Busca pelo turismo verde

09 de novembro de 2022

Adotar e informar aos clientes ações que reduzam a emissão de dióxido de carbono no meio ambiente tem se mostrado uma dificuldade recorrente às empresas do setor. O que impressiona é que mesmo quem já implementa boas práticas, muitas vezes prefere não divulgá-las, pois existe a falsa impressão, da parte dos clientes, de que produtos e serviços sustentáveis sejam mais caros.

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Cada vez mais empresas, mundo afora, se esforçam para adotar a agenda ESG. Não só na busca pela utilização mais consciente dos recursos naturais, mas também em prol da melhor qualidade de vida de seus funcionários e das localidades onde atuam – além, é claro, de estimular o engajamento dos clientes sobre a responsabilidade social assumida pela marca, que pode retornar em mais vendas e boa publicidade.

Contudo, nem todos os setores conseguem ingressar com facilidade nestes novos formatos de negócios. No universo do turismo, a dificuldade surge de uma curiosa particularidade: segundo empresários, as ações sustentáveis nem sempre são percebidas pelos clientes – e quando são, geram a impressão de que embutem custos adicionais nos preços das viagens e dos pacotes de passeio.

Nas atividades de alto risco ambiental, como mineração e indústria química ou de petróleo, os esforços sustentáveis são facilmente compreendidos por clientes, colaboradores e governos. No entanto, em segmentos como o turismo, esta percepção não fica clara. Pouca gente costuma se preocupar sobre quantos quilos de carbono uma viagem curta de avião joga na atmosfera. Esta falta de informação inibe muitas empresas, que já adotam medidas de greenwashing na comunicação com os clientes, com receio de afastá-los.

Estas são algumas evidências dos estudos feitos por Xavier Font, pesquisador e professor na Universidade de Surrey, do Reino Unido, em parceria com a Organização Mundial do Turismo (OMT), em 2021. Em agosto, Font apresentou os resultados durante reunião do Conselho de Turismo da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).

Segundo o pesquisador, é uniforme o discurso pró-sustentabilidade no meio corporativo, mas, na prática, são poucas ações efetivas. “Entre as associações de comércio de viagens de todo o mundo, este cenário não é diferente: apenas 1 entre 62 delas conta com um programa com valores orientativos de sustentabilidade definidos e claros às empresas associadas”, afirma.

A baixa aderência a políticas sustentáveis no turismo também fica nítida quando os países são comparados. Entre 101 nações avaliadas, só 45% fazem apenas uma referência superficial ao tema, ao passo que pouquíssimas citam dados reais a respeito do uso sustentável dos recursos naturais disponíveis. Pouco mais da metade desses países (55%) dedicaram mais do que um parágrafo para tratar de sustentabilidade nos programas de governo. Na opinião do pesquisador, estas estratégias geralmente demandam em torno de cem páginas ou mais para identificar as raízes dos problemas e listar soluções.

Greenwashing

Outro fator que dificulta a eficácia das propostas ESG no mundo é a prática de greenwashing – uso de mensagens vagas, selos e certificados sem comprovação, que passam uma falsa impressão “verde” a empresas e organizações.

Segundo Font, cerca de 25% do conteúdo divulgado pelas grandes companhias de turismo não são reais. Trata-se de informações superestimadas, vagas ou que não refletem os resultados esperados.

Por outro lado, 70% do que é feito por grandes corporações hoteleiras nem sequer são reportados aos stakeholders (gestores) ou comunicado aos consumidores. “Muitos hotéis omitem informações sobre ações sustentáveis que já são praticadas internamente, com medo de perder clientes. Grande parte deles já utiliza produtos recicláveis, faz reúso de água e capta energia limpa, mas tem a impressão de que se informar isso nas suas redes e nos sites de vendas, os clientes podem achar que vão pagar mais caro”, diz o pesquisador.

Os erros de comunicação, na ótica do especialista, estão presentes na forma e na segmentação do público. Os planos das empresas acerca de B2B (“negócio a negócio”) e B2C (“negócio a cliente”) precisam ser distintas. Segundo o pesquisador, “muitas das publicações aos investidores não refletem o que se espera da empresa, pois não apontam as condições laborais, a possibilidade de progressão de carreira para mulheres, entre outras coisas”.

Ações concretas

Para mudar este cenário e gerar o impacto positivo que o meio ambiente necessita, Font acredita que os governos deveriam adotar cinco medidas fundamentais. Confira a seguir.

