Atrasada, como de costume, a eleição dos presidentes das comissões permanentes da Câmara ocorre nesta quarta, 19 de março. Há muito que o sistema de comissões permanentes sofre com um processo de desinstitucionalização, e os novos contornos das paulatinas mudanças no sistema são consequência das sucessivas mudanças nos processos internos de alocação das emendas orçamentárias — o orçamento, sempre ele.
Na tentativa de observar as sucessivas admoestações do Poder Judiciário, criou-se espaço em novas rubricas para atender às solicitações de parlamentares que buscam levar recursos para seus redutos. Esse processo se intensifica com os movimentos do ministro Flávio Dino, mas vem de antes: cabe lembrar que foi a ministra Rosa Weber quem apresentou parecer contrário à manutenção das emendas de relator, que ficaram conhecidas como “orçamento secreto”. Essa primeira intervenção do Supremo no tema do orçamento ocorre ainda em 2021, no fim do governo do presidente de Jair Bolsonaro.
A partir daí, ganharam importância as emendas de comissão, na tentativa de obedecer a uma das diretrizes gerais entendidas como ideais para a organizar o processo de emendamento: emendas coletivas devem ser priorizadas em detrimento das individuais. Aqui, caberia uma reflexão sobre o tipo da coletividade. Uma forma de diminuir os incentivos para que fosse feito uso das emendas na competição política seria prezar pela coletividade regional. Se assim fosse, manteríamos um razoável grau de participação do Legislativo na confecção orçamentária e conseguiríamos frear os incentivos para competição eleitoral adiantada por meio das emendas.
Na prática, as emendas de comissão dispersaram o poder que estava concentrado no presidente da Mesa — que, antes, negociava sozinho diretamente com o relator da Comissão Mista de Orçamento. O efeito inesperado é que voltam a ganhar importância as comissões, após um longo processo de sucateamento e a sua substituição por comissões temporárias e grupos de trabalho. O resgate das comissões foi tamanho que levou o presidente da Mesa a circular uma minuta de projeto de resolução que formalizaria o poder dos líderes partidários de indicar os presidentes dessas arenas.
O tema da escolha dos presidentes de comissão é dos mais interessantes do ponto de vista analítico. Uma regra formal estabelecida pelo regimento interno dita que é função dos membros da comissão votarem e escolherem o presidente de cada uma delas. Uma regra informal muito raramente desafiada estabelece que a escolha dos presidentes se dá pelos líderes dos partidos, que distribuem as cadeiras de acordo com a proporcionalidade da Casa. A despeito da prática ser diferente do que reza o regimento, a regra formal segue sendo uma garantia para os presidentes (e vices) das comissões, uma vez que são os únicos que não podem ser removidos a qualquer momento pelo líder de seus partidos.
A tentativa de mudança desse processo, apresentada na minuta do projeto de resolução, teria duas consequências imediatas: a primeira seria incluir os líderes partidários no processo de alocação das emendas orçamentárias. Uma vez que estaria na mão desses líderes definir os membros e presidentes das comissões a qualquer momento, eles ocupariam o lugar antes exercido unicamente pelo presidente quando a rubrica utilizada era a RP09 (relator da CMO). Uma segunda consequência, porém, seria a diminuição da autonomia das comissões temáticas permanentes, além do risco de estas se tornarem redutos partidários com pouca diversidade de pensamento, espaço para debate e enriquecimento técnico. Cabe lembrar que pesquisas em ciência política apontaram o espaço das comissões como principal arena de busca de informação técnica especializada para a tomada de decisão.
Muito se fala sobre como a mudança na confecção do orçamento público impactou a relação entre poderes, a transparência pública e a alocação redistributiva justa das políticas públicas. São todos debates fundamentais. Cabe observar, no entanto, que um Congresso formado por parlamentares que concentram a atuação na transferência de recursos da União para seus redutos também resvala na qualidade das decisões tomadas no processo de fazer leis, função primordial dos parlamentares.
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