A criação de um Código de Defesa do Contribuinte em âmbito nacional – que consolide os direitos, as garantias e os deveres do indivíduo sujeito à tributação do Estado – é fundamental, uma vez que busca harmonizar a relação entre os contribuintes e o Fisco.
A Câmara dos Deputados aprovou, no início de novembro, a proposta que institui o Código de Defesa do Contribuinte Federal (CDCF), por meio do Projeto de Lei Complementar (PLP) 17/2022, para sistematizar direitos e deveres do contribuinte e melhorar o relacionamento com as Fazendas públicas. A proposta, que agora vai para votação no Senado, é comemorada pelo setor produtivo, pois dá maior previsibilidade às ações dos fiscos e incentiva o contribuinte à autorregulação e ao cumprimento de suas obrigações tributárias, com contrapartidas vantajosas aos bons pagadores.
Inspirado no Código de Defesa do Contribuinte (CDC) do Estado de São Paulo, criado há 19 anos, o código federal dá as diretrizes de atuação dos fiscos federal, estaduais e municipais, a fim de garantir que todos obedeçam às mesmas regras, tudo concentrado em único documento, promovendo mais segurança jurídica.
As diretrizes do documento federal também adotam medidas já implantadas pelo Fisco paulista, como a classificação dos contribuintes em uma lista de bons e maus pagadores, para que o código seja aplicado de forma diferenciada, como ocorre no Programa de Estímulo à Conformidade Tributária, conhecido como “Nos Conformes”.
Os devedores contumazes terão maior peso de multas, autuações e obrigações. Já os bons pagadores poderão contar com flexibilização de prazos para pagar tributos; concessão de descontos progressivos e melhores condições na resolução de litígios fiscais; prioridade na análise de processos administrativos e na devolução de créditos; e acesso a canais de atendimento simplificados para orientação e regularização.
Autor do PLP 17/2022, o deputado federal Felipe Rigoni (União Brasil/ES) contou, durante o 4º Congresso Codecon, ocorrido no dia 17 de novembro, na sede da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), que o projeto surgiu dos anseios de empresários capixabas, que procuraram o gabinete do parlamentar pleiteando a simplificação do complexo sistema tributário nacional. “Havia a necessidade de consolidar as normas tributárias. Começamos a escrever o código em julho de 2021, com a participação de juristas e servidores dos fiscos”, disse Rigoni.
O principal objetivo do novo código é mudar a lógica “perseguidora” dos fiscos sobre os contribuintes, que sofrem autuações sem prévio aviso e precisam contar com equipes numerosas para acompanhar as várias alterações nas regras tributárias.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), de 1988 até 2021, em matéria tributária, foram editadas 443.236 normas – mais de 2,21 por hora.
Com tantas normas editadas, erros são comuns – e, muitas vezes, não necessariamente propositais, objetivando burlar a apuração dos tributos. Contudo, a rigidez dos fiscos é implacável com o contribuinte que comete equívoco no cálculo dos impostos. O CDCF também pretende mudar esta prática.
“Se um contribuinte errar no cálculo dos impostos, não poderá ser condenado pelo equívoco. Ele deve ser corrigido, e o valor pago será aquele do cálculo correto, sem multa ou penalidades”, apontou Rigoni.
Outro ponto importante que o novo código pretende mudar é a responsabilidade solidária pela mera participação em um grupo econômico. Hoje, tanto o Código Civil (Lei no 10.406/2002), quanto o Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) preveem que qualquer pessoa (física ou jurídica) que participe de um grupo econômico é reponsável por possíveis dívidas tributárias e outras obrigações, mesmo que não tenha culpa sobre os débitos. O novo texto pretende mudar esta lógica e intimar apenas os responsáveis diretos.
Importante passo para a relação entre Fisco e contribuinte, o código federal, se aprovado no Congresso e sancionado pelo Executivo, precisará ainda da criação do Conselho de Defesa dos Contribuintes (Codecon) federal. O órgão propositivo funcionará como um “guardião” da legislação, mantendo as regras em constante evolução, como ocorre em São Paulo e nos outros Estados que aplicam os próprios códigos locais.
A criação do órgão não está prevista no texto do PLC 17, mas pode ser inserida após a promulgação da lei que institui o código.
Segundo Márcio Olívio Fernandes da Costa, presidente do Codecon-SP e do Conselho de Assuntos Tributários (CAT) da FecomercioSP, tanto o código como o conselho dão forma a um novo agente de transformação social na sociedade contemporânea paulista. “Pelo conhecimento e pelo autoconhecimento, as expectativas dos cidadãos são acolhidas e transformadas em melhores serviços públicos – ou retornadas na forma de educação fiscal para a cidadania”, aponta.
À frente do órgão desde a sua concepção, em 2003, Costa acredita que o código paulista foi responsável pela harmonização dos interesses do Estado e dos contribuintes, desmistificando o temor do Fisco, no momento da criação do CDC, de as novas regras enfraquecerem a atuação do Estado.
“O intuito é propiciar uma relação mais justa que responsabilize, também, o Estado. Afinal, não podemos esquecer que o contribuinte é o titular de direitos inerentes à cidadania e ao exercício livre da atividade econômica”, afirma Costa.
A composição do Codecon-SP garante a isenção das ações, pois é estruturado de forma paritária, com a participação de 20 entidades representantes do Poder Público e dos setores empresariais e de classe. Esta diversidade garante, segundo Costa, um posicionamento democrático, no qual todos os agentes têm o mesmo peso. Esta formatação pode ser emulada federalmente, avalizando a contribuição e a representação de toda a sociedade brasileira.