Artigo

Entre o dever funcional e a conduta individual

José Mário Wanderley Gomes Neto
é doutor em Ciência Política, mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e docente da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna "Ciência Política" da PB.
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José Mário Wanderley Gomes Neto
é doutor em Ciência Política, mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e docente da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna "Ciência Política" da PB.

Recentemente, em texto para a Folha de S.Paulo, o professor Conrado Hübner Mendes, da Universidade de São Paul (USP), trouxe a lume um tema atual e necessário: debater as situações comportamentais que, potencialmente, possam gerar conflitos de interesse — no sentido estritamente ético — envolvendo os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Seria adequado um ministro, em palestra de natureza acadêmica proferida em ambiente universitário, discorrer supostamente “em tese” sobre tema que ainda será julgado pelo STF, antecipando, direta ou indiretamente, o conteúdo do seu voto? É conveniente que ministros participem como convidados de eventos patrocinados por empresas que figurem como partes em processos em tramitação na Corte?

Convém a um magistrado aceitar e receber comendas, medalhas e outras honrarias de órgãos do Poder Público ou de casas legislativas, enquanto importantes agentes políticos estão sujeitos a investigações e/ou a processos criminais conduzidos na esfera do STF? Embora nenhuma dessas condutas exemplificativas seja expressamente proibida por lei, é oportuno questionar se seriam social e/ou eticamente desejáveis.

É imprescindível que os juízes revelem riscos de quaisquer potenciais conflitos de interesses éticos e se abstenham de casos em que a sua imparcialidade possa, em tese, ser comprometida. Da mesma maneira, fundamental também se mostra a necessidade de avaliar as próprias condutas individuais, dentro e fora da Corte, de modo a evitar supostas situações de conflito de interesses, garantindo a validade jurídica de decisões futuras e, principalmente, a legitimidade do próprio Tribunal quanto ao exercício de suas funções institucionais de controle.

Padrões éticos devem ser claramente definidos no desenho institucional da Corte (a partir de normas claras) e sempre respeitados para garantir a justiça e a credibilidade dos processos judiciais. A falta de resolução prévia dos conflitos de interesses éticos, a partir da não definição desses padrões ou de seu  descumprimento pelos ministros, pode ter efeitos prejudiciais na legitimidade das decisões judiciais e na integridade geral do STF.

Em tempos de polarizações política e social calcificadas, na qual cada lado tem procurado deslegitimar qualquer decisão judicial contrária à sua agenda — não sendo relevante para nenhum deles o que diz a Constituição —, importam as aparências e, da mesma forma, instituições suficientes para constranger comportamentos eticamente comprometedores. O resgate da legitimidade institucional plena passa por evitar aparentes conflitos de interesse entre o dever funcional e a conduta individual do julgador.

Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.