A fórmula do futuro sustentável

03 de abril de 2023

O governo federal sancionou parcialmente, no início de agosto, o Marco Legal do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (HBC), um avanço no caminho para reduzir o consumo de combustíveis fósseis e acelerar a transição energética. O hidrogênio verde foi tema da reportagem de capa da edição #474 (abr/mai de 2023) da Revista Problemas Brasileiros. Relembre aqui.

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Considerado o combustível do futuro, o H2V tem se tornado prioridade na estratégia climática ao garantir a substituição dos combustíveis derivados de fontes fósseis – como a gasolina, o diesel, o gás e o carvão – por opções sustentáveis. O Brasil tende a ocupar um importante papel dentro deste “futuro verde” e, consequentemente, na redução das emissões de carbono. Mesmo com o País sendo beneficiado pela eletricidade renovável, a expansão deste mercado depende de alguns fatores essenciais, como a redução dos custos.

O fato é que os equipamentos utilizados no processo de fabricação do H2V ainda são caros e precisam ser aprimorados e testados para a aplicação em larga escala. Especialistas consideram que melhorar a competitividade passa por políticas públicas e criações de infraestrutura necessária e de mais Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs), bem como pelo estímulo à criação de patentes relacionadas à produção, ao armazenamento e ao transporte de H2V.

“Para o mercado de exportação, a utilização das ZPEs é de extrema importância e pode reduzir custos, além de contribuir muito para melhoria da balança comercial brasileira”, sublinha Hugo Albuquerque, diretor de Hidrogênio Verde da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD). A ZPE é uma área de livre-comércio com o exterior, destinada à instalação de empresas voltadas à produção de bens a serem comercializados em outros países, sendo considerada zona primária para efeito de controle aduaneiro. As empresas que se instalam nessas zonas têm acesso a tratamentos tributários e administrativos específicos. Atualmente, o Brasil conta com 14 ZPEs autorizadas, mas apenas a do Porto do Pecém está ativa.

Localizado no Ceará, o Porto do Pecém vem investindo em combustível renovável. No fim de outubro, foi entregue ao Banco Mundial uma carta-consulta à operação de crédito de cerca de US$ 100 milhões para investimentos no Programa de Transição Energética Justa para o Estado do Ceará – Ceará Verde.

Fruto de uma joint venture formada pelo Governo do Estado do Ceará e pelo Porto de Roterdã (Alemanha) – o maior da Europa e dono de 30% do Porto do Pecém –, o complexo cearense é formado por mais de 19 mil hectares de área, possui infraestrutura robusta e localização geográfica privilegiada e desponta também como a casa do H2V no Brasil, uma vez que abriga os primeiros projetos da área no País.

O Ceará é um exemplo de todo este potencial para a geração de energia renovável em território nacional, o que é primordial para viabilizar o desenvolvimento de um mercado de hidrogênio verde. “Contamos com uma elevada capacidade de energia eólica, além de um gigantesco potencial de energia solar, segundo dados do Atlas Eólico e Solar do Estado do Ceará”, comenta Raul Viana, gerente de Negócios Portuários do Complexo de Pecém, ao salientar que o Estado cearense é pioneiro na geração eólica e, por isso, já conta com uma importante expertise para ampliar a matriz de energia limpa. O terminal portuário dispõe de um calado adequado às operações de H2V, além de uma rede elétrica robusta com infraestrutura de linhas de transmissão compatível com as demandas das usinas de eletrólise e uma ampla rede de distribuição de gás. Albuquerque, da ABGD, pondera, no entanto, que qualquer localização estratégica é temporária, pois depende de questões como benefícios fiscais, recursos energéticos disponíveis, licença ambiental (que demora não menos que dois anos) e proximidade do mercado consumidor.

Do ponto de vista do mercado externo, para Viana, o cenário atual elege o Porto do Pecém como a melhor opção, pois está numa ZPE. O Porto de Roterdã, que tende a se consolidar como maior hub de H2V mundial, já conta com infraestrutura sendo preparada. Também está em desenvolvimento a iniciativa de transformar o Complexo Industrial Portuário de Suape (PE) em um espaço de pesquisa, desenvolvimento e inovação com foco no combustível do futuro. O TechHub Hidrogênio Verde, lançado em julho de 2022, é liderado pela CTG Brasil em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), o Senai-PE e o governo estadual pernambucano.

Em Suape (PE), estão previstos projetos focados em produção, transporte, armazenamento e gestão de H2V e na identificação de oportunidades nas áreas de Energia e de Descarbonização de Indústrias vinculadas ao porto. Ali, 90% do Produto Interno Bruto (PIB) da região se encontram em um raio de 800 quilômetros do porto. 

Outra ação anunciada recentemente foi a da Unigel, uma das maiores empresas químicas da América Latina e uma das principais fabricantes de fertilizantes nitrogenados do País. “A Unigel é pioneira em um mercado-chave para projetos industriais de hidrogênio verde graças à alta capacidade de energia renovável instalada no Brasil”, destaca o diretor de Estratégia e Inovação da empresa, Edson Alves.

