Em reunião da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ocorrida em junho, em Paris, na França, ratificou-se um pleito que o Brasil esperava há muito tempo: na ocasião, o grupo formalizou que o País poderá iniciar a longa jornada para engrossar a sua lista, atualmente, com 38 membros. Dentre as várias exigências para a admissão definitiva está, sobretudo, o sucesso em metas sustentáveis definidas na Agenda 2030 da ONU – e que, no caso brasileiro, têm sido reforçadas pela OCDE.
O grupo já havia feito, há dois anos, uma série de advertências do tipo em um relatório econômico, afirmando que o Brasil deveria definir suas prioridades ambientais, comprometer-se a não diminuir suas áreas de proteção ambiental e fazer um uso mais sustentável dos ativos naturais. Por outro lado, o documento destacava as reduções de emissões de gases de efeito estufa que o País havia logrado nas duas décadas anteriores (queda de 14,7%, entre 1990 e 2010). Em outra análise, a OCDE defendeu que o desenvolvimento brasileiro depende do aumento da produtividade, da melhora no nível educacional e da mudança para um crescimento “verde e sustentável”.
Cheios de indicações do gênero, os relatórios da entidade também ajudam a entender por que, agora, a OCDE resolveu dar aval para tornar o Brasil um dos seus membros. A situação na Amazônia se deteriorou significativamente nos últimos dois anos – em 2021, a floresta teve uma área do tamanho do estado do Sergipe desmatadae, neste ano, ações criminosas na região chamaram a atenção do mundo quando resultaram nos assassinatos do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira. Além disso, o País está na dianteira do principal causador do efeito estufa: as emissões do setor energético.
Ao mesmo tempo, enquanto a meta da Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês) é de que fontes renováveis correspondam a 30% da matriz energética global até 2030 – a média é de 14% –, o Brasil tem, hoje, quase metade (48%) da própria matriz abastecida por recursos desta natureza. No caso do setor elétrico, a estrutura nacional é ainda melhor: enquanto 30% da geração de eletricidade mundial é feita por meio de fontes renováveis, aqui esta taxa chega a 85%.
Tudo isso considerando ainda que o País é o segundo maior produtor de biocombustíveis do mundo – atrás apenas dos Estados Unidos –, e faz uso destes derivados para abastecer um quarto da sua frota de transportes. “O Brasil já se encontra muito mais próximo do perfil energético almejado para a matriz global na próxima década”, sustentam Fernanda Delgado e Raquel Filgueiras, do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), em artigo publicado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), no qual estes dados podem ser encontrados. “E, para os próximos anos, a tendência é que a participação de fontes renováveis na matriz energética brasileira permaneça elevada”, destacam.
“As fontes são limpas porque nossa geração de eletricidade acontece, sobretudo, em usinas hidroelétricas. Em 2020, 60% de tudo o que produzimos vieram delas”, explica José Goldemberg, presidente do Conselho de Sustentabilidade e do Comitê Energia da Federação do Comércio e Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). “O uso abundante de biomassa – por exemplo, o etanol feito da cana de açúcar ou a produção de energia elétrica, com o bagaço – também contribui para manter nossa matriz nestes parâmetros”, afirma.
Estes números se sobressaem ainda mais quando vistos sob o prisma do alarme global acerca do tema. Em março, a Agência Internacional de Energia Renovável (Irena, na sigla em inglês) publicou um extenso relatório argumentando que o aumento nos preços do petróleo e do gás – além das incertezas geopolíticas da guerra na Ucrânia – exige uma aceleração imediata na transição energética mundial. “Dados o ritmo e o alcance inadequados deste processo, nenhuma atitude que não seja radical e imediata vai diminuir (e, possivelmente, eliminar) a chance de a temperatura do planeta subir 1,5 grau ou, mesmo, 2 graus”, afirma a instituição.
Apesar disso, somente 6% dos fundos sustentáveis do orçamento dos países do G20 foram utilizados para fazer a transformação em direção à energia limpa, entre 2020 e 2021. Esta periodicidade, para Irena, deveria ser outra: investimentos da ordem de US$ 5,7 trilhões por ano, até 2030, apenas em transição energética, para que seja possível cumprir com a meta dos países em manter o aquecimento global em 1,5 grau. Tudo isso com o imperativo de realocar ainda outros US$ 700 bilhões, que, atualmente, se destinam a ativos fósseis, como petróleo e carvão, para irrigar tecnologias de fontes renováveis do setor.
A realidade global é, de fato, “muito fóssil”: no ano passado, 31% do consumo de energia tiveram o petróleo como fonte, de acordo com dados da gigante europeia British Petroleum (BP). Em seguida, vieram o carvão (27%) e o gás (24%). Isso explica, por exemplo, o lucro de mais de US$ 100 bilhões que a BP e outras petrolíferas mundiais registraram nos primeiros quatro meses de 2022 – valor que foi chamado de “imoral” pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, em uma reunião no começo de agosto.
Em votação histórica, o senado dos Estados Unidos aprovou, no mesmo período, um pacote que prevê investimentos de cerca de US$ 370 bilhões (R$ 1,9 trilhão) em iniciativas que contribuam para a transição energética, como a indústria de carros elétricos, além de mudar a legislação para estender a cobrança de tributos a outros setores produtivos. O país estadunidense, vale lembrar, é o maior poluente do planeta desde o fim da Revolução Industrial inglesa, no século 19.
Se o etanol, resultado da extração energética de biomassas como a cana (no Brasil) e o milho (nos Estados Unidos), é sempre lembrado como a principal alternativa de geração de energia limpa brasileira – em um mundo onde apenas 0,6% da demanda foi suprida por biocombustíveis em 2021, segundo a BP –, está longe de ser a única. Na verdade, a capacidade de manter a matriz diversificada e renovável pelos próximos anos tem muito a ver com outras fontes ainda não totalmente exploradas, e das quais o Brasil tem muitas possibilidades.
“Na cidade de São Paulo, já há geração de energia com base em resíduos sólidos urbanos dispostos em aterros sanitários, enquanto o Estado tem produzido com bagaço de cana – demonstração de como ativos agrícolas podem ser matérias-primas para este fim”, explica Rubens Maciel Filho, professor da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor do Center for Innovation on New Energies (CINE).