Como será a longevidade no Brasil?

05 de março de 2024

Dados do Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), reforçam a urgência na adoção de medidas que evitem um possível caos no sistema de Saúde e Previdência nas próximas décadas. O Brasil envelhece a passos largos. A pesquisa apontou a participação de 10,9% de idosos acima de 65 anos e uma taxa de natalidade de 0,52%, a menor da série histórica. Em 2010, os idosos representavam 7,4% da população. Assim, a Problemas Brasileiros traz um panorama da longevidade no país quais os impactos para as próximas gerações. A reportagem dividiu o conteúdo em duas reportagens. A segunda parte da matéria irá ao ar na próxima terça-feira, dia 12.

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Aos 40 anos, Ana Carolina Soares Bertho, demógrafa e professora de pós-graduação na Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) do IBGE, já se conformou com a possibilidade de não usufruir dos chamados “privilégios da terceira idade” quando chegar aos 60 anos. “O Brasil está envelhecendo rapidamente. Até lá, talvez nem haverá necessidade de existir mais os assentos especiais em ônibus e metrô, nem filas prioritárias em bancos e supermercados. Seremos uma nação de idosos”, afirma, com base nos recentes dados do IBGE e nas projeções da Divisão de População da ONU, divulgadas no segundo semestre do ano passado. Com uma população de 203 milhões de habitantes, o Brasil registrou taxa de natalidade de 0,52% ao ano desde 2010, o menor índice de crescimento da série histórica, iniciada em 1872. O fenômeno em si não é novidade. Em 1940, a relação era de 6,16 filhos por mulher. Em 2020, foi caindo gradativamente — e, hoje, é de 1,76 filho para cada mãe. O número de idosos, por sua vez, cresce em ritmo surpreendente. Em 2010, segundo o mesmo Censo do IBGE, havia 7,4% pessoas acima de 65 anos na população. Hoje, essa participação é de 10,9%, e a expectativa é de superar a marca de 60 milhões em 2050. Parafraseando o dramaturgo Nelson Rodrigues, autor da célebre frase “Jovens, envelheçam”, o Brasil cumpre a profecia e caminha a passos largos para se tornar um país de cabeça branca.

Até a divulgação dos números do Censo, nunca houve uma preocupação maior pelo fato de o Brasil estar em uma zona de conforto dentro do chamado “bônus geográfico”, quadro em que há mais pessoas na faixa etária economicamente ativa (aptas a trabalhar) do que nas idades mais avançadas e aposentados.

(Dados do Censo 2022, do IBGE)*

A partir de meados da década passada, a precarização do trabalho formal trouxe uma situação até então inusitada: uma significativa parcela dos jovens, principalmente de classes menos favorecidas, retornaram para a casa dos pais em razão do desemprego e se tornaram dependentes das aposentadorias tanto dos genitores como dos avós, já que não tinham condições financeiras para se manterem. É o fenômeno “família estendida”, como define o economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social, da Fundação Getulio Vargas (FGV).  “Só que há alguns problemas: a educação dos idosos é 3,3 vezes menor que a média da população, e estamos 30 anos atrasados em comparação com os países desenvolvidos. Os idosos não acompanharam o boom da educação a partir dos anos 1990 e não estão inseridos no mundo digital, principalmente em regiões do Norte e Nordeste, que contam com infraestrutura mais precária.” Há também os desafios envolvendo a sustentabilidade da saúde pública e os custos com medicamentos e cuidadores. “Não se sabe quem financiará as despesas dos idosos, nem como. No Japão, gastava-se 10% do Produto Interno Bruto (PIB) com a previdência, enquanto o Brasil, com uma população menor, tem um gasto de 13% do PIB. O aumento da expectativa de vida tem um custo”, diz o economista. Hoje, o principal problema da previdência é o déficit. Segundo o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) 2023, o Regime Geral teria um rombo de R$ 267,2 bilhões no referido ano. Para os regimes próprios dos servidores públicos civis e militares, o saldo negativo era calculado em, respectivamente, R$ 47,3 bilhões e R$ 48,5 bilhões. Com o avanço do trabalho informal e a queda no volume de contribuintes do INSS, aumenta-se a insegurança quanto à sustentabilidade da Previdência Social para as próximas décadas.

