Em apenas dois meses, o ChatGPT atingiu 100 milhões de usuários ativos e se tornou o aplicativo de crescimento mais rápido da história. A plataforma é capaz de aprender assuntos diversos, ao acessar bancos de dados compartilhados para responder a qualquer pergunta ou formular textos complexos.
Nos últimos anos, a inteligência artificial (IA) tem se tornado cada vez mais presente em nossas vidas, transformando a forma como nos comunicamos, nos informamos e realizamos atividades diárias.
A novidade mais recente desta reviravolta tecnológica é o ChatGPT, um modelo de linguagem natural criado pela empresa norte-americana OpenAI. A ferramenta chama a atenção por sua capacidade de geração de texto conforme a demanda do usuário.
A nova tecnologia difere das aplicações usuais de IA, que apenas replicam conteúdos ou comandos preestabelecidos para determinadas situações, como os chats automatizados, no estilo “posso ajudar?”. O ChatGPT é generativo, ou seja, capaz de criar algo novo, criativo e coeso.
Diante da aptidão de produzir respostas coerentes a partir do acesso ao vasto banco de dados de sites de notícias, artigos acadêmicos e outros conteúdos publicados na internet até 2021, o algoritmo é utilizado por diversas empresas como forma de otimizar processos e reduzir custos. Mais do que isso, seus impactos no mercado de trabalho têm sido motivo de reflexão pelo setor produtivo.
Se, por um lado, a automação de tarefas repetitivas e a melhoria na eficiência de processos pode trazer benefícios a empresas de todos os portes, por outro, o surgimento dessas novas tecnologias gera incertezas e desafios para profissionais de diversas áreas.
Um estudo realizado pela Ansible Health, operadora de serviços de home care, sediada na Califórnia, nos Estados Unidos, submeteu o ChatGPT a três testes vestibulares aplicados no curso de Medicina de universidades do país. Se o sistema fosse um ser humano, estaria não apenas apto para ingressar no curso, como poderia exercer a profissão regularmente, pois a IA foi capaz de passar por todos os testes com 75% de acertos.
Este resultado traz um misto de esperança e preocupação com o futuro, pois, ao passo que a tecnologia pode potencializar setores estratégicos da economia, como saúde e educação, também pode diminuir a presença humana em determinadas áreas. Para José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações de Trabalho (CERT), da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), os impactos da IA generativa sobre os empregos no Brasil ainda são incertos, mas já é possível afirmar que algumas profissões irão crescer, enquanto outras desaparecerão. “As áreas que congregam pessoas mais escolarizadas sofrerão maior impacto da IA, como Educação, Saúde, Direito, Logística, Jornalismo e Escrita Profissional. São estas linhas de trabalho em que a tecnologia está entrando com mais velocidade e mais profundidade”, aponta Pastore.
A capacidade humana de se adaptar será fundamental para definir os limites em que o domínio da IA pode chegar. “Quando a tecnologia chega ao estoque de uma grande rede de supermercados, o gerente de almoxarifado tem duas opções: perder a função, pois não existe forma de competir com a rapidez e a performance da máquina em consultar dados, ou buscar uma qualificação maior e migrar para outra função no próprio ramo da informática, como programador ou analista de dados”, afirma Pastore.
Este cenário, segundo ele, pode ser favorável para o trabalhador, uma vez que, ao adquirir mais qualificação para exercer uma função de maior responsabilidade intelectual, receberá maior remuneração e prestígio profissional.
Entretanto, a lacuna estrutural na área da Educação no Brasil dificulta o reposicionamento dos trabalhadores e empresários impactados pelas novas tecnologias. Na visão de Pastore, a qualidade de ensino que uma pessoa recebe vai ditar se ela terá mais ou menos espaço no mercado de trabalho. “A IA não vai tirar emprego de pessoas que têm capacidade de persuasão, empatia e raciocínio crítico, mas isso exige bons domínios da linguagem e da lógica e conhecimento razoável de matemática e aritmética, requisitos cada vez mais raros nos jovens que se formam no ensino básico brasileiro”, pondera.
A saída para isso seria uma força-tarefa entre Poder Público, empresas e sociedade civil para inserir estas habilidades nos ensinos fundamental e médio, a fim de garantir ao trabalhador do futuro a capacidade adaptativa para se destacar no mercado, sem concorrer com a tecnologia.
