Artigo

Feiras literárias, o que pensar?

Leandro Garcia
é professor na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Academia Petropolitana de Letras (APL)
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Leandro Garcia
é professor na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Academia Petropolitana de Letras (APL)

Nos últimos anos, estamos nos deparando com um expressivo aumento na quantidade de encontros — feiras, bienais, festivais, festas etc. — em torno da literatura. O grande evento de referência continua sendo a Festa Literária de Paraty (Flip), que ocorre anualmente na cidade do interior fluminense. Mas o que pensar/avaliar dessa constatação? Até que ponto estimulam a literatura ora produzida, ou aquela considerada canônica? Algumas questões para as quais levanto um rápido debate.

Vivemos num sintomático momento de culto às celebridades e a determinadas personalidades das mais diferentes áreas da vida pública. Dessa forma, esse culto personalista se retroalimenta de mecanismos atuais, como as redes sociais e outras formas de comunicação virtual, tão rápidas e horizontalizadas. No que concerne a certos autores, não sabemos o que atrai os leitores, se a identificação destes com o texto literário lido ou com a fama em torno do autor. É comum, nesses eventos, observarmos filas quilométricas para se obter um autógrafo e, principalmente, para tirar uma foto e/ou postar selfies. A estrela, neste caso, oscila entra o autor-personalidade e o próprio desejo, por parte do leitor, de ser visto com o autor, posto que essas imagens alimentarão as redes sociais — e eu me pergunto: onde fica a centralidade do texto literário, elemento determinante da literatura?

Há alguns meses, em Petrópolis, também no Rio, tivemos um imenso evento dessa natureza, o que de fato marcou a cidade. Uma determinada escritora, dessas que arrastam multidões por onde passa, num auditório lotado, pediu que levantassem as mãos aqueles que ali já tinham lido pelo menos um dos seus livros. Para o constrangimento dela e espanto geral, algo em torno de 10% levantaram as mãos, ou seja, uma clara minoria. Após a constatação, ela perguntou o motivo da presença de tantos “leitores” seus naquele momento. As respostas foram ainda mais estranhas: para vê-la, para tirar selfies com a famosa, para produção de conteúdo digital de alguns e até por causa de uma certa curiosidade de outros. Assim, o debate em torno da literatura produzida pela romancista ficou em segundo (ou terceiro) plano, já que a maioria nem sequer tinha lido um livro dela. Achei esse fato realmente preocupante e revelador do problema que ora compartilho com vocês.

Que esses encontros são importantes, eu não duvido, não apenas pela aproximação de leitores e autores em torno da literatura, mas também pelo fato de que esses empreendimentos geram lucro e boas divisas. Sim, a cultura gera lucro e movimenta os mais diferentes setores de um determinado lugar. Em Petrópolis, na ocasião citada, toda a rede hoteleira da cidade foi beneficiada, bem como restaurantes, vendedores ambulantes, motoristas de aplicativos, taxistas, livrarias e outros profissionais contratados para a montagem e a manutenção de toda a estrutura (complexa) do evento. Mas continuo me questionando acerca da aproximação entre leitor e autor, não pela produção literária deste último, mas, em muitíssimos casos, pelo desejo de exposição pessoal por meio das ações próprias da indústria cultural e da comunicação das massas. Até que ponto vamos a essas ocasiões para realmente celebrar a literatura, e não para festejar identidades e personalidades?

Em resumo, um debate atual e desconfortável, mas indispensável e urgente.

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