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Desafios para o avanço da agenda ASG

Caio Magri
Caio Magri é diretor-presidente do Instituto Ethos.
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Caio Magri
Caio Magri é diretor-presidente do Instituto Ethos.

As transformações globais e os desafios estruturais do Brasil nos impõem uma reflexão urgente sobre o papel das empresas na construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e responsável. Em um mundo atravessado por desigualdades históricas, mudança climática e riscos crescentes para a democracia, o compromisso com a agenda ASG (Ambiental, Social e Governança) não pode ser encarado como uma escolha, mas como um imperativo ético e estratégico.

Ao longo dos últimos anos, temos observado uma pressão crescente para que o setor empresarial transcenda a lógica do curto prazo e dos resultados imediatos, abraçando uma visão sistêmica e de longo prazo. A sustentabilidade não é mais uma aspiração periférica, mas um elemento central na perenidade dos negócios, na competitividade global e na construção de valor compartilhado. No entanto, o avanço efetivo da agenda ASG enfrenta obstáculos que vão muito além dos desafios internos nas empresas. Estamos falando de um contexto em que forças políticas e econômicas, no Brasil e no mundo, tensionam conquistas civilizatórias fundamentais, pondo em risco direitos, a integridade das instituições e a própria ciência.

O movimento de retrocesso que emerge em algumas economias centrais, como nos Estados Unidos, atinge diretamente pilares estruturantes das práticas empresariais responsáveis — iniciativas de diversidade, equidade e inclusão, políticas climáticas ambiciosas e compromissos com os direitos humanos vêm sendo questionados e fragilizados. Esse cenário, que repercute de maneira geral, demanda uma atuação ainda mais firme das empresas brasileiras, que devem se posicionar e influenciar ativamente o ambiente de negócios, protegendo e ampliando os avanços obtidos nas últimas décadas.

No Brasil, temos uma conjuntura que oferece oportunidades únicas. Somos uma nação com a biodiversidade mais rica do planeta e uma sociedade civil engajada na promoção das justiça social e ambiental. Além disso, contamos com um arcabouço jurídico que se torna cada vez mais um diferencial competitivo em um mundo em reconfiguração. Esse conjunto de fatores posiciona o País como uma liderança natural na agenda de desenvolvimento sustentável e no fortalecimento de uma economia inclusiva e de baixo carbono.

Nesse contexto, as empresas precisam compreender que a responsabilidade socioambiental não é um desafio isolado, mas um chamado à ação coletiva, exigindo que as lideranças empresariais estejam dispostas a rever estratégias, alinhar as operações com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e atuar em coalizões multissetoriais que estimulem soluções concretas e de impacto positivo. A gestão responsável, além de ser um vetor de inovação e competitividade, é a única alternativa viável para garantir a resiliência de negócios e territórios em um mundo marcado por crises socioambientais cada vez mais frequentes.

Temos pela frente, no Brasil, principalmente com a realização da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), um ponto de inflexão. O encontro será uma chance histórica para que o País e, especialmente, o setor privado demonstrem ao mundo que é possível conciliar geração de valor com a promoção de direitos e a preservação do planeta. Mas a liderança das empresas somente será legítima se for acompanhada por ações concretas que contribuam para a redução das desigualdades e para o fortalecimento da democracia.

É necessário, portanto, que as empresas abandonem, definitivamente, a zona de conforto e encarem com seriedade os desafios da agenda ASG. Isso significa incorporar a sustentabilidade ao núcleo das decisões estratégicas, atuar de forma transparente, combater todas as formas de discriminação e iniquidades e exercer influência positiva na construção de ambientes regulatório, político e cultural favoráveis a um desenvolvimento sustentável e justo.

Tão importante quanto agir é enfrentar a tentação do silêncio diante das ameaças à agenda ASG. Em um momento em que retrocessos ganham terreno e discursos negacionistas amplificam-se, também é responsabilidade das empresas reafirmar publicamente o compromisso com os princípios democráticos, com os direitos humanos e com a preservação ambiental. A voz do setor empresarial tem peso e pode ser decisiva para influenciar opiniões, proteger conquistas e fortalecer o pacto social em torno da sustentabilidade. Esse compromisso passa, obrigatoriamente, por uma abordagem transversal dessa agenda. Empresas que trabalhem de maneira compartimentada, sem perceber as interdependências entre clima, direitos humanos e ética, limitam o alcance e a profundidade de sua influência positiva.

No Instituto Ethos, temos clareza de que este é um caminho sem volta. Sabemos que retroceder não é uma opção, bem como que avançaremos somente se unirmos esforços, articulando setor privado, sociedade civil, governos e demais atores sociais em torno de uma visão comum de futuro. O mundo está em transformação — e o Brasil tem um papel central nesse processo. As escolhas que fazemos hoje, como lideranças e sociedade, definirão o legado que deixaremos para as próximas gerações.

ESTE ARTIGO FAZ PARTE DA EDIÇÃO #486 (MAI/JUN) DA REVISTA PB. CONFIRA A ÍNTEGRA, DISPONÍVEL AQUI.

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