Mesmo difundida pelas grandes empresas, a cultura dos preceitos de ESG ainda está em segundo plano na realidade dos pequenos negócios, que têm dificuldades até mesmo de identificar seus próprios impactos ambientais e carecem de apoio para implantar práticas sociais e de governança.
Os pilares da governança, sustentabilidade e responsabilidade social vêm ganhando cada vez mais força na agenda empresarial. O movimento ESG (do inglês, Environmental, Social and Governance – ambiental, social e governança) teve seu espaço ampliado diante da crescente preocupação social com os impactos das ações humanas e o equilíbrio entre o lucro e a sobrevivência do planeta.
No entanto, algumas barreiras ainda dificultam a inserção dos pequenos negócios nesta visão contemporânea de gestão. O primeiro passo é entender como as pequenas empresas enxergam a tendência e se colocam no cenário empresarial. Pensando nisso, o Conselho de Sustentabilidade da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), por meio de seu Comitê ESG, realizou uma pesquisa inédita com cem empresas sediadas na cidade de São Paulo – sendo 90 delas com menos de dez funcionários e outras dez companhias de maior porte, com mais de 50 empregados.
A seguir, Fábio Pina, assessor econômico da FecomercioSP, e Luiz Maia, presidente do Comitê ESG, analisam a jornada das pequenas empresas na agenda ESG com base nos dados da pesquisa.
A grande maioria das empresas, de ambos os portes, não tem a percepção de que causa impactos ambientais. Pela pesquisa, 97% delas declararam não produzir impacto em relação às mudanças climáticas/aquecimento global, por exemplo. Segundo Pina, os resultados indicam o desconhecimento do termo “impacto ambiental”, que comumente é associado à poluição do ar ou ao desmatamento, quando, na realidade, todos os cidadãos têm participação no desequilíbrio ambiental, em maior ou menor proporção. “Muitas empresas não sabem que provocam impacto ambiental, porque essa discussão foi disseminada apenas nas grandes companhias vinculadas ao setor industrial. O desafio é levar esse conhecimento para os pequenos negócios, adaptando as ações para as suas realidades”, aponta Pina.
O baixo acompanhamento dos impactos ambientais no dia a dia dos pequenos chama a atenção. Sete em cada dez grandes empresas monitoram o consumo de água. Nas pequenas, essa prática ocorre em apenas duas em cada dez. As diferenças também são percebidas no manejo dos resíduos sólidos, cuja diferença é de 50% para 16%, respectivamente.
“O entendimento dos impactos ambientais necessita certo conhecimento técnico, que empresas de pequeno porte não costumam ter”, diz Maia. Na visão do presidente do Comitê, é preciso esclarecer que essas medidas, quando adotadas, podem proporcionar a diminuição de custos operacionais com água e energia, por exemplo.
Embora a maioria das empresas com até dez funcionários (57%) tenha afirmado não ter o hábito de praticar ações relativas ao bem-estar social dos colaboradores, Pina afirma que essa constatação não significa que os empresários não tenham noção de sua importância social. “Muitos pequenos empreendedores vivem nas periferias, onde o senso de solidariedade já está presente no dia a dia, em que um ajuda o outro. O comércio já tem esse entendimento no seu DNA, principalmente os pequenos estabelecimentos de bairros periféricos. Esse aspecto já está inserido na cultura dos pequenos.”
A maioria das empresas (46%) considera o aspecto social como o mais relevante, ao passo que os aspectos ambiental e de governança são apontados por apenas 27% das empresas. Pina afirma que, no comércio, é mais fácil perceber as necessidades sociais das pessoas do que os impactos ambientais e a relevância das ferramentas de gestão. “É difícil mensurar os impactos ambientais nas pequenas empresas, pois são complexos de visualizar. Mas se o empresário pensar pelo aspecto da diminuição dos gastos, conseguirá entender onde pode atuar para melhorar sua eficiência.”
Somente 17% das pequenas empresas estabelecem responsabilidades entre os sócios. O dado reflete um desconhecimento da classe em incluir esse dispositivo nos contratos sociais, mas também é algo cultural, cuja simples citação contratual pode gerar desconfiança em uma das partes. É preciso mudar, segundo Pina, essa percepção e embutir o tema no processo de profissionalização das pequenas empresas.
Apesar de o Código Civil garantir a responsabilidade de cada sócio, mesmo que não esteja explícita em contrato, é importante deixar claros os direitos e os deveres dos envolvidos, até mesmo para se respaldarem em um possível impasse judicial futuro. Acordos que dispensam ações jurídicas, como a mediação, a conciliação e a arbitragem, são facilitados quando as responsabilidades societárias estão bem definidas.
Outra fragilidade na governança das pequenas empresas apontada pela pesquisa é a falta de planejamento e controle do negócio: apenas 22% delas adotam essa prática, e só 13% utilizam indicadores para apuração de resultados. “É preciso mostrar aos empresários que é possível adotar tais práticas sem despender grandes investimentos e conquistar bons resultados, tanto no aumento das vendas como na diminuição das despesas”, analisa o assessor econômico.
A liderança feminina é uma realidade em ascensão, tanto nas grandes como nas pequenas empresas. As mulheres estão à frente dos negócios em 45% dos pequenos. Maia observa que a liderança feminina é importante para as empresas, porém, nas pequenas, o aspecto da diversidade, como um todo, é difícil de ser alcançado em suas variadas formas (idosos, LGBTQIA+, grupos raciais ou étnicos, dentre outras), pelo pequeno número de colaboradores.
“Um ponto positivo da pesquisa está relacionado à importância do tratamento respeitoso dos colaboradores e de condutas que impedem e reparam situações de assédio ou violações”, acrescenta Maia. As ações que proporcionam um ambiente digno de trabalho estão presentes em todas as grandes empresas entrevistadas e em 58% dos pequenos negócios.
A pesquisa mostra que oito em cada dez empresas querem ajuda para implantar esta agenda no cotidiano; e enxergam as entidades representativas como canais de conhecimento e orientação. A maior adesão das pequenas empresas aos preceitos de ESG, na visão de Fábio Pina, passa pela desmistificação da necessidade de investimento pesado para se obter resultados. “É possível inserir muitas práticas sustentáveis, com viés social e que melhorem a gestão empresarial, sem despender grandes investimentos. O equilíbrio é o melhor termômetro para estabelecer essa cultura, pois leva em consideração a realidade da empresa e indica quais ações podem ser tomadas. Primeiro, para diminuir os gastos e, futuramente, para tornar o negócio mais produtivo e competitivo.”