Energia limpa: o futuro é agora

03 de novembro de 2022

Em reunião da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ocorrida em junho, em Paris, na França, ratificou-se um pleito que o Brasil esperava há muito tempo: na ocasião, o grupo formalizou que o País poderá iniciar a longa jornada para engrossar a sua lista, atualmente, com 38 membros. Dentre as várias exigências para a admissão definitiva está, sobretudo, o sucesso em metas sustentáveis definidas na Agenda 2030 da ONU – e que, no caso brasileiro, têm sido reforçadas pela OCDE.  

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O grupo já havia feito, há dois anos, uma série de advertências do tipo em um relatório econômico, afirmando que o Brasil deveria definir suas prioridades ambientais, comprometer-se a não diminuir suas áreas de proteção ambiental e fazer um uso mais sustentável dos ativos naturais. Por outro lado, o documento destacava as reduções de emissões de gases de efeito estufa que o País havia logrado nas duas décadas anteriores (queda de 14,7%, entre 1990 e 2010). Em outra análise, a OCDE defendeu que o desenvolvimento brasileiro depende do aumento da produtividade, da melhora no nível educacional e da mudança para um crescimento “verde e sustentável”.

MATRIZ ENERGÉTICA ECOLÓGICA

Cheios de indicações do gênero, os relatórios da entidade também ajudam a entender por que, agora, a OCDE resolveu dar aval para tornar o Brasil um dos seus membros. A situação na Amazônia se deteriorou significativamente nos últimos dois anos – em 2021, a floresta teve uma área do tamanho do estado do Sergipe desmatadae, neste ano, ações criminosas na região chamaram a atenção do mundo quando resultaram nos assassinatos do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira. Além disso, o País está na dianteira do principal causador do efeito estufa: as emissões do setor energético.

Ao mesmo tempo, enquanto a meta da Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês) é de que fontes renováveis correspondam a 30% da matriz energética global até 2030 – a média é de 14% –, o Brasil tem, hoje, quase metade (48%) da própria matriz abastecida por recursos desta natureza. No caso do setor elétrico, a estrutura nacional é ainda melhor: enquanto 30% da geração de eletricidade mundial é feita por meio de fontes renováveis, aqui esta taxa chega a 85%.

Tudo isso considerando ainda que o País é o segundo maior produtor de biocombustíveis do mundo – atrás apenas dos Estados Unidos –, e faz uso destes derivados para abastecer um quarto da sua frota de transportes. “O Brasil já se encontra muito mais próximo do perfil energético almejado para a matriz global na próxima década”, sustentam Fernanda Delgado e Raquel Filgueiras, do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), em artigo publicado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), no qual estes dados podem ser encontrados. “E, para os próximos anos, a tendência é que a participação de fontes renováveis na matriz energética brasileira permaneça elevada”, destacam.

“As fontes são limpas porque nossa geração de eletricidade acontece, sobretudo, em usinas hidroelétricas. Em 2020, 60% de tudo o que produzimos vieram delas”, explica José Goldemberg, presidente do Conselho de Sustentabilidade e do Comitê Energia da Federação do Comércio e Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). “O uso abundante de biomassa – por exemplo, o etanol feito da cana de açúcar ou a produção de energia elétrica, com o bagaço – também contribui para manter nossa matriz nestes parâmetros”, afirma.

Estes números se sobressaem ainda mais quando vistos sob o prisma do alarme global acerca do tema. Em março, a Agência Internacional de Energia Renovável (Irena, na sigla em inglês) publicou um extenso relatório argumentando que o aumento nos preços do petróleo e do gás – além das incertezas geopolíticas da guerra na Ucrânia – exige uma aceleração imediata na transição energética mundial. “Dados o ritmo e o alcance inadequados deste processo, nenhuma atitude que não seja radical e imediata vai diminuir (e, possivelmente, eliminar) a chance de a temperatura do planeta subir 1,5 grau ou, mesmo, 2 graus”, afirma a instituição.

Apesar disso, somente 6% dos fundos sustentáveis do orçamento dos países do G20 foram utilizados para fazer a transformação em direção à energia limpa, entre 2020 e 2021. Esta periodicidade, para Irena, deveria ser outra: investimentos da ordem de US$ 5,7 trilhões por ano, até 2030, apenas em transição energética, para que seja possível cumprir com a meta dos países em manter o aquecimento global em 1,5 grau. Tudo isso com o imperativo de realocar ainda outros US$ 700 bilhões, que, atualmente, se destinam a ativos fósseis, como petróleo e carvão, para irrigar tecnologias de fontes renováveis do setor.

A realidade global é, de fato, “muito fóssil”: no ano passado, 31% do consumo de energia tiveram o petróleo como fonte, de acordo com dados da gigante europeia British Petroleum (BP). Em seguida, vieram o carvão (27%) e o gás (24%). Isso explica, por exemplo, o lucro de mais de US$ 100 bilhões que a BP e outras petrolíferas mundiais registraram nos primeiros quatro meses de 2022 – valor que foi chamado de “imoral” pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, em uma reunião no começo de agosto.

“As fontes são limpas porque nossa geração de eletricidade acontece, sobretudo, em usinas hidroelétricas. Em 2020, 60% de tudo o que produzimos vieram delas.” José Goldemberg, presidente do Conselho de Sustentabilidade e do Comitê Energia da FecomercioSP

Em votação histórica, o senado dos Estados Unidos aprovou, no mesmo período, um pacote que prevê investimentos de cerca de US$ 370 bilhões (R$ 1,9 trilhão) em iniciativas que contribuam para a transição energética, como a indústria de carros elétricos, além de mudar a legislação para estender a cobrança de tributos a outros setores produtivos. O país estadunidense, vale lembrar, é o maior poluente do planeta desde o fim da Revolução Industrial inglesa, no século 19.

DIVERSIFICAÇÃO DE FONTES

Se o etanol, resultado da extração energética de biomassas como a cana (no Brasil) e o milho (nos Estados Unidos), é sempre lembrado como a principal alternativa de geração de energia limpa brasileira – em um mundo onde apenas 0,6% da demanda foi suprida por biocombustíveis em 2021, segundo a BP –, está longe de ser a única. Na verdade, a capacidade de manter a matriz diversificada e renovável pelos próximos anos tem muito a ver com outras fontes ainda não totalmente exploradas, e das quais o Brasil tem muitas possibilidades.

“Na cidade de São Paulo, já há geração de energia com base em resíduos sólidos urbanos dispostos em aterros sanitários, enquanto o Estado tem produzido com bagaço de cana – demonstração de como ativos agrícolas podem ser matérias-primas para este fim”, explica Rubens Maciel Filho, professor da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor do Center for Innovation on New Energies (CINE).

A ÍNTEGRA DESTE CONTEÚDO FAZ PARTE DA EDIÇÃO #472 IMPRESSA DA REVISTA PB. PARA CONTINUAR LENDO, ACESSE A VERSÃO DIGITAL, DISPONÍVEL NAS PLATAFORMAS BANCAH E REVISTARIAS.

Vinícius Mendes Maria Fernanda Gama
Vinícius Mendes Maria Fernanda Gama