Despertar a cultura do engajamento

20 de fevereiro de 2024

O desenrolar da COP-28, no início de dezembro, desencadeou diversas manifestações públicas de entidades e organizações não governamentais em diferentes cidades do planeta, alertando para os riscos do aquecimento global. Enquanto dirigentes e ativistas discutiam, em Dubai (nos Emirados Árabes), a adoção urgente de medidas para mitigar os efeitos da emissão desenfreada de dióxido de carbono (CO2) e reduzir o volume de combustíveis fósseis, o Brasil enfrentava uma situação climática alarmante, com seca dos rios na região Amazônica, chuvas catastróficas nos Estados da região Sul do país e temperaturas recordes que beiraram e até superaram a marca de 40°C, alcançando 44,2°C em Cuiabá (MT).

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Mas, mesmo com todos esses fenômenos climáticos, não houve ninguém que enfrentasse o calor escaldante das ruas das principais cidades brasileiras e protestasse em defesa do meio ambiente, como se inconscientemente dissessem “afinal, por que eu vou se já tem gente fazendo isso?”.

Aos 21 anos, o estudante de Direito e Relações Internacionais, Daniel Holanda, já acalenta um sonho. “Minha meta de vida é sair do ativismo digital e ir para as ruas, lotar a avenida Paulista com 200 mil pessoas para tratar das mudanças climáticas. Espero ver esta cena algum dia”. Daniel pode ser considerado um ponto fora da curva no ativismo digital. Nascido em Anápolis (GO), filho de um casal engajado em causas sociais, desde 2018 é tido como o porta-voz no Brasil e um dos 15 representantes no País do movimento Fridays For Future, que tem como principal nome global a estudante sueca Greta Thunberg.  

“No Brasil, para ter volume, um movimento dessa envergadura deve ser articulado com a presença de artistas e celebridades”, ressalva Daniel, citando o “Ato em Defesa da Terra”, ocorrido em março do ano passado, em protesto contra o chamado “PL do Veneno”, um conjunto de projetos de lei apoiado pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro que ia contra os princípios ambientalistas de preservação da Amazônia. Apesar da visibilidade do evento, a realidade do dia a dia é outra, afirma Daniel. “Há falta de organização e diálogo entre as ONGs do setor ambiental. E há diferenças entre os movimentos ambientais no Brasil e na Europa. Aqui, boa parte da sociedade está fragilizada não apenas no campo ambiental, como também em saneamento, fome e habitação. Precisa haver uma abordagem que torne clara a inter-relação das lutas. Não dá para falar de preservação ambiental e mudanças climáticas sem tocar em questões de diversidade, combate à fome e a falta de moradia”, explica. Até hoje, a mobilização mais bem-sucedida da Fridays For Future Brasil foi a campanha SOS Amazônia, em 2020, que arrecadou cerca de R$ 1 milhão em doações de itens de higiene, alimentação e equipamentos de saúde para as comunidades da região amazônica atingidas pela Covid 19. Para engajar a sociedade, a equipe da Fridays For Future Brasil fazia postagens diárias em redes sociais, principalmente no Instagram, além disso, produzia vídeos de apoio com a participação de vários artistas.

Toda essa mobilização acarretou mais seguidores? “Muito pouco. Temos apenas 28,5 mil seguidores no Instagram. A mobilização precisa ser permanente. Em 2023, houve um relaxamento nos movimentos ambientais após a entrada de Lula e Marina Silva. Isso não é benéfico. Ambos são políticos, apesar de haver mais diálogo. Lula apoia a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas”, afirma.

Autor da obra “Como Defender Sua Causa”, o professor e cientista político Leandro Machado trata o engajamento do cidadão em mobilizações dentro de uma metodologia a ser seguida pelas entidades civis, partidos políticos e sindicatos. “Para que uma causa ganhe engajamento da sociedade e prospere, é necessário que ela seja relevante e significativa para o maior número de pessoas. A causa deve ser comunicada de forma clara e persuasiva, com oportunidades para as pessoas se envolverem ativamente”, afirma. Ele cita o exemplo da pandemia da COVID-19.

“Diante de uma ameaça concreta à vida de todos houve um engajamento inédito para arrecadação de recursos, que envolveu tanto o banco Itaú como a Central Única das Favelas (CUFA), com a distribuição de alimentos. Para alguém se engajar (doar seu tempo) é necessário que aquela causa seja percebida como de extrema relevância para a pessoa”.

Segundo Machado, os temas que mais sensibilizam o brasileiro são educação, saúde, emprego e segurança. “Mas é sempre importante se basear em pesquisas para entender esse contexto de demanda social e saber identificar as causas mais urgentes para a população naquele momento em que você irá agir”. Como se tornou frequente, nos últimos anos, até mesmo temas sensíveis se tornam alvo de polarização ideológica. “A polarização ideológica pode ser obstáculo para a mobilização em torno de causas comuns, como educação e meio ambiente. Nessas situações, é importante focar nas questões em si e nos problemas”, alerta.

A linguagem como ferramenta estratégica

Os canais digitais tornaram-se, ao longo dos últimos anos, espaços de extrema relevância na disseminação de causas sociais, bem como de interação entre grupos de mobilização, principalmente entre os  jovens da Geração Z “Usamos muito a plataforma Discord por ter uma linguagem de games, que permite interação e criatividade na troca de informações. O Tik Tok também é uma ferramenta essencial. Já o Facebook é obsoleto”, afirma Natasha Andrade, assistente de engajamento voluntário da Unicef Brasil.

