Artigo

Deputados a favor, permaneçam em casa

Graziella Testa
é professora da Fundação Getulio Vargas, na Escola de Políticas Públicas e Governo (FGV-EPPG), e doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.
D
Graziella Testa
é professora da Fundação Getulio Vargas, na Escola de Políticas Públicas e Governo (FGV-EPPG), e doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.

Desde março de 2020, a vida de todos nós mudou profundamente. O início da pandemia de covid-19 no Brasil obrigou que pessoas e órgãos se reorganizassem para trabalhar em grupo, ainda que distantes. No setor público em específico, há relatos de melhorias e agilização dos processos também no contexto pós-pandemia. Em alguns casos, também há uma economia substancial de recursos, uma vez que se reduzem os gastos por deslocamento. 

No Congresso Nacional, não foi diferente. A disponibilidade técnica de um sistema e o desacordo com o presidente foram fatores que resultaram numa rápida resposta tanto do Senado quanto da Câmara dos Deputados. Os plenários de ambas as Casas estavam funcionando remotamente menos de uma semana após a declaração de afastamento social no Distrito Federal. Na Câmara, a Resolução 14/2020 e o Ato da Mesa 123/20 foram os normativos que possibilitaram essas mudanças. Desde então, o ato que permite a substituição de sessões presenciais por remotas foi modificado incríveis 70 vezes — destas, somente três no ano de maior gravidade da pandemia, 2020. A última ocorreu na semana passada, já sob a presidência de Hugo Motta. 

A porta aberta para realização de sessões do Plenário no formato híbrido tem repercussões que vão além da questão mais flagrante, que é o esvaziamento dos espaços de tomada de decisão. As primeiras são o desprestígio e o enfraquecimento das comissões permanentes temáticas. Isso acontece porque as reuniões das comissões ocorrem pela manhã e as do Plenário, à tarde. Uma vez que as sessões das comissões não gozam da mesma prerrogativa das do Plenário, a tendência é que as reuniões sejam canceladas. Nesse cenário, o Plenário ganha maior relevância, já que pode “puxar” matérias que não sejam apreciadas nas comissões por meio da “urgência urgentíssima”. 

O enfraquecimento do sistema de comissões permanentes, por sua vez, tem duas consequências negativas imediatas. A primeira é o espaço reduzido para enriquecimento técnico das matérias, uma vez que a consulta de especialistas é feita pelos relatores das comissões e mediante as audiências públicas. A segunda consequência negativa é a redução do espaço de participação da sociedade civil, que também ocorre por esses dois canais — relator e audiências públicas. Para além da arena das comissões, há uma segunda consequência do uso indiscriminado de sessões híbridas: a redução da possibilidade de mobilização das minorias em Plenário. A maioria é um critério útil em democracias representativas, mas é preciso que essa parte fique clara, maioria não é sinônimo de democracia. O que define democracia, grosso modo, é que todos os cidadãos tenham igual capacidade de influenciar nas decisões que afetarão todos. Democracia não é sinônimo de tirania da maioria — e essa preocupação está presente de Sócrates a Weber, passando por Tocqueville e John Adams.

Para que o processo democrático em Plenário não descambe numa tirania da maioria, é preciso que haja ferramentas contramajoritárias, isto é, que os grupos minoritários possam também influenciar no processo decisório. Quase sempre essas ferramentas implicam a possibilidade de refrear as deliberações. Se a questão for relevante para a maioria, a sua mobilização, eventualmente, vai superar as reivindicações da minoria — e é razoável que seja assim. No entanto, nas sessões híbridas, a maior parte dos parlamentares não está em Plenário, tornando menos custosa essa “mobilização”, por falta de termo melhor. 

A mudança da presidência da Câmara trouxe a esperança da redução das sessões híbridas, uma vez que isso havia sido incluído na pauta de campanha de Motta. Contudo, o Ato da Mesa 154, editado pelo novo presidente na última segunda-feira (10), parece frustrar as expectativas de quem esperava uma regulamentação apropriada do tema. O ato obriga que os deputados realizem a sessão no formato presencial às quartas. Isso, na prática, institucionaliza as sessões híbridas às terças e quintas. Por outro lado, o documento tem a mesma força que os demais 69 que o precederam, o que significa que não exclui a possibilidade de novas exceções com justificativas duvidosas.

É preciso mobilizar os grupos da sociedade civil em prol de uma resolução que regulamente as sessões híbridas, bem como que estabeleça ao menos sete dias de previsibilidade da pauta e a possibilidade de que um quórum baixo de parlamentares exclua itens da pauta de sessões híbridas. Também é preciso limitar a deliberação a matérias infraconstitucionais, não sendo razoável que Propostas de Emenda à Constituição (PECs) sejam deliberadas pelo sistema remoto. Há muito espaço para agilizar os trabalhos de temas pouco conflituosos desde que isso não comprometa a possibilidade de as minorias participarem do processo.     

Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.