Na conta do contribuinte

01 de março de 2021

Responsável por 87% da arrecadação do Estado de São Paulo, o ICMS é tratado como a “bala de prata” do governo paulista para cobrir o rombo de R$ 10 bilhões nos cofres públicos, ocasionado pela pandemia de covid-19. A Lei 17.293 permitiu o aumento do imposto e preocupa empresários e consumidores.

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Muito antes da sanção da Lei Estadual 17.293, em outubro do ano passado, quando o texto ainda tramitava na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), empresários, tributaristas, membros da sociedade civil e entidades representativas, como a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), manifestaram preocupação com o aumento da carga tributária do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) sobre os produtos e serviços no Estado de São Paulo. As queixas, porém, foram ignoradas pela maioria dos deputados e pelo governo paulista – autor do Projeto de Lei 529/2020 que resultou na legislação final.

Dentre diversas mudanças fiscais, o artigo 22 da Lei 17.293 é o que chama mais atenção, pois proibiu qualquer incentivo fiscal do ICMS no Estado e considerou toda alíquota inferior a 18% como benefício fiscal. Além disso, o referido artigo deu poderes totais ao Poder Executivo editar decretos para alterar a legislação dos impostos, deliberação exclusiva do Poder Legislativo, de acordo com a Constituição Federal.

Os impactos do aumento do imposto já podem ser sentidos em itens essenciais à população como medicamentos e alimentos, além de produtos têxteis, venda de automóveis novos e usados, materiais de construção, entre outros, que tiveram elevação nos preços.

De acordo com a Análise dos Impactos do Aumento do ICMS para a Economia de São Paulo e do Sudeste, realizado pelo Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Agro), os impactos do aumento da alíquota do ICMS geram distorções para a economia do Estado de São Paulo e de toda região Sudeste. Essas distorções, segundo a FGV, serão sentidas sob a forma de reduções de consumo pela população e de investimentos de diversos setores. Para cada R$ 1 de aumento na arrecadação do imposto, a FGV projeta queda de R$ 2,75 no consumo da população.

Visando mudar esse cenário, o deputado estadual Ricardo Mellão (NOVO-SP) e outros 26 deputados lançaram o Projeto de Lei 82/2021, que pretende revogar o artigo 22 e fazer valer as alíquotas do ICMS anteriores à Lei 17.293. Para isso, deputados de linhas ideológicas diferentes buscam entendimento para barrar o aumento. “A importância da questão é tamanha que o PL já conta com a assinatura de 29 deputados, de 14 partidos diferentes, há mais 5 deputados que possivelmente apoiem a proposta, além da possibilidade de convencer a bancada do PT (10 deputados), que resultaria em 42 votos.  É urgente que essa conta não ‘caia no colo’ da população, principalmente dos segmentos mais fragilizados pela pandemia, como o empresarial”, apontou Mellão, durante apresentação do PL ao Conselho de Assuntos Tributários (CAT) da FecomercioSP, em 19 de fevereiro.

Segundo o deputado, o debate público em torno do Projeto de Lei 529/2020, que resultou na Lei 17.293/20, se deu pelos cortes de gastos sobre as universidades públicas e as estatais, porém, as questões fiscais foram deixadas de lado. “O artigo 22 é o grande cerne da lei, pois impacta profundamente a vida do cidadão, sobretudo durante uma pandemia. Infelizmente o governo estadual escolheu o caminho mais conhecido pelos governantes brasileiros para lidar com a crise, aumentou os impostos e pouco mexeu no corte de gastos administrativos”, afirmou Mellão.

Carga desmedida

Apesar da crise econômica mundial ocasionada pela pandemia de covid-19 e das diversas restrições impostas pelo Poder Público ao funcionamento dos estabelecimentos comerciais paulistas, os defensores da revogação do aumento do ICMS afirmam que não houve uma perda significativa na arrecadação do Estado, que justifique o aumento exacerbado do ICMS.

Segundo dados da Secretaria da Fazenda e Planejamento de São Paulo (Sefaz-SP), em dezembro de 2020 houve aumento real de 0,5% na arrecadação tributária, em relação ao mesmo mês de 2019, assim como no acumulado do período de janeiro a dezembro de 2020, uma variação negativa de 2,5%, na comparação ao mesmo período do ano anterior. Analisando apenas a arrecadação de ICMS, em dezembro de 2020 houve um aumento de 9,1% em relação ao mesmo mês de 2019 e uma queda de 1,5% na arrecadação acumulada anual, frente ao mesmo período do ano anterior.

Para o presidente do CAT, Márcio Olívio Fernandes da Costa, é “inoportuno e perverso” o aumento da carga tributária diante das maiores crises econômica e sanitária vividas pela humanidade. “O ajuste fiscal vem no momento mais sensível, onde os empresários e as famílias brasileiras, principalmente as menos abastadas, lutam para sobreviver depois de quase 12 meses em quarentena, com oscilação entre fechamento e abertura parcial das atividades”, afirma.

Menos competitividade

O aumento do ICMS em São Paulo coloca as empresas paulistas em desvantagem concorrencial com relação às companhias dos demais Estados, que praticam alíquotas menores. Segundo a análise da FGV, a agricultura (-2,7%) é o setor que mais perderá competitividade, seguida por pecuária (-0,9%), serviços (-0,7%), demais indústrias (-0,5%) e agroindústria (-0,3%).

Os impactos serão sentidos por todos os setores produtivos e deve resultar em perda de consumo de até R$ 21,4 bilhões em bens e serviços e queda de R$ 6,8 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) do Sudeste, de acordo com a FGV.

Aumento nos preços

A desproporção do aumento do ICMS afeta os mais pobres, pois impacta, mais sensivelmente, os produtos básicos, como carnes, farinha de trigo, material de construção, medicamentos, entre muitos outros (veja tabela sobre o impacto do ICMS no preço final dos produtos).

Durante reunião do Conselho de Assuntos Tributários da FecomercioSP, o presidente do Sindicato do Comércio Atacadista de Drogas, Medicamentos, Correlatos, Perfumarias, Cosméticos e Artigos de Toucador no Estado de São Paulo (Sincamesp), Reinaldo Mastellaro, destacou a surpresa do setor com o aumento do ICMS diante da pandemia. “Achávamos que os medicamentos seriam isentos deste ajuste fiscal, muito por conta da pandemia, porém, para a nossa surpresa os setores farmacêutico, de produtos cirúrgicos e odontológicos sofreram elevações na alíquota do ICMS”, ponderou. Mastellaro salientou ainda que os planos de saúde também devem repassar os custos do aumento dos medicamentos e aparelhos aos clientes.

Agora, o PL 82/21 segue para votação na Alesp e se obtiver sucesso, seguirá para sanção do governador paulista.

Saiba mais sobre o polêmico reajuste do ICMS em São Paulo no episódio #14 do podcast PB, que entrevistou a tributarista Ana Carolina Monguilod e o presidente do CAT da FecomercioSP, Márcio Olívio Fernandes da Costa. Ouça clicando aqui.

Filipe Lopes Paula Seco
Filipe Lopes Paula Seco
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