A Revolução Industrial, desencadeada a partir do fim do século 18 na Inglaterra, provocou uma série de transformações econômicas e sociais em toda a Europa, dentre elas a substituição gradual da mão de obra humana pelo trabalho mecanizado nas fábricas. Quase três séculos depois, em vez das máquinas a vapor, que marcaram a entrada do mundo na era industrial, agora, as mudanças chegam por meio da Inteligência Artificial (IA), que deve provocar uma outra revolução no mercado de trabalho.
Profissões consideradas repetitivas e exercidas de maneira praticamente mecânica, devem desaparecer nos próximos anos ou décadas.
A médio e longo prazos, também estarão ameaçadas carreiras consideradas de média e alta qualificações, como corretores de imóveis, operadores de tráfego aéreo, gestores administrativos e até advogados. Por outro lado, outras devem surgir — em especial, ligadas a computação, matemática e engenharias no geral. Algumas delas nem sequer imaginamos que possam existir algum dia, pois estão distantes da nossa realidade atual.
“A automação impulsionada pela IA está mudando a forma como muitas tarefas são realizadas, aumentando a eficiência e a produtividade em diversas áreas”, destaca a professora na FIA Business School, Samantha Mazzero. Os resultados podem ser verificados em números. Estudo de 2019 divulgado pela consultoria McKinsey já apontava que mais da metade (63%) dos gestores globais verificou algum ganho econômico após a aplicação da ferramenta nos negócios. Os efeitos positivos em relação a custos e lucros nas empresas ouvidas pela consultoria foram verificados, principalmente, nas áreas de Marketing, Recursos Humanos e Cadeias Produtivas.
No curto prazo, haverá aumento da demanda por novas habilidades técnicas, exigindo um número crescente de profissionais com conhecimentos avançados em programação e ciência e análise de dados. Serão criadas oportunidades de emprego em áreas como Engenharia, Ética, Gerenciamento de Dados, Especialistas em Robótica e Aprendizados de Máquinas, entre outros, todas relacionadas, de alguma maneira, à tecnologia.
“Especialistas em ética e transparência da IA devem surgir em breve, pois, à medida que a IA se torna mais difundida, será essencial garantir a sua conformidade de acordo com princípios éticos e transparentes”, explica Samantha, que também prevê o crescimento de postos em setores como e-commerce e marketing digital. A opinião é compartilhada pelo diretor de Tecnologia e Infraestrutura da Informa Markets, Hermano Pinto. A empresa é promotora e organizadora do Futurecom, um dos maiores eventos de tecnologia do País. “Toda tecnologia pode ser utilizada para o bem ou para o mal. Não fosse a energia atômica utilizada para produzir a bomba, hoje não teríamos os isótopos radioativos para tratamentos contra o câncer”, compara Pinto, que destaca a importância do debate sobre as formas de utilização da IA. “Precisamos ter esses instrumentos ao nosso alcance para conseguir enxergar, de maneira efetiva, que precisamos desenvolver a ética para a aplicação da Inteligência Artificial”, completa o executivo.
Ainda segundo o diretor, os novos ofícios ligados à ferramenta não serão, necessariamente, de extremas sofisticação e complexidade dos pontos de vista tecnológico e matemático. “Não se trata daquele maluco que passa o dia fazendo cálculos e algoritmos, mas daquela pessoa com habilidade suficiente para trabalhar com números e códigos”, destaca Pinto.
No início da Revolução Industrial, os operários que perderam os empregos para as máquinas a vapor invadiam fábricas e tecelagens para quebrar os equipamentos que haviam substituído os seus empregos. Esse movimento, cujo resultado prático em favor dos proletários foi nulo, já que a utilização das máquinas era um processo irreversível, ficou conhecido como ludismo e aconteceu na Inglaterra entre 1811 e 1816. O termo deriva de Ned Ludd, um operário inglês do começo do século 19 que, revoltado com as condições de trabalho impostas pelo patrão, decidiu pegar um martelo e quebrar as máquinas na fábrica onde trabalhava. Atualmente, as armas de defesa dos trabalhadores não são os martelos e a quebra de maquinários, mas a educação e a requalificação dos profissionais, de modo a garantir inserção e permanência no mercado de trabalho dominado pela inovação tecnológica.
Estudo da McKinsey Global Institute prevê que, até 2030, mais de 370 milhões de trabalhadores em todo o planeta deverão mudar de ocupação ou adquirir novas competências por causa da automação e da digitalização de processos nas empresas privadas e públicas. “As companhias precisarão adaptar processos e treinar mão de obra para se adequar às novas tecnologias”, explica o coordenador do curso MBA Business Data Driven na Trevisan Escola de Negócios, Fabio Oliveira.
A extinção de profissões não é uma novidade no mercado de trabalho. Basta olhar para o passado e verificar que, se hoje é difícil imaginar funções como acendedores de lampiões ou condutores de carroças, ofícios atropelados pelo avanço da tecnologia nas últimas décadas, o mesmo pode acontecer daqui a algum tempo em segmentos como o teleatendimento, que sofreu uma redução de mais de 35 mil vagas no País só em 2022, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
Por isso, embora a IA possa criar oportunidades de empregos em áreas emergentes, especialistas afirmam ser fundamental que governos, empresas e sociedade em geral estejam preparados para enfrentar as mudanças e garantir uma transição justa às pessoas afetadas. “Isso pode incluir investimentos em programas de requalificação, políticas de proteção social e estratégias para promover uma economia mais inclusiva e adaptável às mudanças tecnológicas”, afirma Samantha Mazzero, da FIA Business School, que não vê risco em profissões que envolvam interação humana, como aquelas ligadas à saúde e à educação.
Mesmo assim, todos deverão se adaptar para incorporar instrumentos como o ChatGPT-4 no dia a dia. Dessa maneira, garantem os estudiosos, a inovação permanecerá como uma aliada, e não como uma ameaça profissional. “Minha tendência é olhar o mundo em que a tecnologia se apresenta como uma ferramenta, não um fim absoluto. A ameaça, caso exista, não é provocada pela tecnologia, mas pela maneira como o ser humano a aplica”, afirma Hermano Pinto.