Formada por cerca de 500 lideranças, a rede colaborativa Uma Concertação pela Amazônia elaborou 14 propostas de ações concretas a serem lançadas por meio de decretos presidenciais, medidas provisórias e resoluções nos cem primeiros dias do governo Lula.
São cerca de 5 milhões de quilômetros quadrados, com 25 mil quilômetros de rios navegáveis e 67% das florestas tropicais do mundo, onde vivem 29 milhões de pessoas distribuídas em 775 municípios nos Estados de Amazonas, Acre, Pará, Rondônia, Roraima, Amapá, Mato Grosso, Maranhão, Goiás e Tocantins, área que representa 59% do território nacional. Se fosse proclamada a independência da Amazônia Legal, seria o sexto maior país do planeta em extensão territorial.
Entretanto, com toda esta riqueza e exuberância, capazes de atrair a atenção dos principais governantes do mundo, a Amazônia Legal tem passado por momentos críticos nos últimos quatro anos governados por Jair Bolsonaro. Segundo dados do Observatório do Clima, o desmatamento cresceu 59,5% na gestão atual, a maior alta porcentual em um mandato presidencial desde o início do monitoramento por satélite, em 1998. Só em novembro passado, o desmatamento foi de 554 quilômetros quadrados, a segunda pior marca para o mês, atrás apenas de novembro de 2019, quando alcançou 562 quilômetros quadrados.
Apesar dos alertas de ambientalistas e lideranças mundiais, pouco se tem avançado no desenvolvimento sustentável da Amazônia Legal e na qualidade de vida de seus habitantes, que sofrem com as precárias condições de saúde, saneamento, educação e habitação. Na tentativa de reverter este quadro, a rede colaborativa Uma Concertação pela Amazônia, formada por 500 lideranças da sociedade civil das mais diversas áreas, lançou o documento 100 Primeiros Dias de Governo: Propostas para uma Agenda integrada das Amazônias, que foi entregue em mãos ao presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, e às ex-ministras do Meio Ambiente, Marina Silva e Izabella Teixeira, que compõem a equipe de transição do novo governo.
Em vez de apontar os principais problemas e tratá-los de forma genérica, o documento apresenta 14 propostas a serem lançadas de forma normativa, por meio de decretos presidenciais, medidas provisórias, resoluções administrativas e projeto de lei, nos primeiros cem dias do novo governo eleito. Os temas contemplam as áreas de Economia; Cidades; Educação; Segurança Alimentar; Saúde; Infraestrutura; Mudanças Climáticas e Combate ao Desmatamento; Ordenamento Territorial e Regularização Fundiária; Mineração; Segurança Pública; e Ciência, Tecnologia e Inovação.
Segundo Vinicius Elias, analisa de Projetos do Instituto Arapyaú e um dos coordenadores do projeto da rede Uma Concertação pela Amazônia, o documento nasceu com base nas discussões da COP26, realizada em 2021 em Glasgow (Escócia), que reuniu 130 pessoas em 10 fóruns temáticos. “As propostas não são soluções finais, mas ideias estruturadas que indiquem os caminhos factíveis na busca de uma economia mais eficiente na conciliação da conservação com a produção. Sem a garantia do bem-estar e de direitos básicos dos 29 milhões de moradores, não há como conter o desmatamento e a mineração ilegal na região amazônica”, argumenta.
Nas eleições recentes, segundo estudo do observatório De Olho nos Ruralistas, 135 entre os 241 membros da Frente Parlamentar da Agropecuária na Câmara se reelegeram, além de nomes expressivos da equipe ministerial de Jair Bolsonaro, casos de Ricardo Salles (PL/SP) e Teresa Cristina (PP/MS), normalmente alinhados às causas contrárias aos ambientalistas. “Em todos os temas, levantamos a questão da viabilidade política, analisando os prováveis entraves no Congresso”, afirma Elias.
O prazo de cem dias para a implementação das propostas prioritárias obedece a um caráter de urgência, principalmente aquelas que estiverem ao alcance da caneta do futuro presidente, por meio de decreto presidencial ou medida provisória a ser enviada ao Congresso. “No campo da governança, Lula já anunciou que vai criar a Secretaria de Estado de Emergências Climáticas, diretamente vinculada à Presidência da República”, ressalta. Em relação ao ordenamento territorial e à regularização fundiária, Elias considera urgente a criação do Grupo de Trabalho (GT) Interministerial para elaboração da Política Nacional de Governança de Terras e do Plano Nacional de Ordenamento Territorial. “As questões estão ligadas à governança para que as partes interessadas estejam presentes”, acrescenta o coordenador.
Outra medida a ser tomada em caráter emergencial, no setor da mineração, é a revogação, por meio de decreto presidencial, do Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal em Pequena Escala – lançado no início do ano –, que, segundo Organizações Não Governamentais (ONGs) ambientalistas, abre as portas para a mineração ilegal na Amazônia. Segundo o estudo Ouro Acima da Lei: Áreas Protegidas da Amazônia em perigo, do Instituto Escolhas, existem 1.304 processos minerários para o metal nobre dentro das áreas protegidas da Amazônia. Para Larissa Rodrigues, gerente de Portfólio do Instituto Escolhas, o programa de mineração artesanal foca na atividade ilegal e, “na caneta”, a torna legal.
No campo das seguranças alimentar e nutricional, o documento defende a imediata restituição do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), extinto por Bolsonaro no primeiro ano de governo. Na saúde, a proposta vem por um decreto que crie o GT voltado à Saúde na Amazônia Legal, enquanto na economia, a prioridade é a aposta na bioeconomia, com o restabelecimento do Programa Bolsa Verde para os fins para os quais foi criado, priorizando famílias em situação de extrema pobreza localizadas em áreas florestais da Amazônia Legal.
Nem todas as ações dependem exclusivamente da ação do presidente da República. No caso da educação, caberia uma resolução administrativa por parte do Conselho Nacional da Amazônia Legal, formado pelos governadores dos Estados que compõem a região, no sentido de direcionar os recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) a projetos que atendam a comunidades tradicionais e pequenos produtores rurais, em especial para equipamentos de saúde e educação. “Ao enviarmos a sugestão diretamente ao conselho, evitamos o risco da interferência do Congresso”, detalha Elias.
Ao longo dos próximos meses, a rede Uma Concertação pela Amazônia pretende monitorar a implementação das propostas e continuar contribuindo no sentido de criar uma agenda integrada ao desenvolvimento da Amazônia Legal. Entretanto, há plena consciência das dificuldades que o País atravessa. “O esforço de eliminação do abismo que separa o Brasil da Amazônia, na agenda social, exigirá um volume de investimentos incompatível com a atual situação fiscal”, assume Vinícius Elias.