Um grande desafio para o H2V é a viabilidade econômica do transporte para longas distâncias, segundo o executivo. Uma das alternativas em estudo é a utilização da amônia como um veículo para transporte do gás, ou seja, a amônia verde, produto já tradicionalmente comercializado pelo mercado e com infraestrutura existente e disponível, permitiria transportar o H2V na forma de amônia e, uma vez no local de destino, seria convertida em hidrogênio e nitrogênio. O processo está em fase de validação tecnológica e, futuramente, será uma rota mais econômica para o transporte de grandes distâncias do elemento químico.

Localizações estratégicas

Especialistas avaliam que o Nordeste é a região mais estratégica do Brasil para explorar os potenciais de produção e distribuição do H2V. Além da elevada capacidade de geração de energias renováveis, outras características contribuem para o cenário. “No Ceará, por exemplo, o maior diferencial é o próprio Complexo do Pecém, único no Brasil, pois conta com um porto completamente integrado a uma ZPE, algo que não existe, neste momento, em nenhum outro local do País”, defende o gerente de Negócios Raul Viana.

No mercado interno, Bahia, São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás e Maranhão aparecem como principais candidatos a desenvolver infraestrutura para a produção de H2V, pois são os que mais importam fertilizantes e os que mais possuem siderúrgicas, que poderiam se beneficiar da produção do aço verde. Exemplo disso é a reativação da Unigel, na Bahia, que tem um projeto de H2V em andamento e pode se consolidar como a maior fábrica de fertilizantes do mundo.

Por outro lado, a visão sobre a disponibilidade energética nacional ainda tem muito o que evoluir. “Aqui está o nosso maior gargalo, pois, hoje, não há capacidade de escoamento que permita que todos estes projetos em andamento [atualmente, mais de 15 GW] sejam concretizados”, destaca Albuquerque, da ABGD. O marco legal da eólica offshore, em curso, pode ser uma solução para o escoamento da energia e a geração próxima aos portos. Contudo, estes parques não devem ser concluídos antes de cinco anos. Trata-se de Projeto de Lei (PL) em tramitação no Congresso que se refere à exploração de energia – eólica, solar ou das marés – em alto-mar no Brasil. O PL 576/2021 regulamenta a autorização para aproveitamento do potencial energético instalado.

“O transporte, responsável por mais de 20% das emissões globais, seria a área de maior importância para o uso do hidrogênio verde no sentido de reduzir as emissões mundiais de carbono, mas há ainda um longo caminho a percorrer.” José Goldemberg, presidente do Conselho de Sustentabilidade e do Comitê Energia, ambos da FecomercioSP

Larga escala

Apesar dos percalços, as expectativas para o setor são positivas, em comparação ao que aconteceu no passado com a energia solar, por exemplo. Em 2012 o preço FOB (Free On Board – preço no porto de embarque) do Wp (Watt-pico, unidade de potência criada especialmente para a medição de painéis fotovoltaicos) do módulo solar custava em torno de US$ 1, e a potência por módulo não superava os 100Wp. Hoje, temos valores na casa dos US$ 0,23 por Wp – uma redução de cerca de 4.300%, em uma década. Tudo isso foi possível por ganho de escala e melhoria da eficiência dos produtos. Na opinião de Albuquerque, não será diferente com a eletrólise para produção do H2V. Há, inclusive, pesquisas que podem converter biomassa, lixo e etanol em H2V sem gerar carbono como subproduto.

Para Viana, do Complexo do Pecém, o que torna o projeto do hub de hidrogênio verde ainda mais competitivo é a própria vocação do Brasil para a produção do combustível limpo. Um estudo realizado, no ano passado, pela Bloomberg aponta que, em um cenário otimista, com o uso das energias solar e eólica, o País terá o hidrogênio verde mais barato do mundo até 2050, com um custo de apenas US$ 0,55 por quilo.

No longo prazo, não há dúvidas de que teremos preços competitivos para distribuição e exportação do H2V a qualquer parte do mundo. O fato de o Porto de Roterdã ser um dos acionistas do Complexo do Pecém oferece outro grande diferencial competitivo ao Ceará, pois traz o know-how do maior porto da Europa, que já se prepara para operar o hidrogênio verde. Para 2030, a projeção é de que o complexo industrial cearense atenda a 25% da demanda de importação de hidrogênio da cidade portuária holandesa.

Para ficar de olho

O físico José Goldemberg, presidente do Conselho de Sustentabilidade e do Comitê Energia ambos da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), considera que o H2V só faria sentido se a energia elétrica necessária para produzi-lo (dividindo a água em hidrogênio e oxigênio) fosse renovável – ou seja, se produzida em usinas hidroelétricas ou solares (fotovoltaica e eólicas). “Este não é o caso dos países europeus ou dos Estados Unidos, onde a matriz energética tem mais de 80%de combustíveis fósseis. Daí a esperança de produzir hidrogênio verde no Brasil, onde a matriz elétrica é 78% renovável. Importante lembrar que a base hidrelétrica, disponível o dia todo é de 60%”, afirma Goldemberg.

A ÍNTEGRA DESTE CONTEÚDO FAZ PARTE DA EDIÇÃO #474 IMPRESSA DA REVISTA PB. PARA CONTINUAR LENDO, ACESSE A VERSÃO DIGITAL, DISPONÍVEL NAS PLATAFORMAS BANCAH.

Gilmara Santos Joélson Buggilla
Gilmara Santos Joélson Buggilla