– Reduzir os custos social e ambiental por turista e emitir uma certificação para empresas que adotem práticas comprovadamente sustentáveis.

– Incentivar o aumento do gasto de viajantes com produtos que beneficiem os locais visitados.

– Promover pequenos negócios que empreguem minorias e grupos sociais.

– Desenvolver a produção local baseada na sazonalidade.

– Reduzir a geração de carbono por transporte.

Da parte dos negócios de viagens e turismo, o pesquisador acredita que as melhores estratégias são orientativas, a fim de expressar o fato de que todos (clientes, empresas e governos) são responsáveis por diminuir os impactos negativos sobre a natureza. Todo o tipo de publicidade em prol meio ambiente é bem-vinda, como fixação de placas ao ar livre acerca do lixo e de cigarros no chão, informes em copos descartáveis explicando por que aquele material é reciclável, placas nos chuveiros que orientem o uso consciente da água e cartazes nos restaurantes esclarecendo que os produtores também estão preocupados com a origem dos alimentos, bem como com o tratamento humanizado aos animais.

“A forma de fazer a comunicação é muito importante. Se você simplesmente dissesse ao visitante para reutilizar as toalhas, pois isso salvará o planeta, não surpreenderia se ele não respondesse bem. Há formas mais criativas e persuasivas de comunicar”, analisa Font. Para tanto, vale adotar uma linha mais amigável, honesta e bem-humorada de concretizar o engajamento.

Carbono zero

Muitos países e empresas se comprometeram a zerar a emissão de gases de efeito estufa até 2030. Entretanto, para isso, é preciso investir em ações de descarbonização das atividades.

Para o setor de viagens, a consultoria de gestão McKinsey elaborou um estudo, no início deste ano, que aponta quatro pilares para este processo, permitindo zerar as emissões até 2050. São eles:

– identificar e ordenar as iniciativas de descarbonização;

– formar parcerias para descarbonizar as viagens de negócios;

– diminuir a distância entre “falar e fazer” quando nos referimos a viagens de lazer;

– criar novos produtos sustentáveis desde o início.

De acordo com Mariana Aldrigui, presidente do Conselho de Turismo da FecomercioSP, as empresas precisam, primeiro, saber o quanto suas atividades impactam o meio ambiente para começar a mitigar os danos: “O estudo da McKinsey mostra os caminhos para o trade iniciar as adaptações à realidade brasileira. Para tanto, é preciso fortalecer a pesquisa e os dados sobre o setor, que são escassos no Brasil. Conhecer os gargalos é o primeiro passo para começar a resolver os problemas e buscar soluções”.

Todas as atividades presentes no turismo podem avaliar o seu impacto ambiental. A McKinsey frisa que informar a quantidade de carbono que uma viagem gera pode influenciar os clientes a fazer escolhas mais sustentáveis.

“Dentre 62 associações de comércio de viagens de todo o mundo, apenas uma conta com um programa com valores orientativos de sustentabilidade definidos e claros às empresas associadas.” Xavier Font, pesquisador e professor na Universidade de Surrey, do Reino Unido

Emissões de CO2 para viajar – simulação de viagem de Cleveland para Boston (EUA)

4 horas gastas na pesquisa e na reserva de viagem via laptop: 1 kg de CO2

Mais ou menos US$ 50 dentro do táxi para ir ao aeroporto: 14 kg

Duas noites hospedado em um hotel full service: 65 kg

US$ 140 em passagens intermunicipais de trem: 94 kg

US$ 220 gastos com bebidas e restaurantes: 141 kg

US$ 300 gastos com milhas dirigindo um carro alugado até o destino: 191 kg

Voo curto aéreo de Cleveland para Boston: 355 kg

TOTAL: 861 KG

Dentre as soluções indicadas para diminuir as emissões de carbono, a consultoria mostra que outros modais de transporte podem dividir o trajeto com a viagem de avião (mais poluente), como veículos híbridos (que utilizam menos combustível fóssil) e elétricos.

De acordo com Mariana, algumas empresas brasileiras já começaram a investir nesses veículos, porém, ainda esbarram na falta de infraestrutura, principalmente nas cidades mais distantes das capitais. “É preciso que todos se envolvam neste compromisso de zerar a emissão de carbono”, conclui, lembrando que a FecomercioSP oferece um checklist com ações ESG de baixo custo que podem auxiliar as empresas na implementação deste plano. Para acessar o serviço, basta clicar aqui.

Filipe Lopes Maria Fernanda Gama
Filipe Lopes Maria Fernanda Gama