A tecnologia 5G, próxima geração de rede de internet móvel, trata-se da evolução natural das gerações anteriores: 3G e 4G. A grande diferença é que ela não apenas vai aumentar a velocidade da internet em cerca de 20 vezes, mas também permitirá a conexão entre pessoas, aparelhos e objetos inteligentes.
A pessoa se levanta da cama durante a manhã, e a cafeteira já está programada para fazer a sua bebida. Após trocar de roupa previamente selecionada no armário, levando-se em conta a temperatura registrada no dia, segue para trabalhar em um carro autônomo, sem motorista, solicitado via aplicativo. No escritório, as teleconferências com o mundo todo em transmissões de alta definição; a produção da fábrica totalmente ajustada por robôs para evitar prejuízos; e o cardápio do almoço da semana no restaurante da empresa já programado com a quantidade exata de sal que deseja consumir. Caso seja um médico, as cirurgias são realizadas do seu consultório, mesmo que o paciente esteja em um hospital a muitos quilômetros de distância, em outro estado ou país.
Na volta para casa, novamente em um carro por aplicativo sem motorista e com todos os semáforos ao longo do caminho programados em alinhamento ao fluxo de trânsito, de modo que o automóvel não precise parar no sinal vermelho; ao entrar na residência, apenas com a sua presença o ar-condicionado já se ajusta automaticamente, com a televisão já ligada no seu canal predileto. No banheiro, a torneira enche a banheira de água na medida certa e temperatura exata para o seu banho.
Este dia a dia, que, durante muito tempo, ficou atrelado à ficção científica, está mais próximo do que nunca no Brasil. Na verdade, deverá se tornar realidade, no máximo, em 2022, conforme previsão do governo federal. Até a metade do próximo ano, assegura o Ministério das Comunicações, a população brasileira – pelo menos a que mora nas capitais – já desfrutará de acesso aos serviços de tecnologia 5G de internet móvel.
Esta conexão avançada entre pessoas e aparelhos é a chamada Internet das Coisas, conhecida pela sigla IoT (do inglês, Internet of Things). O caso da cafeteira que se programa sozinha para o seu café da manhã, por exemplo. Com o 5G, a cafeteira também vai estar conectada à torradeira para fazer o pão do jeito que gosta, no momento certo, enquanto a geladeira produz cubos de gelo adaptados ao seu padrão de consumo, para ficar em alguns exemplos simples dentro de casa. As máquinas de lavar louças e de roupas também estarão programadas para funcionar sozinhas quando estiverem com capacidade máxima e utilizarem o mínimo de água e sabão em pó.
“O 5G muda a vida das pessoas quando possibilita novas aplicações e serviços, com potencial de impactar todos os setores. Torna o transporte mais seguro, viabiliza a assistência médica remota, auxilia a agricultura de precisão e melhora as cadeias de suprimentos, sistemas logísticos, cidades inteligentes e Internet de Todas as Coisas”, explica Ricardo Girnis Tombi, engenheiro de computação e professor de pós-graduação no Instituto Mauá de Tecnologia (IMT).
As principais diferenças técnicas entre o 5G e as gerações anteriores se referem a velocidade, latência e capacidade de conexão entre aparelhos. Em relação à velocidade da internet, por exemplo, o 4G é capaz de atingir, em teoria, 1 gigabit por segundo (1 Gbps). Na prática, porém, usamos menos do que isso nos nossos smartphones e computadores. O 5G pode chegar à velocidade de 20 Gbps. Assim, você conseguirá baixar um filme em poucos segundos no seu aparelho celular.
Outro ponto é a baixa latência – tempo necessário entre o estímulo e a resposta real da rede quando acessamos uma página na internet, por exemplo. O 4G tem uma latência de 50 milissegundos, em média, ante 1 milissegundo do 5G, o que torna as conexões muito mais estáveis, seguras e rápidas. Além disso, a nova tecnologia pode suportar mais de um milhão de aparelhos conectados por quilômetro quadrado, o que torna possível as aplicações de IoT, casas, empresas, indústrias e cidades inteligentes. No 4G, a conexão não chega a 5 mil aparelhos por quilômetro quadrado.
