Devastadora cultura do excesso

12 de fevereiro de 2021

O consumismo está levando à deterioração dos recursos naturais – em velocidade maior do que a Terra se recompõe. A saída, para a humanidade ter futuro no planeta, é buscar o equilíbrio do consumo responsável, baseado na responsabilidade compartilhada entre cidadãos, empresas e governos.

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O estudante Thomas Toledo-Brown, 20 anos, filho de mãe brasileira e pai inglês, usa a bicicleta como principal meio de transporte, compra roupas usadas, encaminha o lixo para a reciclagem e reflete muito antes de tomar qualquer decisão de compra. Consumidor consciente, ele já adota hábitos integrados à economia do século 21, pautada pela responsabilidade compartilhada, na qual cada um precisa fazer a sua parte. “Eu não preciso de muitas coisas para ser feliz”, diz Thomas.

Como evidencia a sabedoria intuitiva do jovem, a busca pela felicidade e o bem-estar está na raiz do consumo. O professor Fábio Gallo, coordenador do curso Como Gastar Conscientemente, da Fundação Getulio Vargas (FGV), afirma que este questionamento perpassa todas as lições. “O consumo não pode ser confundido com felicidade. E isso acontece com frequência”, afirma. “Não queremos transformar todo cidadão em um pão-duro contumaz e quebrar a economia, mas é preciso pensar no futuro.”

Se o atual ritmo de consumo não diminuir, o risco é não haver futuro. Segundo dados da organização Global Footprint Network (GFN), atualmente seria necessário 1,6 planeta para suprir as necessidades consumistas da humanidade, ou seja, a deterioração acontece em velocidade maior do que a Terra se recompõe. “O desenvolvimento sustentável passou da fase do modismo para se revelar uma necessidade. Temos de nos preocupar agora com a atual e as futuras gerações”, enfatiza o professor Danilo de Oliveira Sampaio, pós-doutor em gestão e marketing pela Universidade do Porto (Portugal).

Sampaio estudou os dilemas que, em princípio, contrapõem os objetivos do capitalismo (vender cada vez mais, para que as economias cresçam) à necessidade de manter a sustentabilidade e distribuir renda. “Alguns gestores poderão indagar como as empresas vão produzir mais, garantindo mais empregos, se o consumo diminuir. Simples: basta focar no desenvolvimento de novos produtos sustentáveis, desde a concepção da ideia até a produção e a logística de distribuição”. Para ele, “podemos focar em estratégias para cuidar das populações mais pobres; com isso, chegaremos a um mundo mais justo e igualitário.”

“O desenvolvimento sustentável passou da fase do modismo para se revelar uma necessidade. Temos de nos preocupar agora com a atual e as futuras gerações.” Danilo de Oliveira Sampaio, professor e pós-doutor em gestão e marketing pela Universidade do Porto

Responsabilidade compartilhada

O Instituto Akatu, ONG sem fins lucrativos voltada ao consumo consciente, desenvolveu a pesquisa Vida Saudável e Sustentável 2020, em conjunto com a consultoria GlobeScan. Uma das conclusões foi que 70% dos consumidores brasileiros consideram responsabilidade das empresas garantir que os produtos sejam seguros e saudáveis, além de não agredirem o meio ambiente.

Cristiane Cortez, assessora técnica do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP indica que é preciso ir além. “Sim, temos de cobrar ações das empresas e dos governos, mas ainda falta um sentimento de responsabilidade individual. Muita gente reclama que ‘não há incentivo’ para reciclar o lixo, por exemplo. Se o caminhão da coleta seletiva não passa no seu endereço, separe os materiais e leve até um ponto de entrega voluntária quando for trabalhar ou caminhar. Eles estão por toda a parte”, diz. Apenas na cidade de São Paulo, há 1,5 mil PEVs [pontos de entrega voluntária] e 115 ecopontos.

O relatório The Global E-waste Monitor 2020, divulgado pela Universidade da Organização das Nações Unidas (ONU) em julho de 2020, estima que 53 milhões de toneladas de aparelhos eletroeletrônicos foram jogadas no lixo em 2019, mas apenas em torno de 10 milhões de toneladas foram recicladas. O Brasil figura em primeiro lugar na América Latina e em quinto no mundo entre os maiores produtores de resíduos eletrônicos (e-waste), atrás apenas da China, dos Estados Unidos, da Índia e do Japão. Ao todo, foram geradas no País 2,1 milhões de toneladas de e-waste, das quais menos de 3% foram recicladas.

De acordo com Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), cuja missão é promover o desenvolvimento sustentável por meio da articulação com os governos e a sociedade civil, ajudando as empresas a se tornarem sustentáveis, um dos empecilhos ao maior engajamento na economia circular no Brasil seria o fato de que o consumidor ainda privilegia “o preço e a conveniência”, em detrimento das qualidades sustentáveis. “É fundamental que os consumidores passem por uma mudança de hábitos”.

Criar um raciocínio oposto ao que as pessoas estão habituadas não será fácil. E, enquanto o marketing se desdobra para encontrar o “Santo Graal” das vendas, falar em responsabilidade compartilhada, logística reversa e reciclagem pode não despertar interesse. No entanto, desanimar não é uma opção para quem atua na área. Fernanda Iwasaka, do Akatu, aposta em boas perspectivas. “Na pandemia, muitos aprenderam a evitar itens não essenciais. Espera-se que esta e outras mudanças se mantenham quando passar a crise sanitária, como as compras online e a solidariedade entre as pessoas”, reflete. “Acreditamos que o consumo tenderá a ficar mais consciente”.

A matéria de capa completa da PB #462 está disponível nas bancas digitais Bancah, Go Read e Revistarias.

LÚCIA HELENA DE CAMARGO Paula Seco
LÚCIA HELENA DE CAMARGO Paula Seco