Segundo Marcio Minamiguchi, demógrafo do IBGE, o quadro de baixa natalidade pode ser uma oportunidade para o País investir na Educação e pensar em um planejamento de longo prazo. “Hoje, nascem 2,6 milhões de crianças, enquanto na década de 1980, a média era de 4 milhões/ano. Com menor contingente de jovens, fica mais fácil estabelecer políticas públicas na educação e pensar nas décadas futuras. Ainda somos jovens comparados a outros países, mas o nosso processo de envelhecimento é mais rápido”, destaca. No entanto, ainda de acordo com Minamiguchi, a tendência de envelhecimento “irreversível” e a estabilização só virão a partir do último quarto de século. A expectativa do IBGE é de chegarmos a um pico da população idosa com 79 milhões de pessoas em 2075 para, então, entrarmos em um quadro de equilíbrio até atingirmos 73 milhões de brasileiros com mais de 65 anos em 2100.

Até lá, prevê o demógrafo, a sociedade brasileira verá uma transformação do núcleo familiar, com menos netos para cuidar dos avós. De acordo com dados da FGV Social, as regiões com maior concentração de idosos estão em municípios pequenos e com boa infraestrutura de saúde, casos da região serrana fluminense, do centro do Rio Grande do Sul, do noroeste do Espirito Santo e de bairros das regiões centrais de São Paulo e do Rio de Janeiro. “Os bairros de Higienópolis e Copacabana são polos de idosos”, comenta Minamiguchi, em tom de brincadeira, destacando o fluxo dos jovens em direção aos grandes centros urbano em busca de oportunidades profissionais.

No entanto, o quadro revela, ainda segundo o mesmo estudo, que a porcentagem de idosos está diretamente relacionada à qualidade de vida nas diferentes regiões. Enquanto nos municípios da região serrana do Rio — casos de Petrópolis e Teresópolis —, a participação dos idosos atinge 16,74% da população, esse índice cai a 5,33% em Macapá (AP) e a 4,74% no entorno da região metropolitana de São Luís (MA).

Países como Alemanha e Japão contam com políticas púbicas para idosos, mas não há como simplesmente transpor um projeto de sucesso para outra realidade totalmente diversa. “Só que o Japão ficou rico antes de ficar idoso, e o Brasil, não”, explica Neri. No país asiático, onde a expetativa de vida média é de 81 anos, as pessoas permanecem por mais tempo no mercado de trabalho. “Não há solução mágica”, diz Ana Carolina, do Ence. A longevidade na Terra do Sol Nascente traz consigo um paradoxo. Ao mesmo tempo que os idosos vivem uma vida ativa mais longeva, afirma a demógrafa, criam-se barreiras para o ingresso de jovens no trabalho formal em razão da baixa oferta de vagas. Na comunidade internacional, o Japão é conhecido pela sua estabilidade econômica e um controle do consumo interno dos aposentados, que, por questões culturais, têm hábitos mais frugais comparados aos idosos dos países ocidentais.

“Se não houver uma apreciação e uma inclusão adequadas dos profissionais maduros e idosos no mercado de trabalho, o Brasil pode enfrentar desafios significativos em termos de sustentabilidade da Previdência e pressão sobre os sistemas de saúde.” Mórris Litvak, fundador da agência Maturi

Sesc-SP em prol da qualidade de vida

Pioneiro no estímulo à pessoa idosa e na valorização da cultura do envelhecimento, o programa Trabalho Social com Pessoa Idosa completa 60 anos em 2023. Desenvolvido pelo Serviço Social do Comércio de São Paulo (Sesc-SP), o programa oferece diversas atividades artísticas, reflexivas e culturais nas mais de 40 unidades durante todo o ano.

Em 2022:

 – 458 ações realizadas;

–  46 mil idosos impactados;

–  cerca de 14 mil participantes de 430 cursos e oficinas.

Guilherme Meirelles Annima de Mattos
Guilherme Meirelles Annima de Mattos
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