Em 2020, a Unicef lançou o movimento de voluntariado on-line #tmjUNICEF, que visa compartilhar informações, criar campanhas colaborativas em defesa dos direitos da criança, da saúde mental, das mudanças climáticas e, em especial, no combate às fake news. Sob filtro da Unicef, o movimento fornece ferramentas para os jovens criarem conteúdo para mídias sociais, como podcasts e vídeos.  “Temos mais de 15 mil voluntários na lista de e-mails e cerca de 100 lideranças nos grupos de WhatsApp”, afirma Natasha.

O filme “Rustin” (produzido pelo casal Barack e Michelle Obama e em cartaz na Netflix) é um bom exemplo para entender a dinâmica dos movimentos sociais. O roteiro aborda o protagonismo do ativista negro Bayard Rustin, conselheiro de Martin Luther King, na mobilização e organização da Marcha Sobre Washington por Trabalho e Liberdade, que reuniu 250 mil pessoas de diversas regiões dos EUA, durante dois dias, em frente à Casa Branca, em Washington. Na ocasião, Luther King proferiu a célebre frase “I have a dream”. Conduzido de forma pacífica, o ato foi fundamental para a aprovação pelo Congresso da lei dos direitos civis dos negros, inclusive o direito ao voto.

Ação exige envolvimento

A presença cada vez maior de movimentos no campo virtual não diminui, no entanto, a importância de práticas presenciais no engajamento das pessoas e sua alta capacidade de sensibilização.

Fundado em 2012 por proprietários de imóveis da praia da Baleia, em São Sebastião, litoral norte de São Paulo, o Instituto Conservação Costeira (ICC) suou a camisa para conseguir sete mil assinaturas e garantir junto à câmara do município a preservação ambiental de início em 1 milhão de metros quadrados de vegetação nativa degradada (áreas de mangue, brejo, restinga e dois rios) no trecho entre as praias da Baleia e Barra do Sahy, transformado em Área de Preservação Ambiental (APA). “Posteriormente, o local foi ampliado para 4 milhões de m². Mas tudo fruto de muita dedicação. É uma tarefa difícil e poucos colaboram efetivamente, mesmo sendo beneficiados”, afirma a advogada Fernanda Carbonelli, presidente do Instituto. O ICC atua seguindo os modelos de preservação que uma APA exige, de acordo com o Código Florestal, mas todos os recursos são captados pelo instituto. “A região tem cerca de 800 imóveis, mas vivemos da contribuição mensal de apenas 67 apoiadores, que vão desde empresários até caiçaras que reconhecem a qualidade da nossa atuação. Muitos se dizem engajados, mas na hora de contribuir, de fato, a situação muda de figura. Ao que parece, existe o seguinte pensamento: “se há alguém cuidando, por que vou me preocupar? Mas, se o esgoto vai para o meu terreno, eu me preocupo”, diz a advogada.

Além de arcar com os recursos para monitoramento de construções irregulares, invasões e segurança, o ICC envolve-se em questões emergenciais, como ocorreu no início de 2023 na tragédia que resultou na morte de 64 pessoas e cerca de 500 desabrigados naquela região.

Na ocasião, choveu 700 mm em menos de 24 horas, o que jamais havia sido registrado historicamente. “Por termos o mapeamento completo da região, agimos mais rápido do que os bombeiros e a prefeitura”, diz. A iniciativa mais recente do ICC é o restauro ecológico das áreas de encosta dos morros da Mata Atlântica por meio da técnica de hidrossemeadura. Desenvolvido em parceria com o grupo Ambipar e a Fundação Florestal, ela consiste no uso de drones para forrar as encostas com uma manta de casca de coco e sementes, que formam uma camada para prevenir deslizamentos. O projeto abrange 208 hectares entre as praias de Juquehy e Toque-Toque e é considerado pioneiro por alcançar áreas inacessíveis, com alto grau de declividade.

Em temas que exigem mais complexidade, é necessário haver um planejamento logístico nas mobilizações. Visando impactar os candidatos nas eleições de 2022, a ONG Todos pela Educação desenvolveu a iniciativa “Caravanas Educação Já”, que percorreu 14 Estados e conversou com 40 candidatos, influenciadores, educadores formadores de opinião. “O projeto é fruto de pesquisas de opinião apontando que parte da população acreditava que a Educação deveria estar entre as prioridades dos candidatos nas eleições de 2022. Ouvimos demandas, conhecemos boas práticas, intensificamos o diálogo com a comunidade escolar e sociedade civil, além disso, ocupamos espaços importantes em discussões para fazer avançar políticas públicas pelo país. Temos, atualmente, cerca de 40 mantenedores, entre pessoas físicas, fundações, institutos e empresas. É uma grande mobilização da sociedade civil para a Educação avançar no Brasil”, afirma Olavo Nogueira Filho, diretor executivo do Todos Pela Educação.

A ÍNTEGRA DESTE CONTEÚDO FAZ PARTE DA EDIÇÃO #479 IMPRESSA DA REVISTA PB. PARA CONTINUAR LENDO, ACESSE A VERSÃO DIGITAL, DISPONÍVEL NAS PLATAFORMAS BANCAH E REVISTARIAS.

Guilherme Meirelles Débora Faria
Guilherme Meirelles Débora Faria
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