Artigo

Falha ou complô?

Paulo Peres
é cientista político, especialista em análise institucional e professor no departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
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Paulo Peres
é cientista político, especialista em análise institucional e professor no departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Nas investigações criminais, assim como nas pesquisas científicas baseadas na reconstrução de eventos sequenciais que produziram um fato relevante a ser explicado, há três procedimentos investigativos fundamentais. Primeiro, é necessário organizar, descritivamente, a ordem e a conexão dos eventos com o fato (sequência, contexto, interação). Depois, é preciso questionar os eventos associados ao fato a ser explicado a fim de eliminar conexões pouco plausíveis. Esse segundo procedimento contribui para reduzir as hipóteses que poderão explicar o fato ocorrido naquilo que mais interessa e que corresponde ao terceiro procedimento da investigação: identificar a motivação dos atores envolvidos e, desse modo, isolar e — quem sabe — comprovar a hipótese explicativa mais plausível.

Pois bem, a tentativa de assassinato de Donald Trump, no último dia 13 de julho, é um desses fatos relevantes cuja explicação hipotética pode ser processada por intermédio dessa heurística. Envolto em coisas um tanto raras, o atentado pode ser decisivo para a campanha eleitoral vitoriosa do candidato, o que levou muita gente a desconfiar que se tratou de uma simulação da sua equipe — um atentado fake. Para ouros, foi o contrário, Trump foi alvo do deep state norte-americano, em razão das suas críticas à guerra na Ucrânia, à animosidade contra a Rússia e aos gastos do país com a indústria armamentista. Afinal, qual é a hipótese mais plausível?

Inicialmente, os fatos: um jovem de 20 anos, Thomas Matthew Crooks, usando uma arma do pai (AR-15), subiu no telhado de um prédio localizado proximamente (150 metros) ao evento de pré-campanha presidencial de Trump. Sem ser impedido por ninguém, tomou posição de tiro e disparou contra o ex-presidente, acertando, de raspão, a sua orelha. Por pouco não acertou a cabeça — que, certamente, era o seu alvo —, um indicativo, portanto, de que a intenção era mesmo assassinar o candidato republicano. Esse dado é relevante porque, em princípio, invalida (ou, pelo menos, reduz) a consistência da hipótese de que se tratou de uma armação da equipe de Trump para catapultar a própria campanha. Dados os fatos, restam perguntas cujas respostas permitem algumas conjecturas a respeito das motivações para o atentado e, por consequência, podem subsidiar certas hipóteses acerca dos possíveis suspeitos. 

Vamos às perguntas: (1) como um atirador conseguiu passar despercebido pela equipe de segurança ostentando uma arma de grande porte, entrar num prédio próximo ao local do encontro e subir até o telhado, de onde era possível ter uma mira de tiro excepcional?; (2) como o atirador, um jovem sem treinamento militar nem apoio logístico, pôde saber que aquele era um ótimo ponto para acertar o alvo e, naquele mesmo dia, por mero acaso, seguiu até o prédio, conseguiu entrar e se estabelecer com a sua arma em posição de disparo?; (3) se tudo foi planejado previamente, como foi possível obter, com a devida antecedência, as cruciais informações a respeito dos locais do evento e da montagem do palco, uma vez que essas decisões, por segurança, costumam ser tomadas pouco antes de cada evento do tipo?; (4) e como, ainda, soube de antemão, além do fato de que ninguém o impediria de entrar no prédio, que haveria nenhuma equipe de segurança instalada naquele telhado?

E não para por aí: (5) dadas as posições sensíveis do prédio e do telhado, por qual razão o próprio serviço secreto não posicionou, naquele local, quaisquer das suas equipes de observadores e atiradores?; (6) além disso, como a segurança não detectou a ameaça durante todo esse tempo, desde a entrada no prédio até o posicionamento para o tiro, especialmente quando há relatos de que pessoas comuns avisaram os policiais de que havia alguém estranho portando uma arma no telhado?; (7) por que o comando da operação de segurança não ordenou a neutralização do atirador antes do atentado, uma vez que o mantinha sob observação há vários minutos antes do disparo? (8) e é possível, de fato, que o serviço secreto — assim como as demais agências envolvidas na operação — tenha cometido uma sequência de falhas tão primárias e graves?

Agora, vamos às hipóteses (só há duas plausíveis): ou as agências responsáveis pela segurança do ex-presidente exibiram um festival de incompetência, ou houve algum tipo de complô para assassinar o candidato. Cada uma dessas hipóteses tem várias possibilidades, com graus variáveis de plausibilidade. O que parece mais verossímil é que tenha sido um inside job envolvendo uma disputa interna no âmbito do deep state, opondo os interesses do grupo que está no poder atualmente e o grupo que voltará ao poder, com Donald Trump. Frente à débil condição de Joe Biden — plenamente escancarada —, não há nada que separe o ex-presidente do seu retorno triunfal à Casa Branca. Logo, há motivação, oportunidade e um farto histórico de conspirações e conluios envolvendo as esferas do “Estado profundo” estadunidense, cujo exemplo mais notório é o assassinato de John Kennedy. Obviamente, tudo ainda é inconclusivo, e novos fatos podem mudar os níveis de plausibilidade das hipóteses sugeridas. O fato é que a violência sempre esteve na raiz da política dos Estados Unidos, seja contra outras nações, seja de grupos políticos do país entre si. Basta observar que a tentativa de assassinato de Trump foi o nono atentado contra um presidente/ex-presidente por lá. 

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