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Denúncia apresentada — e os próximos passos?

José Mário Wanderley Gomes Neto
é doutor em Ciência Política, mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e docente da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna "Ciência Política" da PB.
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José Mário Wanderley Gomes Neto
é doutor em Ciência Política, mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e docente da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna "Ciência Política" da PB.

Eis que foi apresentada a tão aguardada denúncia (Petição 12.110), pela Procuradoria-Geral da República (PGR), contra 34 pessoas — como um ex-presidente da República, ministros de Estado, generais e outras autoridades de seu governo —, pela suposta prática de graves crimes, dentre os quais se destacam tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, tentativa de golpe de Estado e organização criminosa. 

A presença das referidas autoridades entre os ora acusados, desde a fase de investigação (inquérito), atraiu a competência penal originária do Supremo Tribunal Federal (STF) para processar e julgar os referidos delitos no âmbito da competência judicial por prerrogativa de função (por muitos conhecida apenas como foro privilegiado). Ato contínuo, o ministro Alexandre de Moraes (relator do inquérito e, por consequência, regimental também relator do processo penal), como de praxe, determinou que cada um dos acusados oferecesse as respectivas respostas prévias escritas, no prazo de 15 dias, em obediência estrita às normas contidas nos termos do art. 4º da Lei 8.038/90 (que rege o trâmite de processos penais no STF) e do art. 233 do Regimento Interno do Supremo. Concluída a oportunidade para as respostas prévias (com ou sem apresentação), o ministro relator pedirá que o Tribunal inclua em pauta (art. 6º da Lei 8.038/90) a deliberação sobre (1) o recebimento, (2) a rejeição da denúncia ou (3) a improcedência imediata da acusação, se a decisão não depender de outras provas.

Essa decisão é determinante para que passe a existir (ou não) um processo penal contra os referidos acusados. A construção de uma decisão judicial, especialmente decisões colegiadas, inerentes aos tribunais, não é tarefa fácil, pois o desenho institucional desses órgãos judiciários prevê e estimula a participação coletiva, a qual se realiza pela soma das preferências de indivíduos distintos e heterogêneos em seus pensamentos e ações — que, dependendo dos incentivos e das características de cada caso, podem orientar comportamentos, visando maximizar preferências individuais e reduzir custos de decisão.

Normalmente, a competência para julgamento das ações penais originárias é das duas Turmas fracionárias do STF. Entretanto, esses processos podem, excepcionalmente, a critério do relator, serem submetidos ao Plenário, conforme determina o art. 11 do Regimento Interno, em três situações: (1) quando considerar relevante a arguição de inconstitucionalidade ainda não decidida pelo Plenário, e o relator não tiver direcionado o julgamento para isso; (2) quando a questão de inconstitucionalidade já tiver sido decidida pelo Plenário, mas algum ministro solicitar a sua reavaliação; (3) quando algum ministro propuser revisão da jurisprudência do Plenário. Note-se uma ampla margem de subjetividade em cada uma dessas situações.

Assim, nesse contexto institucional, o relator de cada processo vai ponderar os possíveis custos decisórios entre uma decisão monocrática (individual) ou a busca pela construção de novas maiorias, decidindo sobre submeter a questão ao Plenário ou às Turmas, considerando entre eles o ambiente com maiores chances de solução do conflito conforme suas preferências (precedente do Habeas Corpus 152.752). Na presente situação, é muito provável que o ministro Alexandre de Moraes não decida monocraticamente sobre o recebimento da denúncia, partilhando os custos decisórios com os demais ministros integrantes da 1ª Turma e evitando enviar a questão ao colegiado ampliado (Plenário), no qual as chances de divergências e de atuação individual dos demais ministros são maiores. 

Nesse processo decisório complexo, fruto do desenho institucional da Corte, o papel individual dos ministros relatores se sobressai a partir de condutas, moldadas na referida legislação e nas normas regimentais, cuja consequência é a estratégica fixação do órgão judicial decisor (individual, parcial ou pleno), responsável por deliberar sobre a matéria — no caso, a abertura de processo penal contra as referidas autoridades.

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