A ciência nunca foi tão falada e discutida como agora. Ultimamente, tornou-se recorrente acompanhar muitos pesquisadores vindos a público, nos meios de comunicação e nas redes sociais, para divulgá-la e defendê-la das fake news, contribuindo, assim, para esclarecer a população sobre o vírus do covid-19.
A luta da ciência contra a onda de negacionismo instaurada no País (e no mundo), com a curva de ascensão da pandemia, tem sido exaustiva, mas vem culminando em uma “vitória gloriosa”. Pelo menos é nisto que acreditam profissionais da área, como Kleber Del Claro, biólogo e doutor em Ecologia da Universidade Federal de Uberlândia (UFB), dono do site Ciência Que Fazemos. “O balanço geral é muito positivo”, diz. “Normalmente, uma notícia de ciências, em especial a básica, para ser divulgada pela grande imprensa, tem de ser algo extraordinário. Sempre as desgraças, a política e os esportes têm prioridade, chamam a atenção. Desta vez, uma desgraça mundial deu vez e voz à ciência, a sua importância e aos seus divulgadores.” Del Claro ressalta que, na contramão das investidas contra o pensamento científico – como as bobagens espalhadas ao longo dos últimos dois anos –, as pessoas deram ouvidos aos pesquisadores. “A imprensa teve papel importantíssimo e fundamental nisso, elegendo alguns nomes como porta-vozes da ciência, contrapondo-se aos negacionistas e mostrando claramente que investir em pesquisa é estratégico para um país que quer se desenvolver e crescer.”
A biofísica Priscilla Oliveira Silva Bomfim, do Instituto de Biologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), que usa as redes sociais para descomplicar o conhecimento na área para a população, acredita que “a discussão sobre a ciência e a sua importância para o desenvolvimento social ganharam projeção ao longo da pandemia, não só no Brasil, mas em todo o mundo. De certa forma, esta crise sanitária de escala mundial conseguiu fazer com que ela encontrasse um lugar na sociedade que, talvez, nunca tivesse tido, pelo menos não com tanta assertividade como nos últimos tempos.” Ela enxerga positivamente a abertura de uma oportunidade de comunicar a produção científica, fazendo a sociedade refletir e perceber que a ciência envolve muitas etapas até que uma hipótese seja exaustivamente avaliada, provada e, por fim, disponibilizada à comunidade.
Um exemplo: a identificação do patógeno (organismo causador de doença) envolvido no covid-19, além das informações sobre como se dava a sua transmissão, as medidas protetivas eficazes, a importância do isolamento social e, num determinado momento, a eficácia da vacinação – tudo isso numa linguagem acessível, que permitisse a reflexão crítica da questão e o poder de tomada de decisão do indivíduo. “Este é o ganho: levar a população a refletir, com base em evidências científicas, para, assim, tomar as decisões que afetam não apenas cada indivíduo, mas também a coletividade.”
Parte dos intelectuais imaginou que, durante a pandemia, o negacionismo se enfraqueceria, pois os movimentos antivacina naturalmente perderiam espaço. Quem lembra é o físico Yurij Castelfranchi, do Departamento de Sociologia e coordenador do curso de especialização em Comunicação Pública da Ciência da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG): “Isso não aconteceu bem assim, mas também não houve o contrário, ou seja, um domínio da desinformação.” De acordo com Castelfranchi, as pesquisas nacionais e internacionais de percepção pública da ciência mostram que, em média, aumentou durante a pandemia o reconhecimento dos brasileiros sobre a importância e a relevância dela, bem como se fortaleceu a ideia de que ela traz benefícios e de que os cientistas são fontes confiáveis de informação. “Todo o propósito dos ataques de desinformação, para destruir a confiança nos pesquisadores, não aconteceu. Não foi alcançado o objetivo dos ‘desinformadores’ profissionais.”
Embora tenha crescido durante a pandemia, a confiança dos brasileiros na ciência não vem de hoje. É o que mostra uma pesquisa do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), de 2019. Segundo o levantamento, 73% dos brasileiros acham que Ciência e Tecnologia (C&T) trazem só benefícios ou mais benefícios que malefícios; enquanto 41% acreditam que os pesquisadores “são pessoas inteligentes que fazem coisas úteis à humanidade”; e, por fim, 66% querem aumento dos investimentos na área. Outro dado que mostra que a ciência está vencendo é que, segundo o Datafolha, o porcentual dos brasileiros que pretendem se vacinar subiu de 73% para 84%, entre dezembro do ano passado e julho deste ano.
“A pandemia trouxe mais cientistas na presença do púbico para defender o conhecimento, sob ataque desde antes da crise sanitária que enfrentamos”, analisa Peter Alexander Bleinroth Schulz, físico da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo ele, o processo de comunicação científica neste período apresenta aspectos distintos e complementares. Em primeiro lugar, no início, foi necessário comunicar e defender um padrão de enfrentamento: o distanciamento físico e o uso de máscaras e álcool em gel. Em segundo, tornou-se necessário o esclarecimento de que não havia evidências de que os medicamentos anunciados pelo governo (cloroquina e outros) eram seguros e eficazes no combate ao coronavírus. “E, mais recentemente, a defesa de um produto da ciência eficaz e seguro: as vacinas”, conclui Schulz.
Mesmo com o ganho de popularidade e confiança, um colega de Schulz na Unicamp, o químico Luiz Carlos Dias, membro da força-tarefa da instituição no combate à doença, contudo, se diz temeroso com o destino da ciência no Brasil daqui para a frente. “O brasileiro nunca ouviu tanto a palavra ‘ciência’, mas me preocupa mesmo o seu futuro no País. Infelizmente, hoje, ela tem o menor orçamento dos últimos 25 anos e sofre as agressões de um governo que a odeia (além dos cientistas) e despreza nossas universidades e centros de pesquisa públicos.”