Em 2021, a internet já era acessível em 90% dos domicílios do País, uma alta de 6 pontos porcentuais (p.p) em relação a 2019. Na área urbana, o índice foi de 92,3%, e na rural, de 74%. Os dados fazem parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) realizada no quarto trimestre do ano passado e divulgada em setembro deste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas o que há por trás deste aumento?
Para além do balanço geral, as diferenças sociais foram determinantes para a conectividade dos lares: o rendimento real médio per capita nos domicílios com internet foi quase o dobro em comparação aos que não usaram a rede (R$ 795). Além disso, o aumento do acesso à web pela TV e a queda desse acesso por microcomputadores e tablets podem ser indicativos de que nem todos os domicílios contam com dispositivos o suficiente para uso individual de quem vive na casa. “Entre 2019 e 2021, observamos o aumento do acesso por meio da televisão em mais de 10 p.p.”, detalha a analista da pesquisa, Flávia Vinhaes. “Desde 2016, constatamos que houve ligeiro aumento do acesso por celular e queda no uso do computador (de 57,2 para 42,2%) e do tablet (de 17,8% para 9,9%). Já a TV sai de 11,7%, em 2016, para 44,4%.” Ela destaca que “o rendimento desses domicílios foi maior entre os que utilizavam tablet: R$ 3 mil, ante R$ 2.296 dos que utilizavam microcomputador; R$ 1.985 para os que acessam via TV; e R$ 1,48 mil, o menor valor, para os que acessam com telefone celular”.
O crescimento da acessibilidade nos últimos anos não é tão expressivo, na avaliação de Lucilene Cury, professora e coordenadora de pesquisa no Laboratório de Linguagens Digitais da Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP). “Ao analisarmos os dados, iniciando pelo aumento de pessoas com acesso à internet, vemos que, em 2018, eram 67% os domicílios brasileiros conectados; em 2019, 84%; e em 2021, 90%, ou seja, o número atual é bem próximo ao de 2019 [diferença de 6%], metade do aumento verificado de 2018 para 2019 [12%]”, pontua a professora. “Já se compararmos com outros países da América Latina, vamos encontrar, por exemplo, o Chile, que tem 95% da população conectada à internet.”
Um olhar atento revela a dimensão do problema: em 2021, 28,2 milhões de pessoas no Brasil não usaram a internet, informa o IBGE. O pouco conhecimento para usar a tecnologia, a falta de interesse e o preço alto – para 20,1%, o serviço ou o equipamento é caro – foram os motivos mais citados para o resultado. Dentre as pessoas que não usaram a internet, 5,3% afirmaram que o serviço não estava disponível em sua região. Este índice foi de 3,5%, na área urbana, e chegou a 9,9%, na área rural.
A fatia desconectada representa 15,3% da população com mais de dez anos de idade – na prática, a internet foi usada por 84,7% da população brasileira acima dessa faixa etária, ou 155,7 milhões de pessoas. Em razão da pandemia, o instituto não realizou a pesquisa em 2020. Em 2019, 20,5% da população afirmou não ter usado a internet, o que equivalia a 36,9 milhões de pessoas.
“Os processos de digitalização e plataformização da sociedade vêm alterando a estrutura das relações sociais, tanto no campo do trabalho (atividades mediadas por tecnologias digitais) como na sociabilidade, por meio de aplicativos, consumo de informação e lazer”, comenta Cláudio Luis de Camargo Penteado, cientista político especializado em mídias e professor adjunto na Universidade Federal do ABC (UFABC). “Cada vez mais a vida social se torna dependente de relações mediadas pela conexão, o que obriga as pessoas a buscar formas de se conectarem, sob pena de exclusão”, afirma. Ele salienta, contudo, a má qualidade da conexão. “Em geral, a conectividade reflete as desigualdades socioeconômicas já existentes. Em regiões menos desenvolvidas do País, o acesso costuma ser feito via rádio, com pior qualidade no fluxo de dados, o que limita o uso de serviços.”
Se, por um lado, a televisão superou o computador como segundo equipamento mais usado para acessar a internet, o celular encabeça esta lista – e, com ele, chamadas de voz e vídeo se tornaram a principal finalidade (94,9%) no uso de internet. “Apesar de o preço do smartphone ser ainda muito alto, o aparelho é mais barato que um tablet ou um notebook”, interpreta Lucilene, “e tem, como característica importante, a portabilidade, influenciando muito o seu uso para o acesso à internet, o que pode ser comprovado pelos números”, analisa.
Outra constatação sobre o perfil dos usuários é a faixa etária. Os que mais usaram tinham idade entre 25 e 29 anos (94,5%); e, pela primeira vez, mais da metade (57,5%) da população com 60 anos ou mais usou a internet. Em contrapartida, como demonstra recente estudo coordenado por Lucilene para um trabalho de iniciação científica da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), intitulado “Por uma Política de Inclusão para idosos em relação à internet”, esta parcela da população brasileira está cada vez mais conectada à rede, porém, não incluída. O trabalho conclui, de acordo com a professora, que “no Brasil, as políticas públicas para a inclusão digital não se dedicam à inclusão dos idosos, dificultando ainda mais para essas pessoas o consumo digno dos meios digitais, em plena era da digitalização massiva, intensificada exponencialmente pela pandemia da covid-19 no mundo inteiro”.
Com arestas por serem aparadas, permanece a questão: podemos considerar a presença da internet em 90% dos domicílios um concreto avanço na redução do abismo digital que prejudica o crescimento socioeconômico do Brasil? Penteado reitera que mais lares conectados não significam mais pessoas integradas às possibilidades de emancipação social, empreendedorismo e acesso a serviços digitais. A visão de Lucilene não difere: “Em tese, representa um avanço, mas não necessariamente, uma vez que nem todos os que têm acesso à internet podem ser considerados parte do mundo digital”.
O IBGE informou que a próxima edição da PNADC será realizada no quarto trimestre de 2022, reunindo novos temas no módulo de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), com direito a dados sobre 5G, Internet das Coisas (IdC) e streaming de vídeo. A pesquisa levantará, também, indicativos sobre teletrabalho e o trabalho por plataformas digitais.