Imposto único, muita complexidade

17 de agosto de 2023

De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), até o ano passado, pelo menos 174 países utilizavam o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), com exceção dos Estados Unidos, que adotavam um importo subnacional.

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A simplificação é o principal mote da proposta de Reforma Tributária em tramitação no Senado (PEC 45/2019). No entanto, será que as empresas sentirão a atenuação da burocracia com a unificação de diversos tributos no Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual? A concepção desse imposto prevê as criações da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em nível federal, substituindo PIS e Cofins; e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), subnacional, sobrepondo-se ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), estadual, e ao Imposto sobre Serviços (ISS), municipal.

Em um primeiro momento, a resposta pode parecer óbvia, pois haverá a redução de quatro impostos para dois. Contudo, a assessoria técnica da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) alerta que a papelocracia para manter o funcionamento e a fiscalização do novo sistema pode não refletir essa simplificação — pelo contrário, há a chance de aumento na complexidade.

Isso é assim porque o IVA incidirá sobre o consumo, envolvendo a cobrança de imposto em cada etapa da cadeia de produção e distribuição de bens e serviços, que vai levar em conta uma sequência de débitos e créditos, procedimento incomum no sistema atual. Essa complexidade exige a manutenção de uma grande estrutura de cumprimento das obrigações fiscais às empresas.

Segundo a assessoria técnica da Federação, ainda que o sistema atual seja complexo para algumas empresas, mais de 95% dos empreendimentos brasileiros são tributados sob o regime do Simples Nacional ou estão enquadrados no lucro presumido, que não gera complexidade. Além disso, a possibilidade de ter alíquotas diferentes no cálculo do CBS e do IBS, pelas exceções setoriais e de produtos, exige um sistema fiscal robusto e sofisticado para garantir a conformidade.

A fim de facilitar o entendimento, a FecomercioSP elencou oito pontos que podem gerar complicações às empresas e, inclusive, prejudicar os negócios.

#1 Aumento de carga

Com a extinção do lucro presumido, como prevê a PEC 45, uma empresa de serviços atualmente tributada pelo regime fiscal, com alíquota nominal de 8,65% (5% ISS + 3,65% PIS/Cofins), passaria a recolher no mínimo 25% (IVA Nacional).

O modelo de lucro presumido é um regime tributário mais simples e com menos obrigações acessórias em comparação ao lucro real apurado. Além disso, exige baixos custos administrativo e contábil, especialmente às empresas de menor porte, uma vez que o cálculo dos impostos é realizado com base em um porcentual predefinido sobre a receita bruta, de acordo com a atividade econômica. Isso garante mais previsibilidade quanto à carga tributária e baixo custo de fiscalização, facilitando o planejamento financeiro.

#2 Mais controle

Atualmente, a base de cálculo dos impostos é determinada por um porcentual fixo aplicado sobre a receita conforme a atividade econômica. Esse modelo requer menos informações detalhadas para o cálculo dos tributos.

Já no sistema proposto pela PEC 45, com o IVA incidindo sobra cada etapa da cadeia produtiva, será necessário acompanhar as transações entre empresas em todas as fases da produção e distribuição de bens e serviços, verificando as declarações e o recolhimento do imposto. De acordo com a assessoria técnica da FecomercioSP, isso vai demandar um controle rigoroso sobre as operações das empresas e uma fiscalização mais detalhada para assegurar o correto pagamento do tributo.

#3 Aumento de imposto por decreto

A proposta aprovada na Câmara permite que o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) seja definido por decreto, e não mais tenha que ser aprovado por lei na Câmara de Vereadores. Além disso, o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) passará a ser progressivo. Assim, Estados e municípios poderão elevar a tributação sobre os contribuintes.

A implementação e a administração de um sistema de IVA para quem está, hoje, sob o regime de lucro presumido requerem, segundo a assessoria técnica da FecomercioSP, um considerável investimento em infraestrutura e recursos humanos

#4 Enfraquecimento do pacto federativo

A unificação em um único imposto vai concentrar a arrecadação na esfera federal para posterior distribuição. Isso compromete as autonomias política, fiscal e financeira dos entes federativos, reduzindo suas competências tributárias e limitando, assim, a flexibilidade e a capacidade de adaptação dos entes às particularidades regionais e necessidades específicas.

#5 Maior alíquota do mundo

O imposto, baseado no consumo, vai atingir ricos e pobres de forma idêntica na hora da compra, em especial nos itens básicos. Uma alíquota relativamente baixa do IVA minimizaria essa distorção, mas, diante dos cálculos já divulgados pelo próprio governo, em nota técnica do Ministério da Fazenda, a previsão é que o País tenha a maior alíquota do mundo, o que vai ampliar o problema.

Uma alternativa para essa distorção, segundo a Federação, seria a redução dos gastos públicos refletida na diminuição dos tributos sobre consumo e manutenção da atual carga sobre a renda. Nos moldes atuais, o contribuinte de baixa renda será o mais afetado, e isso pode ampliar a desigualdade social.

#6 Insegurança jurídica

Por alterar alíquotas, bases de cálculo e obrigações acessórias, a reestruturação proposta pela PEC 45 vai gerar dúvidas entre os contribuintes. Além disso, as mudanças decorrentes da reforma vão exigir uma nova interpretação e aplicação das leis fiscais. Isso pode levar a divergências de entendimento entre os contribuintes e as autoridades fiscais, aumentando o risco de litígios e disputas judiciais, analisa a assessoria da Entidade.

#7 Cheque em branco

Ainda estão sem definição: as alíquotas; como será desenhado o fundo de compensação; como se dará a transição de origem para destino; e quais serão os efeitos de tamanha mudança no sistema tributário. Essa imprecisão, segundo tributaristas, dá a entender que o Congresso Nacional está assinando um cheque em branco, pois condiciona a regulamentação de diversos dispositivos da PEC 45 em leis complementares.

#8 Longa transição

O período de transição também preocupa, pois, para que o modelo funcione em plenitude, haverá um período de transição que vai durar 50 anos. Enquanto isso, um fundo de compensação terá de ser criado para equilibrar as receitas e as despesas de cada ente federado.

Filipe Lopes Débora Faria
Filipe Lopes Débora Faria