O que esperar do futuro do trabalho? O cenário profissional está passando por muitas transformações. A estimativa, de acordo com o Relatório sobre o Futuro dos Empregos 2023, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, é que 23% dos empregos deverão mudar nos próximos cinco anos. Ainda segundo o estudo, os empregadores estimam que 69 milhões de novos postos de trabalho sejam criados (e 83 milhões, eliminados) no período. A única certeza, no entanto, é que a qualificação e o desenvolvimento de competências serão fundamentais para reduzir o desemprego. “Temos, hoje, um panorama que mostra a necessidade de se discutir como as inteligências ditas artificiais podem impactar a economia, a sociedade e o crescimento das empresas”, destaca o professor Hugo Tadeu, diretor do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral (FDC), ao mencionar um dos pontos da pesquisa que mais chama a atenção: a crescente geração de empregos. Contudo, a questão central é entender a importância do processo educacional e analisar o que está sendo ensinado e capacitado nas faculdades e organizações para a transformação tecnológica. “Além disso, é preciso ter um olhar atento à qualificação da mão de obra”, considera Tadeu.
Fato é que, ainda que o trabalho continue sendo a principal fonte de renda de pessoas e famílias, no mundo desenvolvido, exigirá educação de alta qualidade para atender às novas necessidades geradas pelas tecnologias e pelos modos de produção modernos. “No Brasil, igualmente, as atividades ficarão cada vez mais diversificadas, o que também exige uma boa educação, que permitirá aos trabalhadores acompanharem a evolução dessas ferramentas e de sistemas de produção e comercialização”, avalia o sociólogo José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
Segundo ele, a boa capacidade de pensar será o básico para a manutenção da população empregada, uma vez que, com isso, poderá acompanhar as mudanças e se resguardar. “E para ter uma boa capacidade de pensar, é fundamental o domínio da linguagem e da lógica. Isso significa que os cursos básicos e médios são cruciais. Afinal, nós pensamos com as palavras e usamos a lógica que aprendemos na matemática e nas ciências. Por isso, linguagem, matemática e ciências são essenciais para as pessoas sobreviverem do trabalho na economia do futuro”, avalia Pastore.
Adriana Regina Mello da Silva, professora de cursos técnicos e consultora da área de RH da Fundação FAT, considera que o futuro laboral passa por mudanças em alguns pilares significativos, como o trabalho em si, a força e o local, além da forma e dos recursos. O mundo tem olhado para as tecnologias cognitivas como a grande transformadora desse universo, porém a Inteligência Artificial (IA) e os robôs são apenas uma parte dessa transformação. “A tecnologia vem para automatização, velocidade, flexibilidade e reinvenção no local do trabalho, ou seja, traz uma nova dimensão fundamentada em dados, exigindo habilidades humanas em áreas como Resolução de Disfunções, Comunicação, Escuta e Interpretação”, ressalta Adriana.
Já de acordo com o professor Marcelo Manzano, doutor nas áreas de Economia Brasileira e de Economia Social e do Trabalho no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), toda essa inovação vai eliminar postos de trabalho, inclusive os mais qualificados, não só o braçal — como no passado, quando a automatização estava presente somente nas linhas de produção. “Mais do isso, o que observamos é uma modificação nas formas de se trabalhar. A inserção das pessoas no mundo laboral vai sendo radicalmente transformada por essas tecnologias”, afirma Manzano.
É inegável a ascensão da tecnologia no mundo. Por isso, e diante das inovações em curso, cabe aos profissionais se adaptarem para extrair o máximo benefício dessas transformações. “Vivemos, hoje, um momento especialmente turbulento e complexo, porque várias modificações de grande profundidade estão ocorrendo simultaneamente”, avalia Manzano. Nesse sentido, a própria revolução da indústria 4.0 e a digitalização da economia não afetam somente o modo de produção, mas também o cenário laboral.
