A aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em 2010, simbolizou o avanço de uma consciência de sustentabilidade nacional. Desde então, porém, antigos desafios persistem, como fim dos lixões, ampliação dos sistemas de saneamento, expansão da coleta seletiva, estabelecimento de condições econômicas para o crescimento da indústria recicladora e mais integração na cadeia da reciclagem. A PNRS, resultado de longo processo de debate, previa que, em 2014, apenas rejeitos fossem encaminhados aos aterros sanitários. Contudo, uma série de percalços forçou a extensão do prazo para 2024. De acordo com a nova lei, as prefeituras têm até 31 de dezembro deste ano para elaborar o seu plano de gestão dos resíduos sólidos e garantir o descarte correto dos rejeitos.
Na prática, a nova lei não faz grandes modificações nas diretrizes anteriormente previstas na PNRS, somente torna os prazos abrangentes para o cumprimento da meta de eliminar estas áreas dentro das nossas fronteiras. A quantidade de lixo destinado a aterros controlados e lixões no Brasil – que trazem efeitos negativos de longo prazo ao meio ambiente e à sociedade – cresceu 16% entre 2010 e 2019, passando de 25 milhões de toneladas por ano para pouco mais 29 milhões. Os dados são da Associação Brasileiras das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).
Uma vez que a geração de resíduos cresce à medida que as economias avançam, novas barreiras surgirão, e soluções inovadoras também. Na entrevista a seguir, Marcelo Montaño, coordenador do Núcleo de Estudos de Política Ambiental (Nepa), da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP) e vice-presidente administrativo da Associação Brasileira de Avaliação de Impacto (Abai), traz ao debate que “as principais mudanças [na PNRS] estão associadas aos estímulos para a promoção da circularidade da economia, com a adoção da visão de ciclo de vida a produtos e serviços geradores de resíduos perigosos”.
Ele comemora o fato de que alguns setores da indústria vêm estruturando ações e estratégias, em conjunto com órgãos governamentais, para a implantação da Logística Reversa (LR). Entretanto, com ressalvas: “Os dados apontam para um processo em expansão”, observa Montaño, “mas ainda em via de ser consolidado, principalmente em setores com maior dispersão territorial – pilhas e baterias, lâmpadas fluorescentes e medicamentos, por exemplo”. O especialista diz que, da mesma forma, verifica-se um certo volume de investimentos em pesquisa para o desenvolvimento tecnológico de produtos com menos impacto ambiental e periculosidade, “mas ainda longe de atingir um patamar significativo em relação à dimensão do País”.
Com a tecnologia de reaproveitamento ou mesmo processos não geradores de resíduos disponíveis, atesta Montaño, já é possível a implementação de uma cadeia 100% sustentável, de resíduo zero. Em contrapartida, segundo ele, ainda se verificam dificuldades de caráter econômico e, principalmente, de governança, para que isso ocorra. Acompanhe:
De modo geral, a PNRS inova ao estabelecer com clareza a distinção entre resíduos e rejeitos, sendo estes últimos aqueles que não apresentam mais nenhum potencial de recuperação/aproveitamento nas diferentes cadeias produtivas, ou de tratamento para diminuição do seu potencial de impacto ambiental. Além disso, as principais mudanças estão associadas aos estímulos para a promoção da circularidade da economia, com a adoção da visão de ciclo de vida para os produtos e serviços geradores de resíduos, além do estabelecimento da necessidade de um planejamento integrado da gestão dos resíduos sólidos – compartilhado entre os diferentes entes da federação, produtores/geradores e consumidor final – e da noção jurídica da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, que leva, por exemplo, uma séria de medidas atribuídas a fabricantes, importadores, distribuidores e comercializadores, assim como a consumidores e empresas (públicas ou privadas) prestadoras de serviços de gerenciamento desses resíduos, com o intuito de minimizar o volume de rejeitos encaminhados à destinação final, assim como os seus impactos ambientais e à saúde humana.
No caso específico dos despejos perigosos, dentre as modificações mais relevantes, destacaria a obrigatoriedade de elaboração de planos de gerenciamento de resíduos associados a planos e programas municipais e atendendo aos princípios da responsabilidade compartilhada e da minimização de impactos ambientais/periculosidade desses resíduos, o que inclui a realização de investimentos para a inserção no mercado de produtos que facilitem o reaproveitamento, o tratamento e a destinação ambientalmente adequada e que gerem menos impacto ao longo do seu ciclo de vida. Além disso, a estruturação de uma cadeia de recolhimento de produtos e rejeitos remanescentes após o uso/descarte.
Alguns setores da indústria vêm estruturando ações e estratégias, em conjunto com órgãos governamentais, para a implantação da LR em cumprimento às suas atribuições estabelecidas no contexto da PNRS [nesta página podem ser acessadas informações sobre as cadeias de LR já estruturadas, assim como dados sobre o volume de material recolhido ao longo dos anos]. Os dados apontam para um processo em expansão, mas ainda em via de ser consolidado, principalmente, em setores com mais dispersão territorial (pilhas e baterias, lâmpadas fluorescentes e medicamentos, por exemplo). Da mesma forma, verifica-se um certo volume de investimentos em pesquisa para o desenvolvimento tecnológico de produtos com menor impacto ambiental e periculosidade, porém, ainda longe de atingir um patamar significativo em relação à dimensão do País.
