Após a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018, passada a posse, a hoje vereadora paulistana (e então deputada federal eleita) Janaina Paschoal concedeu entrevista à Rádio Bandeirantes na qual justificava a sensação de desordem no governo federal, que dava seus primeiros passos. Para ela, os inimigos nas eleições eram absolutamente evidentes: Lula e PT, e nada garantia que as pessoas que se alinharam e conseguiram derrotar a esquerda se conheciam, pensavam de forma homogênea e eram capazes de governar em lógica de harmonia em torno de objetivos comuns.
Ilustra essa situação a sensação de que, ao longo de quatro anos, uma série de alas e seus diversos rachas caracterizaram o governo federal. À época, dizia-se que Bolsonaro tinha um governo DE conflito, pelo caráter verborrágico e beligerante de seu líder e de seus aliados, e EM conflito, pois os setores que o compunham viviam às turras.
Fora do poder, e com menos recursos que outrora, impressiona como essas divisões ainda se fazem presentes e desnorteiam o cenário da direita — que muitos imaginam serem homogêneas e capazes de caminhar em direção singular. Não são. As narrativas em torno das condenações associadas ao golpe de Estado que se desenhou após a derrota nas urnas é um caso emblemático. Enquanto alguns defendem anistia, outros fogem do País. Uns falam em perseguição do Judiciário, ao passo que outros se entregam em largas delações ilustradas por provas que concretizam tramas governistas em torno de uma ruptura democrática. Bolsonaro, por exemplo, deixou o Brasil rumo aos Estados Unidos e não deu posse a Lula. Enquanto alguns o acusam de fugir do papel de líder, outros justificam o gesto pelo temor de ser preso. E há quem fale que ele voltaria de maneira triunfal para reorganizar o cenário “de caos”. De volta ao Brasil, após uma operação da Política Federal que apreendeu o seu passaporte, dormiu duas noites no consulado da Hungria em Brasília. Em episódio mais recente, o filho Eduardo, deputado federal com imunidades parlamentares por São Paulo, alegou perseguição e foi embora para o país de Trump. Enquanto alguns afirmam que foi tramar algo, Hamilton Mourão, ex-vice-presidente da República e, hoje, senador pelo Rio Grande do Sul, vê o gesto como precipitado e covarde. Note: a direita desalinha a própria direita a todo tempo.
Descontada a parte do hino nacional brasileiro que afirma que testemunharemos que um filho da Pátria jamais foge à luta — seja lá o que isso signifique —, parece existir sempre uma tentativa insana, de grande parte da direita, de trazer à baila narrativas em primeira pessoa que não parecem fáceis de serem aceitas por setores das próprias frentes. Interessante que cada nova história que surge (muitas estapafúrdias) tem nos próprios membros da direita os principais críticos. A anistia aos criminosos de 8 de janeiro, por exemplo, não encontra repercussão em tom de unanimidade dentro do Congresso Nacional, onde poderia ser aprovada. O impeachment de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), preferencialmente de Alexandre de Moraes, segundo desejo de parcelas da direita, não parece fazer eco no Senado — dominado pelo grupo neste instante. Notemos: a direita desautoriza a própria direita o tempo todo. E isso se dá por diversas razões, como falta de centralidade, percepção de que a fantasia virtual é mais impactante que uma tentativa de alinhamento, perda de força política etc.
E é aqui que mais um elemento se faz presente. Quem será o candidato da direita nas eleições de 2026 ao Palácio do Planalto? Bolsonaro garante que será ele, apostando na anistia ao 8 de janeiro e, aparentemente, descontando de forma otimista o fato de que o seu julgamento no Supremo deve embaraçá-lo ainda mais, a ponto de aproximá-lo da prisão. Enquanto esbraveja, vê movimentos que desafiam a própria capacidade de definir o pleito.
Ronaldo Caiado se prepara, mesmo sob pedidos do seu partido de recuar, para lançar pré-candidatura presidencial na Bahia; o cantor Gusttavo Lima chegou a se anunciar e, depois, desistiu do pleito; durante manifestação de Bolsonaro na Paulista, Pablo Marçal estendeu bandeira e garantiu que o próximo presidente será ele mesmo; Gilberto Kassab citou Raquel Lyra, governadora de Pernambuco, em 2030, mas elevou os tons críticos ao governo Lula (do qual é aliado), ao passo que o seu partido sempre pensa em algum nome — que, hoje, estaria entre Ratinho Jr. e Rodrigo Pacheco —; Romeu Zema, do Novo, disse que aceita ser vice de alguém; filhos e esposa de Bolsonaro surgem como nomes possíveis, dentre os quais Michelle é percebida como a vice ideal por marqueteiros; o Progressistas joga com o nome da ex-ministra da Agricultura e atual senadora Tereza Cristina; e, principalmente, Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, vai ganhando força, mesmo se dizendo fiel a Bolsonaro. Percebe? A esquerda vive dizendo que se perdeu em torno de seus projetos comuns e que a direita está mais organizada. Está mesmo?
Bolsonaro perdeu as eleições de 2022 porque não soube se organizar o suficiente para vencer. Lula, atualmente, corre riscos em torno da sua reeleição ou da sucessão, porque o governo está desarticulado e sofrendo diante da opinião pública e do Congresso Nacional — o que faz parte da lógica representativa da democracia. Notemos: desde Michel Temer — que nem sequer disputou a própria reeleição, mas que esteve em 2014 sob a administração de Dilma —, a sensação que existe é a de que GOVERNOS perdem eleições sem necessariamente pensar que seus sucessores, uma vez eleitos e vencedores, sejam de fato capazes de entregar algo tão expressivo ao País. A saída de Lula do poder em 2026, se ocorrer, provavelmente mostrará mais a insatisfação dos eleitores do que o desejo com o futuro. Bolsonaro, caso dispute o pleito (improvável) será símbolo emblemático disso, assim como Lula parece menos o presidente desejado em 2022 e mais o símbolo do ímpeto de uma sociedade negar o seu antecessor. Até quando?
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