“Há tecnologias que destroem, assim como há tecnologias que criam trabalho. Mas a maioria o transforma. Esse é o aspecto que mais preocupa. A profissão se mantém a mesma ao longo do tempo, mas as exigências cognitivas e socioemocionais mudam. O cirurgião de 30 anos atrás continua cirurgião, mas o que ele faz é muito diferente em razão do uso de novas ferramentas. De modo geral, as tecnologias estão tornando o trabalho mais leve, o que impõe menor exigência ao corpo humano. Contudo, estão criando muitas atividades novas, necessitando de maior capacitação intelectual”, pondera Pastore, da FecomercioSP.
O Brasil, com predominância de vagas de baixa remuneração e estabilidade precária, se mostra suscetível a essa transição. Atualmente, cerca de dois terços da população nacional estão envolvidos em atividades simples e mal remuneradas, enquanto um terço lida com trabalhos complexos e mais bem pagos. Pastore destaca a necessidade de melhorar a educação como chave para atrair investimentos em atividades mais sofisticadas. “A maioria da qualidade dos empregos no Brasil é ruim, por isso os baixos salários e a alta rotatividade. Isso está ligado à nossa estrutura de produção. O fato é que a educação é crucial para mais capital e para várias outras necessidades”, explica.
O sociólogo cita a Alemanha como exemplo, onde dois terços da força de trabalho são altamente qualificados, impulsionando exportações de alta tecnologia. O país mantém, há décadas, o sistema dual de ensino, uma estratégia de aprendizagem que combina a qualificação teórica em uma escola profissional com a formação prática em uma empresa. Em contraste, o Brasil enfrenta desafios educacionais há séculos, refletidos na própria estrutura de produção voltada a recursos naturais. “Robert Fogel [economista estadunidense conhecido por defender a nova história econômica, que usa métodos quantitativos] descobriu que, em 1850, 90% dos norte-americanos eram alfabetizados, ao passo que, na mesma época, 90% dos brasileiros eram analfabetos. É um problema secular”, lembra Pastore.
Ao analisarmos a história, é evidente que países ricos em recursos naturais enfrentam desafios com a precariedade dos empregos, enquanto nações com poucos recursos prosperam. Pastore cita o exemplo do Japão, um país que possui capital humano de alta qualidade graças ao seu trabalho no ensino. “Os exemplos da história mostram que as nações que passaram por fortes crises conseguiram se recuperar em virtude da educação. Veja o que ocorreu com a Europa e com o Japão, após a Segunda Guerra Mundial, e com os Estados Unidos, depois da recessão dos anos 1930”, afirma o sociólogo, lembrando do relevante episódio da Grande Depressão de 1929, quando o país norte-americano enfrentou uma crise econômica devastadora: quedas de 50% da produção industrial e de 70% do comércio internacional, além da falência de mais 5 mil bancos e do desemprego batendo na casa dos 25%.
A fim de ocupar milhões de pessoas que estavam inativas, o governo daquele país decidiu expandir as bibliotecas públicas para proporcionar ocupação a essa população. “Durante quase dez anos, milhões de desempregados se envolveram com a leitura. O resultado foi o previsível: em meio a tantos desastres, o país enriqueceu o seu mais precioso ativo, o capital humano, contribuindo para a retomada do crescimento”, conclui Pastore.
Especialistas ressaltam que o Brasil oferece oportunidades em setores como Tecnologia da Informação (TI), Saúde, Energia Renovável, Agricultura Sustentável e Serviços Digitais. “Além disso, o empreendedorismo e a economia criativa também têm potencial de crescimento”, afirma Adriana Regina Mello da Silva, da Fundação FAT. Nos próximos anos, espera-se que empregos relacionados a Tecnologia, Saúde (incluindo Enfermagem e Medicina), Engenharia, Marketing Digital e Sustentabilidade tenham crescimento mais rápido em decorrência da demanda crescente nessas áreas.
“Outras mudanças importantes, como a transição energética, que visa migrar de uma economia que estava estruturada sob os combustíveis fósseis para os combustíveis renováveis, também contribuem para alterar a maneira de produzir e oferecer bens e serviços”, avalia Marcelo Manzano, da Unicamp.