“Basicamente, a tecnologia 3G viabilizou a utilização do tráfego de dados, além da voz, por meio do serviço celular móvel. O 4G consolidou a era da banda larga móvel. A introdução do 5G possibilita um grande avanço em relação ao aumento da velocidade, mais confiabilidade e, principalmente, baixas latências”, elucida Tombi.
O governo federal prepara as regras e o leilão das faixas de frequências que autoriza a construção da infraestrutura necessária e da operação da nova tecnologia pelas empresas de telecomunicações instaladas no Brasil. Essas faixas, segundo o Ministério das Comunicações, funcionam como uma rodovia no ar, por meio de ondas eletromagnéticas, responsáveis pelas transmissões de TV, rádio e internet.
O edital do leilão das frequências está em análise pelo Tribunal de Contas da União (TCU), e a previsão é que seja publicado ainda este ano, indicam informações publicadas no site do ministério. Procurado pela reportagem com pedidos de entrevista sobre o assunto, o Ministério das Comunicações não deu resposta.
O texto em análise no TCU prevê que o 5G comece a ser ligado cerca de um ano após o leilão. As suas premissas e, consequentemente, os números de investimentos e expansão serão definidos no edital. “A partir daí, serão estruturados os planos de negócios das empresas”, ilustra Marcos Ferrari, presidente da Conexis Brasil Digital, entidade que reúne as empresas de telecomunicações e de conectividade.
Entre os principais desafios para a chegada do 5G ao País está a instalação da infraestrutura. O 5G, esclarece Ferrari, necessita de cinco a dez vezes mais antenas do que o 4G. Para isso, é necessário atualizar as legislações municipais de instalação de antenas para permitir maior agilidade no licenciamento. “Há, no Brasil, cerca de 300 leis municipais que dificultam e, até mesmo, impedem a instalação de antenas. As operadoras têm mais de 4 mil pedidos de licenciamento de antenas aguardando nas prefeituras.”
Entre os principais países fornecedores de tecnologia 5G no mundo estão China, Estados Unidos, Suécia, Coreia do Sul e Japão. Como ainda não ocorreu o leilão das frequências, não se sabe ao certo quais tecnologias serão efetivamente implementadas no Brasil. Para os especialistas, a escolha dos países fornecedores da nova tecnologia deve obedecer a critérios exclusivamente técnicos e que sejam mais vantajosos para o Brasil em relação entre custo e benefício. “Temos de aproveitar os benefícios da competição. Para nós, o que interessa é ter todos os players globais participando do mercado fornecedor do Brasil”, antecipa Marcos Ferrari.
A entrada do 5G no mercado global representa forte incremento na economia mundial como um todo – e dos países que adotarem a tecnologia da melhor maneira possível. A estimativa é que, até 2035, os benefícios provocados pela implementação do 5G no mundo possam gerar uma produção econômica global de cerca de US$ 12,5 trilhões, aponta o Fórum Econômico Mundial, bem como 22 milhões de empregos no mundo todo.
“Embora o 5G aumente a conectividade entre máquinas, a presença humana ainda será fundamental na programação e nos usos derivados”, diz o advogado especialista em Direito Digital Fabrício Polido, sócio de Inovação e Tecnologia do L.O Baptista Advogados e professor de Novas Tecnologias na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Isso significa que a economia digital não pode estar desacompanhada em investimentos nas competências profissionais e humanas que acompanham a indústria.”
O economista VanDyck Silveira, CEO da Trevisan Escola de Negócios, pensa que “a grande oportunidade que o 5G oferece para a economia é o aumento da produtividade. Será possível produzir mais, produtos melhores e a preços menores, o que aumenta o mercado consumidor e melhora a economia nacional”.
