Artigo

Brasil: de volta para o futuro

Vinicius Mariano de Carvalho
é diretor do King’s Brazil Institute – King’s College London
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Vinicius Mariano de Carvalho
é diretor do King’s Brazil Institute – King’s College London

“O Brasil é o país do futuro”, profetizava o grande escritor austríaco Stefan Zweig, em 1941, com a publicação de sua declaração de amor ao País, Brasilien ein Land der Zukunft. Ele mesmo não teve a chance de ver sua profecia testada, pois, em fevereiro de 1942, cometeu suicídio em Petrópolis.

Não foi o Brasil que levou Zweig a tirar a própria vida, há que se dizer, mas o desespero em relação ao que chamou em sua autobiografia, Die Welt von Gestern ¹, de “a agonia da paz’”. A relação entre estes dois livros de Zweig é muito intensa. Ambos concluídos no mesmo ano, redigidos durante o curto período em que o escritor viveu no exílio, no Brasil. E entre eles há uma relação estreita de continuação. Em O mundo de ontem (uma tradução mais precisa do título), Zweig lamenta com nostalgia como a vida de Viena no fim do século 19, que ele chamou de “o mundo da segurança”, havia se perdido. Para o autor, a monarquia austríaca era o epítome da estabilidade, civilidade e segurança. Quase um paraíso. Paraíso esse perdido com a ascensão do nazismo.

O Brasil, ao contrário, é apresentado como a possibilidade de reconstrução desse paraíso. Ele diz literalmente na sua autobiografia: “O que a Europa fez de civilização podia, nesse país, continuar e desenvolver grandiosamente sob formas novas e outras. Com os olhos deleitados pela beleza multifária dessa natureza nova, lancei um olhar para o futuro” (pág. 432). E é isso que ele expressa com desenvoltura no Brasil, país do futuro. O futuro que Zweig vê no País é, na verdade, o passado da Europa que ele havia perdido. O país do futuro é o mundo de ontem.

Isso é curioso, porque acaba por criar um paradoxo aprisionador. Um tempo cíclico, mas nunca realizável. Um tempo não narrativo, mas profético.

Ao inserirmos o Brasil nesta profecia de futuro – e o País aceitando‑a cultura e simbolicamente –, o que se produz é, na verdade, uma impossibilidade de se viver no presente.

A relação com o espectro profético da história torna‑se mais complicada, na medida em que a única maneira de se escapar deste ciclo futuro do passado/passado do futuro é com o “fim dos tempos”, um apocalipse – literalmente, com o fim da história. Isso se dará, na tradição judaico-crista, com a chegada/volta do Messias.

Não faz muito tempo que o Brasil estava se acostumando a acreditar que o futuro havia chegado, que o País tinha realizado a profecia e se tornado a nação do futuro. O entusiasmo e a empolgação nutriram um orgulho reprimido, quase apoteótico. Como se uma nova civilização estivesse finalmente emergindo e os tempos, se cumprindo!

Contudo, o País não viu o presente. Inebriou‑se com a transformação ² e não quis ver a ressaca se aproximar.

E eis que os tempos não se cumpriram e estamos de volta para o futuro, que é o mesmo mundo de ontem. Presos nesta eterna incapacidade de estar no presente. E pior: sempre na espera de um Messias que nos vá guiar e redimir.

Escrevo isso na aurora de 2022: ano do bicentenário da Independência nacional, quando “raiou a liberdade no horizonte do Brasil”, quando o País ganhou o futuro; ano do centenário da Semana de Arte Moderna, outra marca do futuro advindo; ano do octogésimo aniversário da publicação de Brasil: país do futuro, de Zweig.

Talvez seja a hora de abandonarmos a ilusão do futuro e construirmos o presente.

1. A edição que tenho em português é de 1942 mesmo, tradução de Odilon Gallotti, com o título: O mundo que eu vi. Sei de traduções mais recentes que fazem mais justiça ao título original: O mundo de ontem.

2. Aqui, jogo com o título de uma outra novela de Stefan Zweig, Rausch der Verwandlung, publicada postumamente, em 1982.

ESTE CONTEÚDO ESTÁ PUBLICADO NA EDIÇÃO #468 IMPRESSA DA REVISTA PB. A VERSÃO DIGITAL ENCONTRA-SE DISPONÍVEL NA BANCAH.

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