambiente inclusivo que valorize a diversidade de experiências e perspectivas”, ressalta o engenheiro.

Desafios do Etarismo: A expectativa dos 50+ e a realidade do mercado de trabalho*

– Média de idade das aposentadorias compulsórias nas empresas é de 64 anos.

 – As aposentadorias por meio do INSS ocorrem perante contribuição mínima de 180 parcelas, levando em conta a idade mínima de 65 anos para homens e de 62 anos para mulheres.

 – há tendência dos profissionais maduros em postergar a aposentadoria, seja para complementar a renda, seja para manter o padrão de vida do tempo em que trabalhavam, seja por necessidades emocional, social e psicológica.

– 3% dos entrevistados que estavam aposentados não buscam uma nova ocupação no mercado formal.

– dentre os 50+, 30% de aposentados insistiam em obter uma nova posição.

* Estudo desenvolvido pela Maturi, em parceria com a EY Brasil, com resultados colhidos de 191 empresas engajadas em políticas de diversidade.

Em junho deste ano, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário mínimo ideal para atender às necessidades de uma família de quatro pessoas deveria ter sido de R$ 6.578, 41, porém o salário mínimo federal é de R$ 1,32 mil.

Após sete anos vivendo de “bicos” e serviços informais de curto prazo, o analista de marketing Marlos Galdino, de 53 anos, buscou a Maturi e conseguiu uma vaga na sua área na Livelo, empresa de programa de recompensas. “Em todas as entrevistas anteriores, percebia que havia um etarismo ao ser desclassificado nas seleções, mas nunca diziam abertamente”, afirma. Na Livelo, Galdino, que atua em uma equipe com idade média entre 25 e 30 anos, é subordinado a um gerente de 35 anos de idade. “Atuo na produção e na publicação de peças no site e acompanho os resultados. Não uso todas as minhas habilidades, e o salário está ligeiramente abaixo do mercado, mas a equipe foi bem receptiva e tenho possibilidades de crescimento”, garante. Com base na própria experiência de quase 30 anos em marketing e comunicação corporativa, Galdino foi incumbido de buscar estratégias para a empresa estreitar o relacionamento com pessoas acima dos 50 anos. “Pesquisei o tema e tive liberdade para apresentar o estudo, inclusive com sugestões pessoais”, declara.

O cenário, de uma maneira geral, reflete uma série de ponderações que tornam os dados estatísticos um alerta para que setores público e privado avancem em políticas de inclusão do idoso e forneçam as condições necessárias para uma maior qualidade de vida e melhor produtividade, condizentes com os desafios da longevidade. Cabe ao mercado de trabalho, por sua vez, a adoção de práticas cada vez mais adequadas a essa nova realidade demográfica e que sinalizem boas perspectivas dessa população, pautadas na dignidade e na justiça social.

A PB dividiu o conteúdo em duas reportagens especiais. Confira aqui a primeira parte da matéria!

Guilherme Meirelles Annima de Mattos
Guilherme Meirelles Annima de Mattos
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