Entre os setores econômicos beneficiados, Silveira cita o agronegócio, que, com a ajuda da tecnologia de precisão, vai conseguir produzir mais e melhorar a produtividade por hectare, sem precisar expandir áreas de plantio, beneficiando o meio ambiente. “Por meio de um sensor de clima muito avançado, o produtor rural vai saber, por exemplo, o regime de chuvas naquela área e o quanto ele vai conseguir produzir naquele local. Assim, o agricultor vai poder vender a preços melhores no mercado de futuros.”
Especialistas lembram que os gastos para implementação das novas tecnologias nas atividades econômicas deverão ser maiores do que os atuais, em razão dos custos com a tecnologia, mas o investimento compensará. “O efeito multiplicador da conectividade será claramente traduzido em ganhos de escala e de economia. Quanto não valerá para um agricultor ter acessos às informações climatológicas ou de pragas, a fim tornar seus sistemas de irrigação mais eficiente e economizar nos gastos com defensivos agrícolas?”, articula Hermano Pinto Junior, diretor de Portfólio de Infraestrutura e Tecnologia do Informa Markets/Futurecom.
Na área da Saúde, conta o CEO da Trevisan, novos remédios vão surgir e será possível a realização de cirurgias altamente complexas com a ajuda de robôs, diminuindo a necessidade de internações e gastos hospitalares, o que também repercute de maneira positiva na economia. Com robôs ocupados em tarefas mecânicas e repetitivas, as pessoas vão ter mais tempo e dinheiro para o lazer e diversão, incrementando indústrias como a do turismo. “O 5G seria como o ‘cimento’ que liga a transformação digital e a IoT.”
Transformações profundas também devem ocorrer no setor público com o advento do 5G e a criação de cidades inteligentes. Com a possibilidade de integração e conexão avançada, serviços como de iluminação pública, abastecimento de água, saúde, educação pública, finanças e trânsito poderão ser totalmente remodelados para oferecer maior conforto e praticidade ao cidadão, além de economia aos cofres públicos. Os semáforos, por exemplo, poderão ser programados de acordo com o trânsito na via naquele horário. Um sistema de iluminação pública inteligente, além de reduzir os gastos com energia elétrica, ajudam na melhoria da segurança pública.
“Uma cidade inteligente e integrada é o espaço que promove conexão para melhorar a qualidade de vida para os seus habitantes. Podemos citar câmeras inteligentes que comunicam crimes diretamente à polícia, postes de iluminação pública que ligam e desligam a partir da necessidade e sistemas de semáforos inteligentes”, declara Fabrício Polido, que cita um estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) em que o Brasil poderia ter ganhos de até US$ 27 bilhões, até 2025, se adotasse essas tecnologias nos municípios.
Um estudo elaborado pela consultoria McKinsey aponta que uma cidade de 5 milhões de habitantes que seja mais conectada nos serviços públicos poderia reduzir, em até 40%, os índices de criminalidade e em torno de 15%, os gastos em saúde pública, além de garantir 30 minutos a mais por dia para o cidadão, com um trânsito e transportes melhores. “Por terem sistemas mais eficientes, os habitantes perderiam menos tempo em filas ou resolvendo algum problema com o Estado. Imaginem São Paulo e o restante do Brasil sendo gradualmente transformados com o 5G”, acrescenta o professor da UFMG.
O avanço da tecnologia, porém, também amplia os desafios em segurança cibernética. As cidades, os Estados e os países precisam estar preparados para ataques cibernéticos, que podem comprometer, por exemplo, serviços essenciais, como o abastecimento de água. “Os ataques cibernéticos são reais, e as nações vão ter de lidar com isso”, observa Silveira. Em sua avaliação, assim como no passado houve tratados de não proliferação nuclear, as nações terão de ter organizações para evitar as guerras cibernéticas, que já existem hoje em dia envolvendo países como Rússia e Estados Unidos. “Seria algo como uma OTAN ou ONU para lidar com ciberataques.”