A Alemanha, frequentemente vista como um bastião de estabilidade política na Europa, está diante de uma reviravolta inesperada. O governo federal caiu após um voto de desconfiança no Bundestag, o Parlamento alemão, desencadeando eleições antecipadas. Esse evento raro lança luz sobre as tensões políticas subjacentes e as perspectivas de um novo cenário eleitoral em um dos países mais influentes do mundo.
O voto de desconfiança ao governo do chanceler Olaf Scholz está marcado para o dia 16 de dezembro de 2024. Caso o governo perca a votação no Bundestag, o presidente alemão Frank-Walter Steinmeier poderá dissolver o parlamento em até 21 dias e convocar novas eleições. As eleições gerais antecipadas estão provisoriamente agendadas para 23 de fevereiro de 2025, dependendo da decisão final do presidente e do desenrolar da crise política. O colapso da coalizão de Scholz desencadeou essa situação.
O voto de desconfiança é um mecanismo constitucional presente na Alemanha desde o pós-guerra, mas a sua aplicação é raríssima. Desde 1949, apenas duas moções de desconfiança bem-sucedidas ocorreram, refletindo a cautela dos parlamentares quanto a recorrer a uma medida tão drástica. Essa crise atual, no entanto, resultou de um impasse prolongado dentro da coalizão governamental, composta por partidos com visões divergentes sobre economia, transição energética e políticas de imigração.
O governo, liderado por Scholz (SPD), sofreu erosão em sua base de apoio graças a desentendimentos entre os três principais partidos da coalizão. A atual coalizão de governo, apelidada de “semáforo” (Ampelkoalition), é uma aliança formada pelo Partido Social-Democrata (SPD, vermelhos), pelos Verdes (Bündnis 90/Die Grünen) e pelo Partido Liberal Democrático (FDP, amarelos).
Cada partido tem um perfil político distinto: o SPD, de centro-esquerda, prioriza questões sociais — como o fortalecimento do estado de bem-estar, a equidade trabalhista e a justiça social —; os Verdes são progressistas, com foco em políticas ambientais, sustentabilidade e direitos humanos; já o FDP, de centro-direita, defende a economia de mercado, a digitalização e a redução da interferência estatal. Essa combinação de prioridades frequentemente resultou em tensões internas. A coalizão foi formada em 2021 após as eleições federais, marcando um afastamento da longa liderança conservadora da CDU sob Angela Merkel.
Os impasses que culminaram no voto de desconfiança neste ano refletem as dificuldades inerentes a essa parceria heterogênea. Questões como a gestão da crise climática, o orçamento federal e a política energética geraram conflitos relevantes. Por exemplo, os Verdes insistiram em acelerar a transição para energias renováveis, enquanto o FDP resistiu a medidas que aumentassem impostos ou regulamentações para empresas.
Além disso, o SPD sofreu pressão para equilibrar as demandas de seus parceiros de aliança com o próprio compromisso com programas sociais. O desgaste político foi exacerbado pela percepção de falta de liderança unificada e pela crescente popularidade da oposição conservadora (CDU) e de partidos extremistas, levando à perda de apoio parlamentar e à eventual votação para destituir o governo de Scholz.
Nas eleições antecipadas, o cenário político alemão promete uma disputa acirrada entre os principais partidos. A União Democrata-Cristã (CDU/CSU), tradicional força de centro-direita, busca retomar o poder após um período na oposição, apresentando-se como a opção de estabilidade e eficiência econômica, enquanto adota uma postura mais rígida em relação à imigração.
Por outro lado, o SPD, líder da coalizão dissolvida, ainda que se apoie no histórico de promoção da justiça social e de políticas progressistas na transição energética, precisará recuperar a confiança dos eleitores após um governo marcado por divisões internas.
Enquanto isso, a Alternativa para a Alemanha (AfD), partido de extrema direita, cresce em popularidade, especialmente em regiões do leste do país, com uma retórica nacionalista, eurocética e anti-imigração, desafiando o consenso político tradicional. Do outro lado do espectro político, cresce um novo partido de esquerda radical na Alemanha é a Aliança Sahra Wagenknecht (Bündnis Sahra Wagenknecht — BSW), fundada em outubro de 2023 por Sahra Wagenknecht, uma ex-líder do partido Die Linke.
A BSW combina posições econômicas tradicionalmente associadas à esquerda, como defesa de políticas sociais fortes, com posturas conservadoras em temas como imigração. Sahra, que tem sido crítica da política de portas abertas para refugiados adotada em 2015, busca limitar a imigração irregular, uma abordagem que tem atraído tanto eleitores descontentes com partidos de esquerda quanto os inclinados à extrema direita.
Esse cenário, além de refletir a fragmentação política do país alemão, revela o crescimento dos partidos com posições extremas. Acima de tudo, a conjuntura apresenta o crescente desafio de construir coalizões estáveis em uma nação cuja política tem sido historicamente dominada por grandes partidos moderados.
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