Em meio a crises de ansiedade que assisto, e que já vivenciei aos montes — e ainda me atormentam de maneira mais rara —, busquei compreender algo a respeito do quanto certas ferramentas me maltratam. Dividir isso é um gesto arriscado, pois debater atualmente tem sido ato quase insano.
Numa mesa de bar, uma jovem amiga puxa o celular. Olho de relance e vejo que ela tem mais de 700 mensagens não lidas no WhatsApp. Fico assustado e a indago sobre isso. Ouço que o telefone é dela, que pode escolher o que ver e responder. Isso é uma atitude aleatória ou eu não me adequei aos ventos geracionais?
Volto para casa e lembro: quando atinjo dez mensagens não lidas somadas, fico preocupado de estar perdendo algo. Quem está certo? Não existe resposta. Mas existem sensações. E confesso que me senti melhor quando comecei a colocar determinados grupos nas mensagens arquivadas. Ali raramente entro, e me senti menos culpado diante de uma mistura de sentimentos em relação ao que o aplicativo me trouxe.
O WhatsApp é incrível. O aplicativo nos conecta o tempo todo e nos permite falar, ouvir, ler, escrever, trocar arquivos, fazer chamadas de vídeo e resolver uma série de assuntos importantes. E aqui também há um problema: não existe mais separação de tempo. Não sei quando estou me divertindo ou quando estou trabalhando. Grupos de amigos de escola se misturam a decisões bem sérias do mundo profissional no mesmo espaço. Rio, entristeço, fico irado e eufórico em poucos minutos dentro de uma mesma hora. Chego a invejar uma das minhas chefes, que se recusa a utilizar o aplicativo para trabalhar. Antiquada? Quando soube da sua decisão, julgava que sim. Hoje, considero-a sábia. Consegue imaginar o que é não receber qualquer coisa do trabalho entre sexta-feira, às 18h, e segunda-feira, às 9h? Não estou falando apenas do WhatsApp, mas de tudo. Isso é mágico!
E aqui está uma grande característica brasileira realçada por uma ferramenta tão importante. Somos um povo acusado de não saber separar o público do privado. Não apartamos o íntimo do técnico. Misturamos tudo muito rapidamente e, então, temos um desafio severo — tudo ao mesmo tempo, sempre. Mas quem disse que eu quero ser amigo dos meus amigos o dia todo? Quem disse que quero ser empregado aos domingos e sete noites por semana? No campo do trabalho, as desculpas são sempre as mesmas: “Leia ou ouça quando puder, não precisa ser agora…”. Mas… já foi. Para me deparar com isso, precisei entrar; ao entrar, eu li; ao ler, eu me ativei — e, por vezes, respondi ou fiquei aborrecido. Natural? Pode ser que sim. Mas o que é natural? Ignorar, responder, ler ou calar?
Resumo das sensações, precisamos repactuar o que esse aplicativo trouxe para nossas vidas em relação ao tempo. O primeiro gesto é simples: não sabe brincar, desinstala. Não! Não me vejo fazendo isso, pois estaria perdendo uma série de informações, eventos, brincadeiras e trabalhos. Mas tudo isso, repito, está no mesmo lugar. Ao mesmo tempo. Angustiante. Capaz, obviamente, de a maldição dos dois checks azuis e a expectativa de uma resposta gerarem ansiedade em quem é ansioso. E isso pode ser tenebroso…
Mas, nos últimos meses, tenho sentido certa trégua na ferramenta (será?). Seria um pacto silencioso? Pergunto isso porque não combinei nada com ninguém sobre um código mais adequado. No entanto, um outro chefe — que mandava mensagens, sistematicamente, toda sexta-feira às 19h30 num dado grupo — parou de escrever. Há dias que vários grupos nem sequer carregam qualquer manifestação. Raro, mas acontece. E sonho voltar um pouco no tempo.
Para terminar, mensagem no WhatsApp de uma amiga que mora em Lisboa sobre o apagão na Ibéria: “Ontem foi bem estranho. Uma beleza de dia ensolarado ‘anos 80’, com a criançada brincando nas praças, sem celular. E, ao mesmo tempo, aquele friozinho na barriga de início de pandemia”. O passado diz respeito ao fato de as pessoas voltarem a se encontrar nas ruas. Mas como fizeram isso sem WhatsApp? Simplesmente, e provavelmente, foram. Encontraram-se, usaram as ruas na ausência da energia elétrica que a tudo movimenta. Eu fiquei com saudade de quando visitava alguém sem avisar, sentindo falta de quem eu não via fazia tempo e nem sequer sabia como estava. É isso. O WhatsApp — e, aqui, ele é só um símbolo de algo infinitamente maior e mais complexo — roubou a deliciosa dorzinha da saudade. Tirou o elemento surpresa e nos afastou do direito de tomar fôlego na distância e no silêncio para, depois, planejar um reencontro ou se deixar levar por uma surpresa. É isso. E isso é uma pena…
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