O título do texto é forte, mas se trata de passagem de um samba do finado compositor Bezerra da Silva, que sempre merece atenção por retratar aspectos da malandragem que, por vezes, se relacionam diretamente com a nossa política. Ademais, com parlamentares sonhando com projeto de lei que proíbe críticas aos excelentíssimos empregados populares contratados pelo voto, é bom intensificar antes que sejamos censurados. Vamos entender o que quero aqui.
No começo de 2018, Jair Bolsonaro anunciou que aderiria ao PSL, legenda pela qual disputaria e ganharia a Presidência da República em outubro. Deputado federal fluminense eleito em 2014 pelo PP, o então parlamentar se aproveitou da janela de troca de legenda que beneficiou, extraordinariamente, deputados em 2016 e foi para o PSC. No seu destino, ele não teve aquilo que sempre buscou no hoje Progressistas: a garantia de que poderia disputar o Planalto. Assim, em 2018, nova troca — desta vez para o PSL, depois de fazer o PEN mudar de nome, adotar a “alcunha” de Patriota ser abandonado na expectativa da chegada do “mito”.
Quando Bolsonaro venceu o pleito nacional e tomou posse na Presidência, respondi várias vezes à pergunta “E o que será do PSL?” Só existiam duas alternativas no horizonte: virava partido estruturado ou se partia. Usei como elemento central para o meu argumento a ideia de que quando chegou ao poder federal, em 1995, o PSDB saltou de aproximadamente 300 prefeitos eleitos, em 1992, para cerca de mil, em 1996. E o PT, quando se aboletou no Planalto em 2003, partiu de cerca de 2 mil cidades onde disputou prefeituras em 2000, para em torno de 4 mil municípios onde esteve registrado no pleito majoritário em 2004. Percebe? A legenda que controla o Executivo federal, dono do poderoso cofre arrecadatório nacional, tende a crescer localmente.
E o PSL? Pois é: o partido conseguiu perder Bolsonaro antes mesmo do pleito municipal de 2020. Primeiro, porque, alegando que o epicentro do crescimento era ele, o presidente queria a legenda para seu grupo, e não a obteve. Segundo, porque o partido não entendeu que precisava se consolidar como tal, mas isso seria complexo demais para uma cambada de gente eleita quase aleatoriamente para formar a segunda maior bancada da Câmara dos Deputados — discretamente atrás do PT. Aqui estava o que seria o segredo para a sustentabilidade política da transformação do pequenino PSL em um gigante: dividir o partido e seu caminhão de recursos públicos entre parlamentares para que tais “lideranças” montassem bases regionais capazes de pôr em diálogo a força econômica do Planalto com a força política dos prefeitos, o tradicional ganha-ganha da política. Mas a pergunta que nunca se calará: quem tinha paciência, experiência, interesse e capacidade para algo desse tipo no aleatório e lacrador PSL? Quem ousaria dizer que a tradicional política precisava se sobrepor, mesmo que nos bastidores, à “nova política”? Ninguém, ou uma minoria que não se fez forte. Bolsonaro só se empenharia (e mobilizaria a máquina federal nisso) se o partido fosse dele. Já o partido só conseguiria fazer isso se tivesse Bolsonaro, que nem sequer conseguiu fundar um partido próprio. Mas para além desse perde-perde, parte expressiva do bolsonarismo se elegeu na esteira do ódio, da lacração e das redes sociais. Assim, logo perceberam (ou nunca pararam para pensar) que partido político espraiado e estruturado dá muito trabalho. Resultado? O PSL foi um fracasso em 2020, principalmente se comparado ao PSDB de 1996, ou ao PT de 2004.
Com Bolsonaro distante, e segurando de maneira artificial um monte de eleitos proporcionalmente no PSL, restaria à legenda assistir à abertura da janela de troca partidária em 2022 e a revoada de uma horda de eleitos em 2018 na Câmara e nas assembleias. Foi o que ocorreu? Mais ou menos, pois a fusão com o DEM foi o casamento dos fracassados: o novo rico PSL, que não sabia o que fazer e como organizar tanto recurso, e o ex-milionário falido DEM — que, como o PFL em 1998, foi o último partido brasileiro a tirar das urnas mais de cem deputados federais e, desde 2003, só definhava. À tal União (Brasil) dei o nome, à época da junção, de Partido Viagem a Miami, o sonho de todo novo rico e a realidade possível de todo ex-abastado. Quem se deu bem nisso? O DEM, que gozou do dinheiro do PSL — e ainda assim, juntos, em 2022, tiveram desempenho questionável. A janela de troca partidária abriu, e o União ficou com “apenas” 51 deputados federais. Contudo, muito rico, elegeu 59, o que surpreendeu positivamente alguns, a ponto de um novo acordo de junção, com o Progressistas, esfriar. Mas e em relação a 2018? Naquela ocasião, a dupla PSL e DEM fez, desunida, 81. Pois é…
Ainda temos história. Bolsonaro, que quase foi parar no Patriota, tapeado de novo, se filiou ao PL em novembro de 2021. O presidente, à ocasião, conseguiu feito inédito: vendeu a alma do País à reeleição e ao Congresso, instituiu uma lógica secreta de orçamento que somente meia dúzia de alucinados e um espertalhão de plantão na Câmara entendem ser benéfico à Nação e teve o dom de perder a reeleição. E onde está hoje? Continua no PL, onde provavelmente terá papel de destaque, pela primeira vez em décadas de política, nas eleições municipais. A legenda de Valdemar Costa Neto, que serviu ao cargo de vice de Lula em 2002 e experimentou crescimento municipal expressivo em 2004, é a esperta da rodada. Perceba.
Os discursos de hoje do ex-presidente contrariam totalmente tudo o que ele disse e fez em 2020: Bolsonaro será cabo eleitoral em 2024, já se esbaldando em festas de filiações de prefeitos advindos de outras legendas pelo Brasil. E o PL pretende eleger mais de mil prefeitos, numa fala inicial do ex-presidente. Ou melhor: cerca de mil prefeitos somados ao PP e ao Republicanos, em correção de otimismo exacerbado do próprio. Ou se preferir: mais de 1,5 mil prefeitos, numa fala recente quase alucinada de Costa Neto. Note a diferença: em 2020, Bolsonaro não apoiou firmemente sequer 50 candidatos a prefeito tendo nas mãos o Palácio do Planalto. Em 2022, amargou derrota que o tirou do eixo — e, até mesmo, do Brasil. E em 2024, está sendo preparado (caso não condenado e passar a figurar como vergonha do discurso anticorrupção) como o maior cabo eleitoral do País. Nesses cinco anos de história acima, quem é o malandro? Quem é o otário?
Para o primeiro posto, seguramente, Valdemar Costa Neto, acusado por bolsonaristas de apenas usar o ex-presidente — e de quem fala mal pelas costas sem qualquer dó ou pudor — é o destaque absoluto. E quem é o otário? Seguramente, os dirigentes do PSL se esforçaram para construir tal imagem, uma vez que politicamente já foi fagocitado pelo DEM, que entrou cedo demais no governo Lula. Se o União Brasil sair pujante das urnas em 2024, apenas uma coisa poderá ser dita com a mais absoluta certeza: mérito de quem sabe o que é partido, e, certamente, essa habilidade nunca esteve associada ao PSL.
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