Mergulhado em mais uma crise hídrica, o Brasil pouco utiliza água de reúso. Aproximadamente 76,7% da água potável no País são destinados à agricultura e à indústria, estas que poderiam investir em estruturas para tornar os processos sustentáveis e mais econômicos. Principal entrave é a falta de regulamentação do segmento.
Novamente o uso – e reúso – da água voltam ao centro das discussões diante da eclosão da pior crise hídrica brasileira dos últimos 92 anos, segundo projeta o Ministério de Minas e Energia. Contudo, apesar dos contínuos alertas e ameaças de racionamento ao longo das últimas décadas, a opção pelo reaproveitamento atinge apenas 1% da oferta brasileira, segundo o estudo O Impacto Econômico dos Investimentos de Reúso de Efluentes Tratados para o Setor Industrial, realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em 2018.
Entre os motivos da baixa oferta está a falta de políticas públicas voltadas ao estímulo da reutilização de água, além da pouca divulgação da prática à população geral. “Muita gente ainda estranha a possibilidade de tratar o esgoto para o reúso, mesmo sendo uma prática comum há mais de seis décadas até mesmo em missões espaciais”, conta Pedro Luis Côrtes, professor do programa de pós-graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da Universidade de São Paulo (USP).
Em contrapartida ao baixo consumo de água de reúso, existem muitos projetos bem-sucedidos que mostram ser possível viabilizar estruturas sustentáveis e rentáveis para o uso consciente da água. Desde 2002, a petroquímica Braskem desde 2002 investe mais de R$ 280 milhões em projetos para melhoria da eficiência hídrica das suas unidades, como o Aquapolo – complexo de tratamento de águas oriundas do esgoto e efluentes industriais, que abastece quase 100% de todo o polo petroquímico da região do ABC paulista.
O projeto é capaz de produzir cerca de mil litros de água por segundo, dos quais 65% são destinados ao abastecimento do polo petroquímico, para resfriamento de caldeiras, uso de banheiros coletivos e outros processos, enquanto o restante é compartilhado com cidades do entorno.
O uso sustentável da água faz parte do planejamento estratégico da empresa no Brasil para evitar desabastecimento dos polos produtivos, pois este recurso representa o maior risco no negócio. “Em situações extremas de desabastecimento da população, a indústria será a primeira a parar, pois o foco será sempre o consumo das pessoas. Neste sentido, o Aquapolo é mais do que suficiente para garantir as operações”, pondera Marina Rossi, gerente de Desenvolvimento Sustentável da Braskem.
Além de economizar água potável, o método também permitiu à empresa melhorar a qualidade dos processos industriais, diminuindo impurezas, e reduzir gastos na manutenção de máquinas e equipamentos, afirma Marina.
Além do polo petroquímico do ABC, a empresa também investe em outros projetos, como o Água Viva na planta de Camaçari, na Bahia, que gera economia de 300 milhões de litros de água por mês.
Motivados pelas seguidas crises hídricas, já há condomínios, edifícios comerciais e prédios públicos incluindo sistemas de tratamento de efluentes em seus projetos. É o que conta Gabriela Marques dos Ramos, diretora comercial da Flush Engenharia – empresa especializada em projetos e instalações de sistemas de reúso.
A economia dos empreendimentos que já nascem com estrutura de reutilização do recurso pode chegar a até 60%. Contudo, qualquer empresa ou condomínio, independentemente do porte e da idade da edificação, pode instalar um sistema de tratamento.
A diretora comercial aponta que toda água pode ser tratada e reutilizada, seja por meio da captação da chuva, seja por efluentes industriais e domésticos (água cinza), além do esgoto (água negra). “Os custos do tratamento e da instalação do sistema de tratamento dependem da necessidade do cliente. A água da chuva é o recurso mais barato para reutilizar, pois tem poucas impurezas, assim como a água cinza”, pondera Gabriela.
De acordo com o professor da USP, a água de reúso é uma resposta efetiva à crise hídrica – que será permanente no Brasil e no mundo. Por isso, o método precisa ser mais bem discutido na esfera política para promover a prática de maneira sustentável ambiental e economicamente. “Deve-se ter muito cuidado com a exploração indiscriminada da água proveniente de poços artesianos, pois a velocidade de recuperação dos lençóis freáticos é mais lenta. Além disso, na ausência de legislação e fiscalização, cada empresa oferece aquilo que julga ser mais viável para si e para os clientes. É fundamental que este tema seja discutido para que isso oriente as práticas, que serão cada vez mais comuns no longo prazo”, aponta Côrtes.
Em São Paulo, a Secretaria de Estado da Saúde (SES) e a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (Sima) publicaram a Resolução Conjunta 1/2020, que permite o reúso direto não potável da água, para fins urbanos, proveniente de Estações de Tratamento de Esgoto Sanitário (ETEs). Contudo, no âmbito federal, ainda não existe uma legislação específica que dite os parâmetros e o controle de qualidade para impulsionar o setor.
A Sima afirmou à PB que o Estado de São Paulo tem participado de comitês ligados à gestão hídrica compostos por diversos representantes estaduais e federais, com o objetivo de buscar melhores soluções para a crise hídrica atual. Outras preocupações causadas pela escassez de chuvas são a elevação do custo da energia elétrica e a adoção de um possível racionamento. Segundo a pasta, em julho, o secretário Marcos Rodrigues Penido foi informado pelos responsáveis pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) que o sistema está preparado para suprir a demanda até o início do período de chuvas.