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Lições preliminares das eleições 2024

Humberto Dantas
é cientista político, doutor em Ciência Política. Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.
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Humberto Dantas
é cientista político, doutor em Ciência Política. Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.

Toda eleição tem marcas registradas. Nos pleitos municipais, isso pode variar de acordo com a dimensão da cidade, dos casos e do eleitorado. Enquanto pequenas localidades têm particularidades que marcam as disputas, as megametrópoles repercutem questões estaduais e, por vezes, nacionais, espelhando um passado recente ou refletindo um futuro próximo. Assim, em setembro, a menos de um mês para o primeiro turno, o que parece evidente até aqui em relação às eleições de 2024? Separamos alguns pontos.

Parece, enfim, que resolvemos falar, mais abertamente, sobre a longeva presença do crime organizado nas eleições nacionais. Candidaturas afeitas a famosas facções, com envolvimentos escancarados, sobretudo no que diz respeito ao financiamento eleitoral, têm sido observadas. Naturalmente, caberá ao eleitor a avaliação final — e caberia à Justiça e aos partidos um filtro mais exato. O fenômeno, acredite, não está mais intenso do que antigamente, mas apenas mais escancarado no debate público.

Aproveitando a variável “crime organizado”, as eleições no Brasil seguem extremamente violentas, sobretudo nos municípios. Pleito local é luta por sobrevivência e subsistência, e isso leva a ameaças, agressões e até assassinatos em proporções ignoradas por parcelas de pessoas que adoram dizer, falsamente, que a eleição é uma “grande festa da democracia”. 

Devemos ofertar muita atenção ao debate sobre o meio ambiente nas cidades brasileiras, sem limite de tamanho de população e território, servindo a todas as localidades. As queimadas, as secas extremas, as oscilações climáticas e as tragédias, principalmente no Rio Grande do Sul, nos avisam que o tema tem sido negligenciado pelo eleitorado, e por muitas das principais candidaturas, há décadas. A sensação neste ano é de que ainda estamos distantes de respostas assertivas, compromissos factíveis e debates alongados. Destaquemos: parte das responsabilidades sobre o tema é dos municípios.

O nível das campanhas continua baixo demais, e as redes sociais seguem com a capacidade de produção de universos infantilizados, recortados e irreais. Pouco se faz em matéria de educação política para o desenvolvimento da democracia, e os discursos são rasteiros em grande medida. Os candidatos se abraçam a estratégias de marketing que assustadoramente dão atalhos, mas esse encurtamento de trajeto é secularmente danoso a uma sociedade que procura facilidades e não assume responsabilidades. Formar, educar, amadurecer e elevar o nível é o mínimo. Estamos distantes disso.

O jornalismo segue sensacionalista, repetitivo, pouco criativo, quase nada educativo e incapaz de trazer respostas sólidas e concretas para o desenvolvimento da Democracia. O jornalismo político, como um todo, não consegue compreender que foi (e ainda é) meio de disseminação do que existe de pior em termos de práticas políticas. A audiência ainda está calculada em torno do mundo cão. Os debates televisivos em diferentes cidades, organizados pelas emissoras e por estas disseminados em suas leituras e resultados, são provas concretas do quanto parte do que produzem só aprofunda crises.

Fenômenos esquisitos seguem vivos demais na política, fruto de distanciamentos, desinteresses, procura por soluções fáceis para problemas complexos e sensacionalismo, em parte impactado por tudo o que até aqui foi dito. Mas que fique evidente: a despeito da velocidade e do impacto mais expressivo das redes sociais, aberrações sempre existiram. São Paulo já “elegeu” um rinoceronte nos anos 50 e o Rio de Janeiro já “escolheu” um chimpanzé nos anos 80. Outros tempos, mas igualmente desafiadores, pois parece indiscutível que as reencarnações dos espíritos de ambos os animais se encontraram recentemente em debates, com direito à brutal truculência do rinoceronte violentando as sandices irresponsáveis do protagonista pelas macaquices da vez. Isso não se restringe a uma só cidade, e tratar o tema como notícia política, e não policial, é parte do problema.

Ideologicamente, existe tendência, em capitais e grandes localidades, à forte presença de partidos de centro-direita. Ademais, extremo pluripartidarismo na divisão das cidades é marca quase certa, sem que qualquer legenda conquiste 1,5 mil ou mil prefeituras, como afirmavam planos ousados e míopes. 

Ainda, existe, sobretudo nas capitais, tendência à reeleição — onde é legalmente possível. Quem não tem asseguradas evidências de permanência é vítima da própria incapacidade de produzir e comunicar. E se isso é verdade, em alguma medida, por pior que seja o estado cultural de nossa democracia, o eleitorado segue minimamente capaz de avaliar governos e ofertar continuidade ou mudança, a despeito do nível das campanhas.

A polarização entre Lula e Bolsonaro, ou PT versus PL é menos intensa pelo Brasil do que muitos imaginavam — até porque ambos, em especial o segundo, parece menos disposto a aparecer apoiando aliados do que se pregava. Realidades de natureza local e partidos utilizados apenas como critério de elegibilidade pelas campanhas e pelos grupos políticos locais também seguem em alta. Isso fragmenta partidariamente o bolsonarismo, que está sendo testado e parece ser maior do que o sujeito que lhe inspira o nome.

As eleições para o Poder Legislativo, por sua vez, seguem sem a devida atenção das cidades e dos eleitores, que ainda parecem emprestar critérios questionáveis a um pleito fundamental e pouco compreendido. Por fim, a Justiça segue monopolizando diversos ambientes e crendo que a própria atuação — por vezes, seletiva e exagerada — é capaz de resolver problemas infinitamente mais profundos que o caráter raso de algumas posturas. Até procurados pelo 8 de janeiro são candidatos, em clara provocação ao Supremo. 

Além disso, o Judiciário não pode se achar protagonista da educação política e das campanhas de conscientização para o voto, como alguns de seus membros imaginam, tampouco pode crer que proibir e regular ao extremo as redes sociais sejam ações capazes de conter fenômeno mais complexo de comunicação. Não pode punir “A” e deixar “B” impune, gerando sentimento avesso à ideia da própria justiça. A quantidade de eleições que será definida no Judiciário é imensa, e a falta de celeridade e a adoção de critérios questionáveis seguirão desafiando o Estado democrático.

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