Em tese, sim. Lembrando da distinção entre resíduos e rejeitos, este é essencialmente o horizonte para o qual aponta a PNRS, ou seja, o estímulo à integração entre as diferentes cadeias produtivas de tal modo que sejam esgotadas as possibilidades de reaproveitamento ou tratamento dos resíduos, minimizando ao extremo o volume de rejeitos a ser encaminhado à destinação final ambientalmente adequada. Contudo, evidentemente, ainda se verificam dificuldades de caráter tecnológico, econômico e, principalmente, de governança para que isso ocorra. Temos alguns exemplos pontuais de integração em determinadas cadeias produtivas e setores, chamando a atenção para as iniciativas de implementação de ecoparques industriais concebidos dentro de uma matriz teórica que compartilha noções da Ecologia Industrial, Simbiose Industrial e Economia Circular.
Infelizmente, ao se considerar o País como um todo, verifica-se a prevalência de um modelo de desenvolvimentos econômico e social que intensifica a geração de passivos ambientais de toda sorte, associados a uma vasta gama de atividades, refletindo-se em taxas crescentes de degradação das qualidades da água, do ar e do solo, bem como efeitos nocivos sobre a diversidade biológica e a prestação de serviços ecossistêmicos essenciais para a economia, entre outros aspectos negativos. Paradoxalmente, e contrário à percepção usual de uma nação “gigante pela própria natureza”, o Brasil tem convivido ao longo dos anos com números inaceitáveis de desmatamento, queimadas, contaminação de água pela falta de saneamento básico nas cidades e incapacidade de controle das atividades industriais e agrícolas, colocando-o em rumo a se tornar um dos principais contribuintes para a degradação ambiental planetária. A despeito de iniciativas positivas (porém, pontuais) de enfrentamento dos passivos ambientais em diversos setores, ainda estamos bastante distantes de uma perspectiva que nos permita, por exemplo, verificar um ritmo superior de recuperação da qualidade ambiental quando confrontado com a velocidade de geração de impactos ambientais negativos e persistentes.
Eu entendo que o licenciamento ambiental, em conjunto com a avaliação de impacto ambiental, são os dois instrumentos de política ecossistêmica mais importantes à disposição da sociedade brasileira na construção de uma perspectiva de sustentabilidade. Infelizmente, tendo em vista o desmonte da estrutura de licenciamento e fiscalização que temos assistimos nos últimos anos e, principalmente, pelo teor das modificações que se pretende introduzir no arcabouço legal que disciplina a aplicação destes instrumentos, trata-se de uma percepção que está longe de ser compartilhada pela sociedade brasileira como um todo e, principalmente, pelos agentes políticos e econômicos. A aprovação do PL 3.279/2004 [Lei Geral do Licenciamento Ambiental] pela Câmara dos Deputados é um exemplo por demais eloquente da incapacidade dos atores envolvidos neste debate de buscar alternativas para a modernização dos sistemas de licenciamento e avaliação de impactos ambientais, permitindo mais eficácia na tramitação dos pedidos de licenciamento, ao mesmo tempo que, necessariamente, se assegurasse à sociedade a busca pela melhoria do desempenho ambiental dos projetos licenciados e o estabelecimento de um patamar adequado de proteção a ser alcançado ao longo de todo o ciclo de vida dos empreendimentos. Ao contrário, o que prevaleceu após um longo período de debates e discussões revela uma visão profundamente míope, aplaudida pelo setor produtivo, que transforma, em regra, as exceções de dispensa de licenciamento e avaliação de impactos e tenta reduzir, na canetada, prazos para a emissão das licenças e oportunidades para a participação da sociedade no processo decisório.
A gestão ambiental deve ser integrada às instâncias decisórias estratégicas das empresas, estimulando-as a irem além do lugar-comum da conformidade legal e afastando a possibilidade de greenwashing. Da mesma forma, deve-se evitar o entendimento de que as estratégias de um negócio baseadas nos aspectos ambientais, sociais e de governança sejam uma panaceia. Essas estratégias são, antes de tudo, uma possibilidade às empresas e aos investidores, que dependeriam cada vez mais de um contexto amparado por instrumentos legais consistentes e promotores de efetividade plena, e processos de tomada de decisão transparentes, participativos e sensíveis às questões ambientais relevantes, em suas diversas escalas.
A certificação de um SGA é, antes de tudo, uma opção tomada pela empresa, estimulada principalmente pelo ambiente de negócios. Os certificados obtidos constituem, dentro desta perspectiva, elementos de comunicação entre os atores envolvidos, que recebem uma mensagem de conformidade na implementação do SGA em relação a uma determinada norma. Nesse sentido, a comprovação da eficiência ambiental de seus processos não está necessariamente relacionada à certificação de um SGA, sendo facultado às empresas uma série de outras iniciativas que incluam medidas voluntárias adotadas internamente, contratação de auditorias externas, publicação de relatórios de desempenho ambiental, entre outras.