Artigo

Datacenters no Brasil: progresso ou retrocesso?

Helga Almeida
é doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professora na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.
N
Helga Almeida
é doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professora na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.

No último mês de setembro (2025), o governo Lula apresentou a Medida Provisória nº 1.318/2025, que instituiu o REDATA (Regime Especial de Tributação para Serviços de Datacenter). A importância desse projeto é grande e vem na esteira de um amplo debate sobre soberania digital nos países periféricos. 

Datacenters são o centro nevrálgico da internet. Nessas gigantes infraestruturas físicas supertecnológicas, equipadas com uma grande quantidade de servidores, roteadores e sistemas de armazenamento, ficam nossos dados (mensagens de e-mails, vídeos, cadastros, etc.) que serão armazenados, processados e distribuídos. São nesses computadores de alta potência que as big techs, como Google, TikTok, Amazon e Meta, guardam tudo o que escrevemos, clicamos e curtimos. Hoje esses centros de dados estão, em sua maioria, localizados nos EUA (principalmente no Norte da Virgínia e no Vale do Silício) e na Europa (principalmente Frankfurt, Londres, Amsterdã e Paris). 

E qual o problema disso? O problema se insere no que se tem chamado de “colonialismo de dados”, que, como explica o pesquisador Sérgio Amadeu, representa uma nova forma de colonialismo, embora preserve a lógica de domínio histórico. As potências, nesse caso, EUA e Europa, extraem as riquezas, que hoje são os dados pessoais de indivíduos, e as armazenam em seus datacenters, utilizando-as posteriormente em transações lucrativas. Dados são as novas commodities e o Sul Global tem sido a principal vítima dessa novíssima forma de exploração.

Por tudo isso, a questão dos datacenters é tão central. Pensar em datacenters instalados no território brasileiro pode representar mais segurança e soberania para tratamento e armazenamento de dados dos cidadãos do país, especialmente considerando que, hoje, apenas 40% dos dados brasileiros são processados aqui. 

Segundo o governo, a intenção seria impulsionar o crescimento nacional e estimular setores-chave da chamada indústria 4.0 (computação em nuvem, inteligência artificial, fábricas inteligentes e internet das coisas). 

Inclusive, na discussão contemporânea sobre tecnologia e dados, não há que se ter nenhum vira-latismo, já que o Brasil tem sido destaque nos debates globais sobre os temas, sendo referência para muitos países. “O Marco Civil da Internet” e a “Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)” são dois grandes exemplos de nosso pioneirismo. Também o Projeto de Lei nº 2630/2020, que pretende instituir a “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”, tem causado um bom rebuliço entre as big techs, por propor sua responsabilização pelo conteúdo disponibilizado em suas plataformas.

O REDATA se soma, portanto, a outras iniciativas interessantes e prevê investimentos estimados em 2 trilhões de reais por empresas estrangeiras ao longo de uma década, com a exigência de que 2% do valor dos produtos adquiridos no mercado nacional sejam aplicados em pesquisa, desenvolvimento e inovação.

No entanto, o REDATA, tal como foi formulado até o momento, não se mostra um projeto capaz de promover a soberania anunciada pelo governo.

Facilita-se a instalação das empresas e dos centros físicos de dados no Brasil, mas esses dados continuarão no controle corporativo e jurídico das mesmas grandes empresas de tecnologia de sempre. Além disso, todas as decisões sobre gestão, construção de algoritmos e softwares permanecerão nas mãos do Norte Global. Nem sequer muitos empregos serão gerados, já que os datacenters precisam de pouca manutenção.  

Outra questão que tem sido discutida é o uso de recursos naturais não renováveis de nosso território. Só o datacenter do TikTok, plataforma da chinesa ByteDance, que será instalado em Caucaia, região metropolitana de Fortaleza, consumirá, em um único dia, o equivalente ao gasto de 2,2 milhões de brasileiros em suas casas. 

Além disso, não há proposta de transferência de tecnologia ao Brasil, não há obrigatoriedade de empregar mão de obra de brasileiros, não há obrigatoriedade de uso de peças nacionais para a montagem dos datacenters e, muito menos, há a quimérica indicação futura de nacionalizá-los.

Ou seja, será que, de fato, há aquisição de soberania com a facilitação da vinda de datacenters ao Brasil? Ou trata-se, mais uma vez, de grandes empresas imperialistas usando o Sul Global para extrair seus recursos naturais, sustentar seus lucros e repassar para que Elon Musk fique ainda mais rico (se isso é possível)?

Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.