O país lusitano, que deixou a sua marca na história na época da expansão marítima, quer continuar escrevendo o futuro – agora como um ponto de desenvolvimento tecnológico global. Sendo um país pequeno em dimensões geográficas e populacionais, as startups portuguesas têm apostado em negócios abertos ao mundo. Os empreendedores locais ou os estrangeiros que fixam as bases no território estão sempre em busca de “novos mares” a explorar.
“Portugal vem se posicionando como um centro de inovação, com capacidade de testar serviços e produtos em nível europeu. Somos um país muito pequeno, o que nos obriga, desde o primeiro dia, a olhar para o mercado internacional”, explica o professor Euclides Major, diretor-executivo do Nova SBE Haddad Entrepreneurship Institute, centro de empreendedorismo da Universidade NOVA de Lisboa.
Para conseguir atrair e manter empresas em solo nacional, Portugal aposta na formação de pessoas, tanto por meio de cursos de graduação tradicionais como também mediante uma série de oportunidades de aperfeiçoamento para empreendedores da área de Tecnologia. No instituto da Nova SBE há workshops, bootcamps e programas de férias, além de projetos de aceleração de startups. Estes últimos são abertos a empreendedores do todo o mundo, além, é claro, dos próprios universitários da Nova SBE.
Segundo Major, o centro que comanda tem uma missão tripla: promover pesquisas, ajudar empresas e contribuir para o desenvolvimento sustentável do próprio país. Atualmente, 115 startups estão “encapsuladas” no Haddad Institute. Um dos exemplos de sucesso do espaço é a Indie Campers, atualmente uma multinacional de aluguel de trailers, criada por um aluno de mestrado da Nova SBE.
“Quatro anos atrás, Daniel Traça[reitor na época] sentiu que estávamos a trabalhar o tema de inovação, mas faria sentido olharmos para o empreendedorismo. Começamos a olhar para as escolas norte-americanas, como Stanford, MIT e Harvard”, comenta o diretor-executivo, a respeito da inspiração do centro. Uma diferença marcante, contudo, é que a Nova SBE é uma instituição de ensino superior pública. Portanto, foi preciso uma mudança cultural para que a universidade passasse a aceitar “mecenas”. No caso do instituto de empreendedorismo, o patrocinador é o empresário brasileiro Claudio Haddad, fundador do Insper.
Contudo, ao passo que Portugal investe em formar recursos humanos, nem sempre é fácil competir com outros países na hora de retê-los localmente. “Dez anos atrás, muito talento saiu do país, portanto, agora nós temos o desafio de trazê-los de volta, dar a possibilidade de trabalhar em Portugal”, relata Major. Um dos recursos acaba sendo atrair estrangeiros para Portugal – e dentre eles, claro, destacam-se os brasileiros. “Temos uma das melhores qualidades de vida e um ótimo sentimento de segurança – o que é interessante para o público brasileiro. Acho que eles acabam por se sentirem muito próximos de casa, não só pela língua, mas pelos costumes”, diz.
Há quatro meses estabelecida em Portugal para assumir o cargo de gerente de Programa no Haddad Institute, a brasileira Fernanda Rates conta que percebe a existência de mais apoios institucionais e governamentais aos novos empreendedores. “No Brasil, o empreendedorismo por necessidade e o empreendedorismo popular são muito fortes. As pessoas acabam aprendendo ‘na marra’. Aqui, eu vejo muito apoio dos governos e das universidades. O empreendedorismo vem com mais formação, de uma forma mais profissional”, avalia.
Os vistos para empreendedores e para nômades digitais comprovam a intenção do governo em incentivar este tipo de atividade. E, mesmo fora dos meios universitários, há programas de peso que ajudam no nascimento, como o Startup Lisboa, que já completou dez anos de atividades. Mais recentemente, a capital lusa ganhou a Unicorn Factory, com um programa de oito meses para uma segunda fase das startups e foco em crescimento ou início de operações em Portugal para startups de fora.
Se Portugal tem campo aberto em toda a Europa, os laços históricos e linguísticos tornam também o Brasil uma grande oportunidade de expansão para o mundo. “No universo do Startup Lisboa, a nossa incubadora para startups numa fase inicial, temos sete com raízes brasileiras incubadas. Em todos os nossos programas, estamos sempre prontos a receber empreendedores brasileiros e apoiá-los na expansão para a Europa, independentemente do estágio de desenvolvimento dos negócios”, descreve Gil Azevedo, diretor-executivo do Startup Lisboa e da Unicorn Factory.
As relações entre Brasil e Portugal se dão de múltiplas maneiras. Há, por exemplo, startups lusitanas que operam no Brasil, como o é caso da Sensei, que utiliza o poder da visão computacional, a fusão de sensores e algoritmos de Inteligência Artificial (IA) para criar lojas completamente autônomas: não é preciso funcionários no caixa. “Temos vários exemplos de startups que já entraram no mercado brasileiro”, afirma Azevedo.
Destacam-se ainda empreendedores brasileiros que, nas palavras de Azevedo, são “de referência no ecossistema empreendedor português”, como Jeferson Valadares, cofundador e CEO da Doppio (que faz jogos conversacionais) e atual presidente da Associação de Produtores de Videojogos Portugueses. “A forma de trabalhar de brasileiros e portugueses se complementam. O fato de termos sempre tido várias startups com DNA brasileiro a escolher expandir para Portugal e ficar incubadas no Startup Lisboa é prova viva de que a diversidade não é uma barreira”, salienta o diretor da rede.
Mais do que lucros, vendas e crescimento, a presença brasileira em território português causa impactos sociais. A brasileira Elisangela Souza fundou, em 2022, o IDE Social Hub, startup de colocação profissional na área de Tecnologia para grupos sub-representados – que conta com diversidades de etnia e gênero, além de pessoas com deficiência e com mais de 50 anos de idade. Tudo por causa de uma experiência pessoal ruim, em que foi discriminada por ser negra durante uma entrevista de emprego que durou três minutos. “A recrutadora desligou a câmera porque eu não tinha o estereótipo de cor de pele específica para ocupar aquela vaga”, recorda. Como toda startup que nasce em Portugal, o IDE já nasceu global, desenvolvendo programas corporativos de diversidade e inclusão para o Brasil, Portugal e África.
Os editais, temáticos, abrangem as áreas de Saúde, Serviços Financeiros, Turismo, entre outros. O mais recente, cujas inscrições se encerarram em fevereiro, eram para fintechs. Nos primeiros dias do programa, há uma busca por matchings: as startups que passaram na seleção apresentam ideias para grandes empresas da sua área de atuação, momento em que conseguem perceber logo de cara se há interesse real no que oferecem e veem o que podem fazer para atender às necessidades que já existem no mercado.
É a partir daí que esses negócios começam a trabalhar, com orientações semanais por parte de uma equipe de mentores. Ao fim de três meses, fazem pitchs para companhias do segmento em questão, com a meta de saírem já com acordos fechados. “Nossa ideia é gerar vendas”, crava Major.