Nas investigações criminais, assim como nas pesquisas científicas baseadas na reconstrução de eventos sequenciais que produziram um fato relevante a ser explicado, há três procedimentos investigativos fundamentais. Primeiro, é necessário organizar, descritivamente, a ordem e a conexão dos eventos com o fato (sequência, contexto, interação). Depois, é preciso questionar os eventos associados ao fato a ser explicado a fim de eliminar conexões pouco plausíveis. Esse segundo procedimento contribui para reduzir as hipóteses que poderão explicar o fato ocorrido naquilo que mais interessa e que corresponde ao terceiro procedimento da investigação: identificar a motivação dos atores envolvidos e, desse modo, isolar e — quem sabe — comprovar a hipótese explicativa mais plausível.
Pois bem, a tentativa de assassinato de Donald Trump, no último dia 13 de julho, é um desses fatos relevantes cuja explicação hipotética pode ser processada por intermédio dessa heurística. Envolto em coisas um tanto raras, o atentado pode ser decisivo para a campanha eleitoral vitoriosa do candidato, o que levou muita gente a desconfiar que se tratou de uma simulação da sua equipe — um atentado fake. Para ouros, foi o contrário, Trump foi alvo do deep state norte-americano, em razão das suas críticas à guerra na Ucrânia, à animosidade contra a Rússia e aos gastos do país com a indústria armamentista. Afinal, qual é a hipótese mais plausível?
Inicialmente, os fatos: um jovem de 20 anos, Thomas Matthew Crooks, usando uma arma do pai (AR-15), subiu no telhado de um prédio localizado proximamente (150 metros) ao evento de pré-campanha presidencial de Trump. Sem ser impedido por ninguém, tomou posição de tiro e disparou contra o ex-presidente, acertando, de raspão, a sua orelha. Por pouco não acertou a cabeça — que, certamente, era o seu alvo —, um indicativo, portanto, de que a intenção era mesmo assassinar o candidato republicano. Esse dado é relevante porque, em princípio, invalida (ou, pelo menos, reduz) a consistência da hipótese de que se tratou de uma armação da equipe de Trump para catapultar a própria campanha. Dados os fatos, restam perguntas cujas respostas permitem algumas conjecturas a respeito das motivações para o atentado e, por consequência, podem subsidiar certas hipóteses acerca dos possíveis suspeitos.
Vamos às perguntas: (1) como um atirador conseguiu passar despercebido pela equipe de segurança ostentando uma arma de grande porte, entrar num prédio próximo ao local do encontro e subir até o telhado, de onde era possível ter uma mira de tiro excepcional?; (2) como o atirador, um jovem sem treinamento militar nem apoio logístico, pôde saber que aquele era um ótimo ponto para acertar o alvo e, naquele mesmo dia, por mero acaso, seguiu até o prédio, conseguiu entrar e se estabelecer com a sua arma em posição de disparo?; (3) se tudo foi planejado previamente, como foi possível obter, com a devida antecedência, as cruciais informações a respeito dos locais do evento e da montagem do palco, uma vez que essas decisões, por segurança, costumam ser tomadas pouco antes de cada evento do tipo?; (4) e como, ainda, soube de antemão, além do fato de que ninguém o impediria de entrar no prédio, que haveria nenhuma equipe de segurança instalada naquele telhado?
E não para por aí: (5) dadas as posições sensíveis do prédio e do telhado, por qual razão o próprio serviço secreto não posicionou, naquele local, quaisquer das suas equipes de observadores e atiradores?; (6) além disso, como a segurança não detectou a ameaça durante todo esse tempo, desde a entrada no prédio até o posicionamento para o tiro, especialmente quando há relatos de que pessoas comuns avisaram os policiais de que havia alguém estranho portando uma arma no telhado?; (7) por que o comando da operação de segurança não ordenou a neutralização do atirador antes do atentado, uma vez que o mantinha sob observação há vários minutos antes do disparo? (8) e é possível, de fato, que o serviço secreto — assim como as demais agências envolvidas na operação — tenha cometido uma sequência de falhas tão primárias e graves?
Agora, vamos às hipóteses (só há duas plausíveis): ou as agências responsáveis pela segurança do ex-presidente exibiram um festival de incompetência, ou houve algum tipo de complô para assassinar o candidato. Cada uma dessas hipóteses tem várias possibilidades, com graus variáveis de plausibilidade. O que parece mais verossímil é que tenha sido um inside job envolvendo uma disputa interna no âmbito do deep state, opondo os interesses do grupo que está no poder atualmente e o grupo que voltará ao poder, com Donald Trump. Frente à débil condição de Joe Biden — plenamente escancarada —, não há nada que separe o ex-presidente do seu retorno triunfal à Casa Branca. Logo, há motivação, oportunidade e um farto histórico de conspirações e conluios envolvendo as esferas do “Estado profundo” estadunidense, cujo exemplo mais notório é o assassinato de John Kennedy. Obviamente, tudo ainda é inconclusivo, e novos fatos podem mudar os níveis de plausibilidade das hipóteses sugeridas. O fato é que a violência sempre esteve na raiz da política dos Estados Unidos, seja contra outras nações, seja de grupos políticos do país entre si. Basta observar que a tentativa de assassinato de Trump foi o nono atentado contra um presidente/ex-presidente por lá.
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