O avanço da IA generativa também abre uma série de possibilidades para as empresas produzirem mais, com menos gastos e mais assertividade. De acordo com Kelly Carvalho, assessora técnica do Conselho de Economia digital e Inovação (CEDI) da FecomercioSP, há chances de empresas de todos os portes podem se beneficiarem do ChatGPT, principalmente as pequenas, pois podem adotar a tecnologia para multiplicar a atuação nas plataformas digitais, como:
• atendimento ao cliente: o ChatGPT pode ser usado para atendimento ao consumidor, pois é capaz de responder perguntas comuns de forma rápida e eficiente, melhorando a experiência de consumo e gerando uma boa reputação para o negócio;
• automação das atividades: determinadas tarefas repetitivas poderão ser automatizadas, como responder a e-mails e agendar compromissos – e isso ajuda a economizar tempo e recursos. A automação permite que os funcionários se concentrem em tarefas mais importantes, como a criação de estratégias de negócios e o desenvolvimento de produtos. Além disso, proporciona a redução de erros humanos em tarefas repetitivas;
• vendas e marketing: o algoritmo fornece recomendações personalizadas de produtos e serviços com base nas preferências dos clientes, fato este que aumenta as chances de vendas e serve como uma excelente estratégia de marketing assertivo;
• pesquisa de mercado: o ChatGPT pode ser usado para coletar dados e feedback de clientes em potencial. Esta carcaterística é muito útil às pequenas empresas na hora de entender melhor as necessidades do público-alvo e de desenvolver produtos e serviços mais alinhados às expectativas de mercado;
• treinamento de funcionários: é possível também utilizar a tecnologia para treinar colaboradores em atividades específicas, ao permitir que adquiram conhecimentos e habilidades importantes de forma rápida e eficiente.
Segundo Kelly, muitas empresas brasileiras já estão estudando o mercado e gradativamente aderindo à IA generativa no seu dia a dia. “Frente a um consumidor mais conectado, a busca por soluções cada vez mais ágeis e que resolvam problemas é um grande diferencial, inclusive para a fidelização do negócio”, afirma.
O ChatGPT promete revolucionar a interação entre empresas e clientes, além da forma como as pessoas consomem informação pela internet. Contudo, a plataforma utiliza banco de dados orgânico, composto por artigos, notícias e informações disponíveis na web até 2021. Sem a possibilidade de identificar as fontes das informações, o conteúdo gerado pode estar incorreto ou apresentar um viés político-ideológico embutido.
A proliferação de desinformação é algo já experimentado pela sociedade em todas as partes do mundo. O temor dos especialistas é que a AI generativa contribua para acentuar esta problemática. Em pesquisas rápidas na plataforma, é possível identificar imprecisões, por exemplo, ao perguntar quantas estatuetas do Oscar o Brasil possui. O chat responde que o País conquistou cinco prêmios – na verdade, nunca um filme nacional chegou a vencer em nenhuma categoria.
A forma orgânica como o algoritmo produz novos conteúdos também torna impossível a identificação de autores reais por detrás das informações, desprotegendo os direitos autoral e intelectual. De acordo com Rony Vainzof, sócio do Opice Blum, Bruno e Vainzof Advogados e consultor em proteção de dados da FecomercioSP, para tirar o melhor proveito das oportunidades trazidas pelo ChatGPT, usuários e empresários não podem abrir mão de princípios, como beneficência, transparência, não discriminação e prestação de contas, tanto para identificar e mitigar riscos no desenvolvimento ou uso de aplicações imprecisas ou tendenciosas como para gerar confiança na tecnologia. “A ausência de cuidados e diligências éticas na adoção de AI generativa podem provocar efeitos danosos sobre as pessoas afetadas e representar riscos reputacionais, regulatórios e legais. A premissa é uma sólida estrutura de governança”, pondera Vainzof.
Para blindar os negócios, segundo o especialista, executivos precisam identificar rapidamente as áreas de negócios em que a tecnologia pode ter impacto imediato e desenvolver mecanismos de implementação e monitoramento. “É essencial incentivar a inovação criteriosa e responsável em toda a organização, contemplando nos conselhos empresariais diversidade cognitiva, como condição para conciliar responsabilidade corporativa e cultura empresarial”, afirma.