Dentre as medidas anunciadas, chama a atenção o aumento do valor de alçada do conselho, que passa de 60 salários mínimos (R$ 78,1 mil) para mil salários mínimos (R$ 1,3 milhão), limitando o acesso de grande parte dos contribuintes ao órgão.
Na estratégia traçada pelo governo federal para aumentar a arrecadação da União, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou, em 12 de janeiro, a Medida Provisória (MP) 1.160, que altera a atuação do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
Entretanto, as medidas implementadas geram dúvidas quanto à efetividade da busca pelo aumento da arrecadação, da manutenção da segurança jurídica dos contribuintes e do alcance do conselho, que teve o valor mínimo de alçada alterado.
O Carf é um órgão paritário, composto por representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes, que aprecia e julga a inconformidade dos contribuintes contra exigências tributárias e aduaneiras lançadas pela Administração Tributária.
Confira, a seguir, como as mudanças no Carf podem impactar o dia a dia das empresas.
Está de volta ao órgão o antigo voto de qualidade, extinto em 2020, quando a legislação determinava que, em caso de empate, a decisão seria sempre favorável ao contribuinte. Agora, o Fisco recupera o “voto de minerva”, garantindo aos presidentes das câmaras – conselheiros representantes da Fazenda Nacional – o poder do voto duplo, ou seja, de desempatar os julgamentos do processo administrativo federal.
Segundo o Conselho de Assuntos Tributários (CAT) da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), a mudança gera preocupação ao empresariado, pois afronta as garantias constitucionais e os direitos de petição e recurso. Com a medida, as demandas judiciais também podem aumentar, justamente o que se pretende impedir no processo administrativo tributário.
O voto de qualidade do Carf é visto como assunto superado nas discussões judiciais contemporâneas. Há três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) em análise no Supremo Tribunal Federal (STF) que questionam a alteração promovida pela Lei 13.988/2020, responsável por reduzir a aplicação do voto de qualidade e por garantir a decisão favorável ao contribuinte nos casos de empate. Ainda que o julgamento não tenha sido concluído no STF, já se formou maioria no órgão pela validade da modificação a favor do contribuinte.
O acesso ao Carf ficou ainda mais limitado, prejudicando as empresas de menor porte, que, ao almejar um julgamento imparcial, terão que recorrer ao Judiciário – e arcar com todas as despesas e os riscos decorrentes da ação. Agora, o conselho apreciará apenas processos acima de mil salários mínimos (R$ 1,3 milhão), muito além do limite anterior de 60 salários mínimos (R$ 78,1 mil). A ampliação fere o princípio da igualdade tributária, ou seja, a garantia de que todos os contribuintes que se encontrem na mesma situação jurídica recebam o mesmo tratamento tributário.
A volta do “voto de minerva” representa pouca efetividade na arrecadação federal, uma vez que apenas 6,5% dos processos são decididos por voto de qualidade – que, em volume financeiro, corresponde, em média, a 17,5% das ações. Os dados são do Diagnóstico do Contencioso Tributário Administrativo de 2022, elaborado pela Receita Federal do Brasil em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O documento mostra ainda que cerca de 90% das decisões do Carf são proferidas por unanimidade ou por maioria de votos.
A retomada do dispositivo, portanto, além de não representar grande impacto aos cofres públicos, poderá aumentar os questionamentos acerca da validade da cobrança dos créditos tributários no Poder Judiciário, uma vez que a existência de um empate significa dúvida acerca da interpretação da legislação entre os conselheiros da Receita e das entidades que representam os setores econômicos.
Segundo Márcio Olívio Fernandes da Costa, presidente do CAT da FecomercioSP, “a MP causa grande prejuízo e insegurança jurídica aos contribuintes”. Ele ressalta ainda que, neste momento de incerteza econômica, o Poder Público não pode promover tamanha desordem no ambiente de negócios e no princípio básico de tratamento do contribuinte.
Vale lembrar que, em setembro de 2022, a comissão de juristas criada pelo Senado Federal e pelo STF concluiu o trabalho de modernização dos processos administrativo e tributário, mediante a apresentação de dez Projetos de Lei (PLs). Diferentemente da MP, as propostas que já tramitam no Senado propõem melhorias no contencioso administrativo de forma não unilateral.